"Sou um cronista. Queria conhecê-lo, mestre."
O casarão do Vampiro de Curitiba se erguia no Alto da Glória. As janelas fechadas e o portão aberto me atraíram. Era meu sonho conhecer o dono da casa. Passei pelo jardim e empurrei a porta destrancada.
O interior exalava um silêncio estridente. No centro da sala, uma cadeira de balanço. As cortinas filtravam a luz, projetando sombras nas paredes.
- Entre - veio a voz rouca.
O Vampiro de Curitiba, se encostava numa estante repleta de livros. Seus olhos penetrantes dominavam o ambiente. Ele me avaliava com a mesma intensidade que revisava suas palavras.
- Não esperava visitas - disse ele.
Eu gaguejei, sem justificar minha intromissão. Ele ergueu a mão.
- Não importa. O tempo se esgota. Quem é você?
- Sou um cronista. Queria conhecê-lo, mestre.
Ele respondeu, irônico:
- Cronistas escrevem para preencher o vazio das horas. Eu escrevo para esculpir o silêncio.
As palavras me atingiram como as presas de Drácula. Ele apontou para um sofá coberto de papéis.
- Sente-se.
Falou-me de seus pesadelos: leitores invisíveis arrancavam pedaços de sua carne durante o sono. Descreveu uma Curitiba onde as ruas se reorganizavam à noite, onde pessoas sumiam nas esquinas, levadas por murmúrios que não se ouviam.
As sombras nas paredes se estenderam em formas humanas. A cadeira de balanço não parava de se mover.
- Elas chegaram - sussurrou, a voz entrecortada.
- Quem?
- As palavras que não escrevi. Elas me perseguem.
O Vampiro pegou um caderno preto da pilha ao lado da estante e me entregou.
-- As palavras que não escrevi. Elas me perseguem.
O Vampiro pegou um caderno preto de uma pilha ao lado da estante e estendeu para mim.
-- É o último. O mais importante. Não deixe que elas o encontrem.
O caderno, encardido e sem título, pesava em minhas mãos. Ao abri-lo, vi a mesma frase repetida em todas as páginas, em letras diminutas: "Não leia isso em voz alta."
Antes que pudesse perguntar o que significava, o Vampiro começou a se desvanecer, como uma sombra tragada pela luz.
-- Escreva! -- foi sua última palavra, ecoando pelas paredes do casarão.
Fiquei imóvel por minutos, antes de sair. Mas algo do casarão veio comigo. As sombras. As palavras. O caderno.
Em casa, tentei usá-lo. Sempre que apagava ou reescrevia qualquer esboço, a frase "Não leia isso em voz alta" ressurgia. Nas madrugadas, o som de uma cadeira de balanço ainda ecoa pelo apartamento -- embora eu não tenha uma cadeira de balanço.
O caderno continua comigo. E sempre que o abro, as páginas estão em branco.
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