Você tem medo de ser assassinado? Se for como 81% das pessoas nas grandes cidades do país, sim. E nesse caso tem quase 50% de chance de temer que isso ocorra no próximo ano. Talvez seja porque, como metade das pessoas nessas cidades, conhece alguém que já foi vítima de homicídio. Mas talvez seja porque anda assistindo muita televisão.
Sim, o Brasil tem o maior número absoluto de homicídios do mundo. Mas embora o medo do homicídio seja quase sempre vinculado ao mundo do crime, na verdade cerca de 80% dos assassinatos se dão de forma impulsiva ou por motivos fúteis. O número de homicídio no país passou dos 60 mil por ano em 2012, cerca de 50 mil por arma de fogo. Se oito em cada dez não estão ligados à criminalidade diretamente, pouco mais de dez mil mortes naquele ano devem ter sido consequência da violência dos bandidos. Só para colocar em perspectiva, as doenças ligadas à obesidade, sedentarismo e tabagismo, como infartos agudos do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais, diabetes e hipertensão matam trinta vezes mais. E não sei se as pessoas têm tanto medo de enfartar como têm de ser assassinadas.
A questão é que nosso cérebro é péssimo para lidar com números grandes e fatos complexos. Nós evoluímos em ambientes selvagens, cercados de poucas pessoas, num contexto em que as relações de causa e efeito eram muito mais eficazes para explicar e prever fenômenos do que ocorre hoje, na sociedade urbanizada. Adotamos, então, atalhos mentais para entender o mundo que frequentemente causam confusão. Um desses atalhos, chamados de heurísticas, é conhecido como heurística da disponibilidade: quando temos que estimar a probabilidade de um evento, somos influenciados pela facilidade com que nos lembramos dele. Se algo é dramático, emocional, e por isso vem fácil à memória, tendemos a achar que sua ocorrência mais provável do que é na verdade. Por isso ficar exposto a noticiários de crimes constantes enviesa nossa perspectiva: quanto mais dramáticos forem os crimes, mais audiência eles rendem (apesar de serem mais raros, obviamente). Por conta desse apelo, acabamos nos lembrando mais deles e achando que são mais prováveis do que realmente são. Estudos mostram que a exposição ao noticiário policial guarda relação direta com a preocupação com violência, chegando a levar pessoas a modificar seus comportamentos em função do medo.
Além disso, não é preciso explicar porque as notícias sempre focam no risco de se morrer assassinado, por exemplo, em vez de apresentar qual a chance de não se morrer assassinado. Os números de guerra civil que o Brasil apresenta, com pouco mais de vinte assassinatos a cada cem mil habitantes por ano (contra 1 a cada cem mil na Suécia, e menos de 5 a cada cem mil nos EUA, por exemplo) são escabrosos. Mas do ponto de vista do risco para o cidadão, significa que 99.980 pessoas a cada cem mil não são assassinadas por ano. E essa forma de apresentar os dados - chamada de framing - também influencia no nosso medo. Esse mês foi publicado um estudo no qual o pesquisador dizia para as pessoas qual o risco de elas tomarem um choque nos próximos instantes. Às vezes ele apresentava a informação pela perspectiva positiva (você tem 80% de chance de não levar um choque), e às vezes pela negativa (você tem 20% de chance de levar um choque). Ao mesmo tempo era registrada a sudorese dos voluntários, uma medida indireta de medo. E mesmo quando o risco era o igual, quem recebia a informação negativa ficava com mais medo do que os outros.
De alguma coisa temos que morrer, no final. Mas se tem que ser "de susto, de bala ou vício", como diz a canção, os números mostram que o vício em comer e ficar parado é muito mais perigoso do que a bala, por mais que vivamos assustados.
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