‘Éramos ameaçados’, diz Paula Picarelli sobre seita religiosa da qual participou por oito anos

Ao ‘Estadão’, ex-atriz da Globo contou como eram os rituais voltados para artistas e como se livrou dos abusos e ameaças proferidas pelas lideranças do culto

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Por Ana Luiza Antunes
Atualização:

Paula Picarelli, que atuou na novela Mulheres Apaixonadas, integrou uma seita religiosa por oito anos. A atriz participou do grupo entre os anos 2000 e 2008. O assunto repercutiu após ela contar sobre o caso em entrevista ao jornal O Globo, divulgada nesta quinta-feira, 24. Ao Estadão, Paula afirmou que entrou na seita religiosa por “pressão de pessoas próximas”.

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Segundo ela, a seita - que segue ativa até hoje -, era voltada para artistas. Por conta disso, ela se identificou com a “possibilidade de encontrar um espaço de liberdade de expressão”. A atriz contou que entrou no grupo quando ele ainda estava em formação e que foi tomando consciência dos abusos e ameaças quando já ocupava um cargo maior lá dentro. Paula optou por não revelar o nome da seita e das lideranças.

“Me lembro que a primeira vez que eu fui achei tudo muito estranho, achei o clima esquisito, era tudo meio dark”, disse. Emocionada, a artista cita que ainda são “memórias difíceis de acessar”, mas que a elaboração do livro Seita - O Dia em que Entrei para um Culto Religioso, que acaba de ganhar nova edição pela editora Reformatório, a ajudou a dar esse passo e “digerir melhor” a história.

Paula Picarelli fala sobre seita religiosa Foto: Reprodução/Instagram/@paula.picarelli

“Nós fazíamos rituais e eu sentia que eu acessava uma força interna e me conectava com o que chamávamos de mundo espiritual [...] Foi um cenário muito sedutor para mim”, pontuou. Paula relatou que no começo os rituais tinham até 30 participantes. “No final, chegaram a fazer rituais com mil pessoas”, disse ao afirmar que a seita também tinha filiais em Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

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Ao tomar a decisão de sair, Paula falou que teve “muito medo”. “Eu tinha medo que alguém viesse bater na minha porta tomado pela loucura da fé para defender o grupo. Eu tinha medo mesmo, mas isso nunca aconteceu.”

Ao lançar a primeira tiragem do livro em 2018, a atriz confidenciou que tentou se proteger por meio da ficção, mas que agora está pronta para dar um novo passo. “Estou nervosa, como você pode perceber. Mas a experiência desses cinco anos da primeira edição do livro me mostrou que quando a gente fala, a gente encontra eco e ajuda outras pessoas.”

Como funcionavam os cultos

Conforme o grupo se estruturava, Paula relata que as relações hierárquicas também se consolidavam. De acordo com ela, a seita religiosa tinha “influências do catolicismo, umbanda, espiritismo, esoterismo, duendes, extraterrestres e espíritos guardiões da muralha da China”. “Parece brincadeira, mas não é”, enfatizou.

“A princípio o discurso [dizia] que o grupo era libertário, que as relações eram horizontais e que, por isso, não existia altar. Ninguém estaria numa posição superior em relação às outras pessoas”, conta. No entanto, ela frisa que aos poucos a hierarquia foi ficando “mais clara” ao passo que ganhava novos cargos dentro da seita.

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“Primeiro eu viro guardiã, que é uma pessoa designada para cuidar dos outros durante os rituais. Depois eu viro instrutora, que é uma pessoa que une um grupo em torno de si e passa instruções, aprendizados e conhecimentos. O topo da hierarquia é virar dirigente, o líder”, explicou. De acordo com a artista, ela não chegou a atingir o último posto, pois foi como instrutora que começou a “ver as contradições e ficar em dúvida” do que estava fazendo, do que acreditava e quais eram os “arcabouços de crenças do grupo”.

‘Fui longe demais’

Em entrevista ao jornal O Globo, Paula comentou que “foi longe demais” ao integrar a seita religiosa. Ao sair do grupo, ela relembra que ainda estava muito ligada aos preceitos dos rituais. “Todas as escolhas que eu fazia passavam por lá, todos os trabalhos que eu escolhia ou rejeitava, tudo o que eu lia e todo o meu imaginário estava lá dentro. Hoje, com esse distanciamento que eu já tenho, eu sinto que eu perdi muito tempo, inclusive intelectualmente”, frisou.

“Toda minha rotina, a minha alimentação, o meu modo de vestir e o que eu dizia estava distorcido [por essa] lente”. Apesar do controle, a atriz também ressaltou o lado cômico da experiência e revelou que se divertia ao ocupar os diferentes papéis dentro da seita. “A linha entre loucura, imaginação e fé não existia. Era completamente borrada”, enfatizou.

Abusos e ameaças

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Paula comentou à reportagem que os abusos psicológicos e as ameaças eram recorrentes dentro do grupo. Segundo ela, não havia reação por parte das pessoas porque ninguém tinha “clareza dos absurdos”. “Não tem como você manter aquelas pessoas ali dentro se não houver algum tipo de ameaça”, enfatizou. “Esse movimento é uma prática que acontece em todas as seitas e nessa também acontecia. Nós éramos meio que ameaçados a não frequentar outros lugares.”

Outros tipos de abusos, conforme declara Paula, eram proferidos por meio da manipulação. “Tem uma manipulação através da sua vaidade e outra que também acontece através da gratidão porque existe uma força coletiva e um trabalho para que você melhore. À medida em que você recebe bens e [percebe] práticas cotidianas que realmente te fazem se sentir bem, você vai se instado a retribuir”, destacou. “Essa retribuição vai ser um ciclo vicioso que vai fazer você ficar ali preso.”

'Seita', de Paula Picarelli, ganha nova edição pela Reformatório Foto: Editora Reformatório

Paula ainda pontua que era comum as pessoas serem expostas e humilhadas na frente de todo mundo por pessoas em posição de liderança. “A pessoa ganha esse poder e xinga, bate na cabeça das pessoas e o grupo corrobora porque [eles] não reagem como o absurdo que aquilo é”, citou.

“Quando você está dentro, você não consegue enxergar com clareza que aquilo é um equívoco porque todo mundo está se comportando da mesma forma. Você não vê que ser xingada é um absurdo, você não vê que ser humilhado é um absurdo, você não vê que tomar um chute na cabeça é um absurdo.”

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