O governo federal vai transferir 13% de terras da União localizadas na Amazônia Legal. São 674 mil quilômetros quadrados - praticamente uma área igual a da França. Pelo menos metade dessa área, 340 mil km2, vai para particulares, apesar de o governo não saber quem a ocupa nem se essa ocupação foi pacífica ou de má-fé. Os outros 334 km2 (área maior do que a Polônia) estão divididos oficialmente em 196 mil posses registradas no Incra, das quais cerca de 10% apenas são legais. Mas o próprio governo acredita que esse número é muito maior. "Achamos que vamos a 300 mil posses", diz Carlos Guedes de Guedes, coordenador do programa Terra Legal, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O Terra Legal é a divisão do MDA responsável por colocar em prática um dos textos mais polêmicos em discussão hoje no Congresso: a Medida Provisória 458/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária da Amazônia Legal. A indefinição sobre quantas posses há na região é apenas uma de suas facetas problemáticas. Ambientalistas e grupos sociais a apelidaram de "MP da grilagem". Em vigor desde fevereiro, a MP sofreu na semana passada uma série de modificações na Câmara que facilitam o processo para o posseiro tornar-se proprietário da terra que cobiça (mais informações nesta página). O texto está no Senado, onde a relatora será a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Para Guedes, a intenção é desburocratizar. "Antes era feita uma análise imóvel a imóvel, que acabava transformando a regularização em exceção, não regra. Agora vamos identificar a situação de fato." OPOSIÇÃO Para ambientalistas, as modificações no texto não cumprem a função social da posse prevista na Constituição - a de beneficiar quem precisa da terra para sobreviver - e vão premiar invasores que usaram violência. "Esse não é um mercado em que todo mundo age de boa-fé. É o contrário. Há artimanhas clássicas, como a fraude de documentos e laranjais, quando uma pessoa acumula mais de uma posse com o uso de laranjas", diz o advogado Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA). "Geralmente a posse do laranja se sobrepõe à do ?legítimo? proprietário, o ?seu Zé?, que é expulso. Hoje esse processo acontece de forma clandestina, mas será estimulado com o título definitivo." Segundo Guedes, o MDA formará uma rede de denúncias anônimas para evitar que os "laranjais" virem latifúndios e os posseiros mais carentes não recebam o benefício. A rede seria alimentada por órgãos oficiais, como Ministério Público, organizações sociais e quem se predispor a falar. Cada denúncia, diz ele, será encaminhada para análise em campo - porém, só nos meses de seca, pois a chuva que atinge a região durante metade do ano interrompe estradas e inviabiliza a checagem. "No inverno amazônico (época da chuva), faremos trabalho de escritório para planejar a identificação de posses no verão." A falta de ordenamento territorial na Amazônia é um dos cernes do desmatamento. Não saber quem está na terra significa não saber o que é feito dela. Por outro lado, a regularização permite ao posseiro obter dinheiro para investir. "Essa MP é a legalização do crime. Os grandes posseiros que grilaram ou se apossaram de terras com violência, que devastaram a floresta e cometeram crimes ambientais, vão ser premiados em vez de receber punição", afirma o advogado da Comissão Pastoral da Terra no Pará, José Batista Afonso. "Esse é um processo de privatização, que acontece sem debate e abre brecha para novas regularizações", diz o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). "Historicamente, é o que tem acontecido na Amazônia."
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