A apresentadora Angélica convidou a advogada Luciana Temer para conversar sobre violência sexual em seu canal do YouTube, Mina Bem Estar. As duas falaram sobre o cenário brasileiro da violência sexual e contaram as suas próprias experiências como vítimas dessas agressões.
O intuito do diálogo e das duas contarem seus próprios momentos onde estiveram vulneráveis e foram vítimas desses crimes é romper com o silenciamento. Para Angélica e Luciana, o maior aliado da violência sexual é o silêncio —o medo do constrangimento, já que muitas vítimas desses abusos são culpabilizadas. Para romper com a violência sexual é preciso falar sobre isso, principalmente através da educação.
"Todos os anos são registrados no Brasil mais de 500 mil casos de exploração sexual infantil. Somos o segundo país que mais prostitui suas crianças, logo atrás da Tailândia. Mesmo com esses números absurdos, a estimativa é de que só 10% dos casos são notificados e muitas vezes a vítima ainda é culpabilizada. Outro dado assustador é que 70% da violência sexual contra crianças acontece dentro de casa. Isso acontece em todas as classes sociais e sabe quem é o maior cúmplice do abuso infantil? O silêncio”, disse Angélica.
Romper com o silêncio é a solução
Angélica decidiu contar uma situação que aconteceu quando ela tinha quinze anos, numa sessão fotográfica, em Paris. Ela foi violentada por três jovens franceses.
“Como a maioria das mulheres, eu também vou contar uma história. Sofri uma violência sexual. Estava fazendo fotos, lançando o Vou de Táxi, tinha quinze ou dezesseis anos. Estava em Paris, ia participar de um festival, lá. Estava na rua. Vieram franceses perguntar quem eu era. 'Brasileira?'. O fotógrafo falou: 'Vai, fiquem do lado dela para fazer umas fotos'. Quando ele falou que éramos do Brasil, eles foram ficando perto de mim, se aproximando e se esfregando em mim. Você fica sem reação".
"Um dos meninos, eu nem sei nem qual era, ficou passando a mão na minha bunda, em mim inteira. Eu estava atrás de um táxi, e não fiz nada. Fiquei petrificada. Primeiro, eu num outro país, eles falando na língua deles, eu não conseguia entender, enquanto eu estava sendo violentada por três meninos que estavam passando a mão em mim. Eu não fiz nada! Nunca falei sobre isso. Eu não sabia que isso era uma violência! Não falei nada pra ninguém e eles saíram, levei na lógica do ‘Já foi’ e continuei fazendo as minhas fotos".
Angélica contou que aquilo marcou tanto, que ela sempre se sentiu desconfortável em tocar no assunto. "Eu sabia e não tive reação. Nunca falei isso, estou falando agora pela primeira vez. Depois parei e refleti, mas não falei porque... Já foi. Eles fizeram isso, saíram e eu continuei fazendo as minhas fotos. Com uma cara meio constrangida, mas ninguém percebeu. Esse tipo de violência é marcante. As pessoas estão cada vez mais falando e tendo coragem de revelar. A gente não fala mais só de violência sexual tipo estupro", completou.
Com a revelação de Angélica, Luciana contou que aos 27 anos foi vítima de um estupro num assalto.
“Eu tinha 27 anos, havia saído recentemente do cargo de delegada em uma delegacia da mulher. A coisa mais natural do mundo seria registrar a ocorrência, mas não a registrei. Eu pensava que nunca iriam achar, então para que me expor?”. Luciana falou que ficou com tanto medo de se expor, que ela mesma se silenciou. “Temos que parar com essa hipocrisia social e entender que a violência sexual está permeando a nossa sociedade, as pessoas que sofrem essa violência não podem se constranger. Estamos em duas mulheres, 100% dessa conversa sofreu violência sexual”, concluiu a advogada.
Educação sexual precisa ser levada a sério
Para Luciana Temer, a sociedade brasileira precisa começar a enxergar o tamanho e as consequências dos crimes sexuais, mas o País se nega. “Estamos falando de exploração sexual, que é conhecida como prostituição infantil, como o conhecido como abuso, que tecnicamente é o estupro de vulnerável. São dois crimes sexuais muito comuns no Brasil, com características diferentes. Um normalmente é uma menina de alta vulnerabilidade social, que está numa situação de exploração sexual e o outro do abuso, que é uma violência intrafamiliar, que acontece em todas as classes sociais, não tem raça, não tem cor. Temos problemas de dados, não temos registros, mas eu arriscaria dizer que os registros são normalmente de pessoas de maior vulnerabilidade social, porque a classe economicamente mais favorecida, ela se constrange ainda mais, silencia ainda mais.”
Durante a troca, Luciana contou que quando era criança, ao voltar para casa, voltando da escola, viu um homem se masturbando no trajeto. “Saí correndo e não aconteceu nada. Será que não aconteceu nada? Eu demorei muito tempo para fazer esse trajeto sozinha de novo. Esse é um crime previsto no código penal”.
Com o relato, Angélica e Luciana chegaram à conclusão que quem comete esses crimes e não é criminalizado continua cometendo esse tipo de violência. As duas ressaltaram a importância da discussão dentro de casa e o debate sobre violência sexual nas escolas. “Precisamos permitir que as nossas crianças reconheçam isso como violência. Muitas vezes elas não sabem”, disse a advogada.
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