Uma das áreas da medicina que tem recebido muita nos últimos anos é a dos distúrbios do sono. O tema que interessa a todos, visto que é impossível alguém nunca ter sofrido as consequências de uma noite mal dormida, seja em quantidade (número de horas) ou em qualidade. Referimos-nos aos distúrbios de quantidade como insônia (quantidade de menos) e hipersonolência (quantidade demais). Quanto à qualidade, a síndrome da apneia obstrutiva do sono e a síndrome das pernas inquietas, além de um sintoma chamado noctúria (vontade de urinar à noite).
Os distúrbios de quantidade de sono em geral são consequências de outros problemas de saúde. A dificuldade de iniciar o sono (insônia inicial) é frequentemente associada a ansiedade. Realmente é difícil pegar no sono quando se está preocupado. A dificuldade em manter o sono apresenta uma gama maior de causas. No caso da apneia do sono, os fatores de risco principais são a obesidade e o envelhecimento. Os sintomas mais aparentes são os roncos e a sonolência diurna. Outras queixas comuns associadas são alterações de memória, dificuldade de concentração e irritabilidade.
Cerca de metade dos “roncadores” sofre de apneia do sono. Muitos não têm consciência de que podem melhorar se tratados. Na prática, trata-se de um problema anatômico que impede o fluxo de ar quando a pessoa atinge o máximo de relaxamento no sono. Ela então desperta sem perceber, para não ficar sem respirar e o sono não se aprofunda, fazendo com que ela não descanse efetivamente.
A síndrome das pernas inquietas, como o nome já diz, se caracteriza por uma necessidade imperiosa em se movimentar as pernas num momento de relaxamento muscular e que em geral antecede o sono. Ocorre mais no período noturno e dificulta o início do sono principalmente, podendo também ocorrer durante o sono.
Antes pouco conhecida entre os médicos e pacientes, vem sendo cada vez mais diagnosticada (e felizmente tratada). Muitas pessoas nem mesmo sabem que são portadoras desse problema e não referem ao médico, não recebendo tratamento adequado.
Falando um pouco do envelhecimento e o sono, é fato que as queixas relacionadas aumentam com a idade. Metade das pessoas acima de 60 anos relatam problemas para dormir. Comparados aos jovens, os mais velhos demoram mais para dormir, tem menor eficiência do sono (relação entre o tempo que se passa na cama efetivamente dormindo), maior quantidade de despertares noturnos, tendem a acordar mais cedo e têm uma maior necessidade de “sonecas” diurnas.
Tudo isso leva os pesquisadores a questionar a quantidade de sono necessária para cada faixa etária. Assunto ainda controverso, mas na maior parte dos consensos constata-se que há uma menor necessidade de sono com o passar dos anos, sendo essa necessidade variável de 1 a 3 horas menos para um octogenário em comparação a um adulto jovem, que precisa em média de 7 a 9 horas de sono diários. No final, a conclusão sobre a quantidade ideal é: independente de sua idade, sua necessidade de sono é aquela em que você após uma noite de sono (de qualidade) tem um bom rendimento durante o dia. Nesse sentido, o conhecimento de si próprio e dos seus hábitos de sono conta mais recomendado por especialistas no assunto.
Os principais fatores que podem contribuir para os distúrbios do sono para quem tem mais de 60 anos são as doenças do sono (apneia e pernas inquietas), doenças psiquiátricas, como a depressão (em geral levando a um despertar mais precoce) e/ou ansiedade (insônia inicial), medicamentos, síndromes demenciais (com destaque para o Alzheimer). A extrapolação disso para os jovens também é válida. A diferença é que num jovem a causa tende a ser uma só. Em pessoas mais velhas, as causas tendem a ser múltiplas, dificultando a abordagem e o tratamento.
A necessidade de urinar durante a noite pode indicar uma série de problemas: cardiopatias, diabetes, doenças da próstata e a bexiga hiperativa e a própria apneia do sono, que induz a produção de urina por um mecanismo hormonal; entre outros.
Um tema tão amplo como o sono, e com queixas que podem ser causadas por diferentes problemas exige uma abordagem ampla por um médico que esteja apto a avaliar muitas possibilidades. Seja ele um médico generalista ou um especialista em sono, a visão do todo é necessária e pode mudar (para melhor) a vida do paciente. Uma noite bem dormida além de não ter preço é um excelente parâmetro de boa saúde. É causa e consequência de saúde física, psicológica e social!
Paulo Camiz, professor, clínico geral e geriatra da Universidade de São Paulo e do Hospital das Clínicas de São Paulo, é colaborador do canal Longevidade
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.