Em 4 de maio de 1929, há exatos 90 anos, nascia Ronald Golias, um dos maiores humoristas da história do Brasil. Golias ficou conhecido por personagens como Carlos Bronco Dinossauro, Pacífico, o Profeta, Niquinho e Bartolomeu Guimarães e bordões como "Ô Cride, fala pra mãe!", "'Ôces' goza, mas no fim quem 'goza' ocês sou eu" e "Parece que foi ontem!". "A minha missão é fazer as pessoas rirem. Costumo dizer que somos carteiros: temos a missão de entregar. Temos de evitar que a carta chegue molhada e devemos caprichar na entrega e, principalmente, gostar do que fazemos", afirmava, em vida. Relembre a seguir alguns dos principais momentos da carreira de Ronald Golias ao longo de sua trajetória.
'Ô Cride, fala pra mãe!'
O bordão mais conhecido de Ronald Golias, dito por seu personagem Pacífico, foi inspirado em Euclides Gomes dos Santos, o 'Cride', seu amigo de infância em São Carlos, no interior de São Paulo. Os dois costumavam procurar latinhas nas ruas para vender e ganhar dinheiro para comprar doces, mas a mãe de Euclides gritava para que ele voltasse para casa. Eis que surgiu o bordão: "Ô Cride, fala pra mãe!"
Euclides morreu em 7 de junho de 2015, aos 88 anos de idade, em São Carlos, após lutar contra uma leucemia. Um ano antes de sua morte, ele se encontrou com músicos da banda Titãs, que têm o refrão da música Televisão em homenagem ao bordão de Golias. A canção, inclusive, foi tema de abertura do humorístico Tá no Ar: A TV na TV.
Família Trapo
Foi vivendo Carlos Bronco Dinossauro em Família Trapo que Ronald Golias foi alçado, de fato, ao estrelato. O seriado, escrito por Carlos Alberto de Nóbrega e Jô Soares e exibido pela Record entre 1967 e 1971, marcou época. "Bronco é do tipo que você convida para ir a uma festa e é o primeiro a chegar e o último a sair. Acho que é um tipo próximo do espiritualismo, do bom espiritualismo. Ele causa bem-estar ao ambiente", analisava, em entrevista ao Estado, em 1986.
O episódio mais conhecido, provavelmente, é o que conta com a participação de Pelé, à época em que ainda estava em atividade pelo Santos. O episódio, gravado em 10 de novembro de 1967, foi ao ar no dia seguinte. Em Família Trapo, Ronald Golias dividia a cena com Otello Zeloni, Renata Fronzi, Cidinha Campos e Jô Soares, que vivia o mordomo Gordon. Durante a festa de 18 anos do SBT no Olympia, em 1999, Jô se dirigiu a Golias: "Foi um privilégio ter aprendido tanto com você".
Assista ao episódio completo de Família Trapo com participação de Pelé abaixo:
Ronald Golias e o improviso
Golias ficou consagrado também pelo seu domínio da arte do improviso. "Quando é que você vai improvisar? Quando o texto é bom. Não adianta querer improvisar num texto que não é bom, porque aí já fica meio complicado. É como um bate-papo. Gosto muito de improvisar, tenho preguiça de escrever", contava.
Segundo Carlos Alberto de Nóbrega, na década de 1990, por conta dos improvisos de Golias, os quadros de cinco minutos que iam ao ar em A Praça É Nossa levavam 13 para ser gravados - e eram posteriormente editados.
Início na rádio e sucesso na TV
Antes de ser humorista, Ronald Golias trabalhou como ajudante de alfaiate, revitalizador de hortas, funileiro, fabricante de presépios e agente de seguros. Foi assistindo ao filme Escola de Sereias em um cinema sãocarlense que resolveu migrar para o mundo artístico. Pouco depois, integrava um grupo de 'aqualoucos' fazendo saltos ornamentais.
O primeiro destaque de Ronald Golias veio na Rádio Cultura de São Paulo, em um programa de calouros apresentado por Lilico Swing. Em seguida, foi levado para a Rádio Nacional por Manoel de Nóbrega, onde atuou em programas como A Praça da Alegria, Folias de Golias e O Grande Espetáculo. Com Nóbrega, foi também para a TV Paulista, e, na década de 1960, para a TV Record. Na década de 1950, Ronald Golias recebeu o Prêmio Roquete Pinto, por seu trabalho como "intérprete cômico" na rádio em 1956 e, nos anos seguintes, já na TV, onde começou em 1957, como "teleator humorístico".
Entre tantos prêmios ao longo da carreira, Ronald Golias também recebeu o Troféu Imprensa. Em 1967, após o jornalista Nilo Scalzo, do Estado, lhe entregar o de melhor comediante masculino, agradeceu e voltou ao seu lugar. Um minuto depois, voltou ao microfone: haviam lhe entregado a estatueta de melhor produtor de TV.
Ronald Golias longe da TV
Na virada para os anos 1980, Golias passou sete anos afastado da TV, cuidando de uma fazenda e realizando alguns shows espalhados pelo Brasil. "As pessoas me perguntam por quê estou fora do vídeo. Pior seria se me perguntassem por que estou lá", brincava. Em 1987, retornou às telas com um programa semanal na Band, comemorando seus 30 anos de carreira na televisão.
Posteriormente, passou a integrar o elenco de A Praça É Nossa, vivendo diversos personagens até o fim de sua vida. Estrelou também outros programas, como A Escolinha do Golias. Ronald Golias também fez diversos papéis no cinema. Ao longo de sua carreira, contracenou ao lado de nomes importantes como Grande Otelo, Ankito, Moacyr Franco, Hebe Camargo, Nair Bello, Renato Aragão, Carlos Alberto de Nóbrega e Mussum.
'O esporte ajuda muito o humorismo' - Ronald Golias e o futebol
Além da Família Trapo com Pelé, a relação de Ronald Golias com o futebol é antiga. O humorista fez parte do Miss Campeonato, programa que marcou época no rádio e TV nas décadas de 1950 e 1960, no qual ele, que é corintiano, representava um personagem são paulino. Em agosto de 1987, numa partida que, à época, era considerada como o "milésimo jogo do estádio do Morumbi", Golias esteve presente no gramado usando um uniforme com metade da camisa do Corinthians, e metade do São Paulo - clube que já havia homenageado o humorista meses antes. Em 18 de agosto de 1968, embalados pelo sucesso da Família Trapo, Ronald Golias e Otelo Zeloni foram chamados para participar da preliminar do jogo entre América-MG, time que os contratou, e Cruzeiro, considerado um clássico do futebol mineiro à época. Ronald Golias jogou como ponta de lança do time de veteranos do América, enquanto Zeloni foi um dos zagueiros dos rivais cruzeirenses.
Em abril de 1969, quando as equipes se enfrentaram novamente, a ideia de uma apresentação de Golias chegou a ser cogitada pela diretoria, que desistiu posteriormente, conforme consta em edição do Estado da época: "Os dirigentes do clube achavam que Golias poderia levar uma renda maior, mas logo a imprensa entrou com um outro argumento: 'jogo do América, para dar alguma renda, tem que ter humorismo'." Ronald Golias também esteve presente no filme Projeto Zico, sobre o craque do Flamengo. Em entrevista ao Estado em 15 de janeiro de 1999, o ex-jogador afirmou que se inspirou em Ronald Golias para algumas cenas de seu filme Uma Aventura do Zico: "Aquele boné virado para o lado foi tirado de um personagem dele que eu adoro, o Pacífico".
Em entrevista a Juca Kfouri, em 1998, porém, Golias se mostrava um saudosista: "Antigamente eu ia muito ao Pacaembu. Mas um time era conservador com seus craques, ficavam muitos anos, a gente esperava a hora de entrar um Servílio... Hoje você perdeu muito da sensação de porquê torcer pro time." Também não foram poucas as vezes em que técnicos, como Falcão, em sua época de Internacional na década de 1990, e Cilinho, na Ponte Preta, em 1971, levaram seus atletas para prestigiar espetáculos de Ronald Golias. "O esporte ajuda muito o humorismo", ressaltava.
Histórias de Ronald Golias
Segundo Carlos Alberto de Nóbrega, em determinada ocasião, Ronald Golias recusou uma oferta de aumento salarial. "Carlos Alberto, estou satisfeito com o que eu ganho. Tá bom pra mim. Tem muita gente ganhando mal. Esse dinheiro que vocês vão dar pra mim, divide entre os colegas que precisam", teria sido sua resposta. Em 1967, impressionado com o sucesso do Festival de Música Popular, Ronald Golias sugeriu a Renato Correa de Castro, então coordenador da TV Record, que fosse criado um projeto semelhante voltado ao humor, possibilitando a descoberta de novos talentos e o recebimento de um prêmio de 10 milhões de cruzeiros.
Na ocasião da prisão de Carlos Imperial, em 1969 com base na legislação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), durante a ditadura militar, o secretário da Segurança da Guanabara, general Luiz de França Oliveira, declarou que Ronald Golias teria de explicar o motivo de ter permitido que Imperial "incorresse em falta de decoro, ofensas morais e desrespeito às autoridades durante o seu programa na TV Tupi" exibido em 2 de janeiro daquele ano. Em 1973, o prefeito da cidade de Campinas, Lauro Pericles Gonçalves, enviou um ofício ao Serviço de Censura Federal pedindo "providências contra os pseudoartistas Ronald Golias e Renato Aragão", que estavam na Record, à época.
O motivo seria o fato de ambos "sistematicamente referirem-se à cidade por meio de personagens homossexuais". "É vergonhoso e injustificável que um canal de televisão se preste a divulgar tão grosseira e injustificada deseducação", prosseguia o ofício.
A morte de Ronald Golias
Ronald Golias morreu na madrugada de 27 de setembro de 2005, após uma insuficiência de múltiplos órgãos, aos 76 anos. Ele havia sido internado três semanas antes, no dia 8, com uma infecção generalizada decorrente de uma infecção pulmonar. Desde março, ele já vinha apresentando problemas na sua voz.
Seu velório foi realizado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e seu corpo enterrado no Cemitério do Morumbi. "Uma das últimas coisas que ele me disse foi: 'Não tenho medo da minha doença. Eu tenho saudades de fazer a Praça'. [...] Foi a pessoa mais pura e humilde que conheci na minha vida", lamentou Carlos Alberto de Nóbrega, à época.
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