Tudo indicava que o desfecho que teve: um cachorro filhote, sem adestramento, levado para uma pousada pet friendly pequena e deixado sozinho no quarto danifica o enxoval, colchão e acessório do banheiro do quarto.
Na primeira quinzena de janeiro, uma pousada da praia do Guarujá, no litoral de São Paulo, teve o prejuízo de cerca de R$ 700,00 causado pelo cão da raça border collie que ao ficar sozinho no quarto distraiu-se rasgando o colchão e lençol da cama e arrancando e roendo o suporte do papel higiênico. Se o cachorro teve culpa? Claro que não.
É óbvio que um cachorro filhote não pode ser deixado sozinho em um quarto de hotel. Ainda mais um border collie, que é uma raça com alto índice de energia, vide que são cães de pastoreio. Em tempo, nenhum cachorro que não tenha sido preparado para estar só em um local novo deveria ser colocado nessa situação.
"Para que um cão possa ficar bem sozinho em um ambiente totalmente desconhecido, ele deveria ter sido treinado e educado para isso de forma gradual e repetidas vezes. Nenhum cachorro pode ser colocado em um ambiente desconhecido e ser deixado sozinho, ele vai se sentir abandonado. Ele vai tentar fugir ou se ocupar neste meio tempo para aliviar a frustração que está sentindo. É quando entra a destruição, defecação, urina e vocalização excessiva", explica a educadora canina Manu Moraes.
A falta de experiência da tutora foi fatal. A pousada, depois deste episódio, deixou de aceitar filhotes. A partir de agora somente cachorros acima de um ano de idade.
Levei este assunto para o Instagram do Guia Pet Friendly e fiquei impressionada com a quantidade de comentários e do quanto os pais de pets condenaram a atitude de deixar um cão sozinho. Entre eles a @raquelvieira36 argumenta: "A falta de consciência e responsabilidade de muitos tutores dificulta cada vez mais a situação e ainda faz o animal sofrer. Só deixo a minha sozinha quando necessário, após ela estar ambientada e entender que não estamos a abandonando. Ela não destrói nada, não faz barulhos, mas pode sofrer e isso nunca deve ser uma opção. Cada vez mais bato na tecla que animal é uma escolha e precisamos ter consciência dessa escolha séria".
A necessidade da educação
O fato é que nenhum cachorro deveria frequentar um hotel ou pousada sem antes passar por um adestramento, ou seja, ser educado por um profissional. Ou melhor, vou reformular: o tutor deve receber instruções de como educar um cachorro e treinos devem ser feitos pelo tutor para preparar este animal a viver em espaços pet friendly.
Se você parar para pensar vai concluir que não é da natureza dos cães saberem como devem se portar em uma pousada. Portanto, é papel dos tutores os ensinarem, respeitando, é claro, suas necessidades de cachorros.
A falta de tempo que custou caro
Vários sinais foram dados ao longo do caminho, pois assim que eles chegaram a tutora do cão disse: "eu queria ter deixado meu cachorro em um hotel próprio para ele, onde pudesse correr, mas o local exigiu um tempo de adaptação que eu não tinha e meu marido reclamou da tarifa de R$ 500,00".
Apesar da regra pet da pousada, enviada previamente antes da chegada do hóspede, deixar claro que o cachorro não poderia ficar sem guia, foi feita a pergunta se ele poderia ficar solto.
"Estava chovendo, eles ficaram muito tempo dentro da pousada que é pequena, sem espaço para o cão se exercitar. O cachorro estava agitado, latia com frequência e estranhava a presença de homens", desabafa a proprietária da pousada que festejou quando o tempo melhorou e eles puderam fazer atividades externas com o cão.
Porém, mesmo assim, o pequeno border foi deixado no quarto e resolveu usar o enxoval como brinquedo. Na hora do check out, sua tutora avisou o que havia ocorrido e disse que iria pagar pelos estragos."Fiquei em choque. Em quatro anos de hospedagem isso nunca aconteceu", desabafa, mais uma vez, a dona da hospedagem.
Mesmo com educação, Manu Moraes alerta que é um treino que exige tempo e dedicação. E que mesmo assim ele pode estranhar um ambiente novo considerando estímulos e gatilhos que possam ocorrer. Ela aconselha o cão a ter seus objetos pessoais à disposição como caminha e itens de roer. Para ele ter uma referência e válvula de escape.
Cobrança quase judicial
A história poderia ter causado um pouco menos de dor de cabeça se a promessa de ressarcir o prejuízo tivesse sido mantida. Em uma troca de mensagens pelo Whatsapp, quando foi cobrado o acerto, a hóspede mudou o discurso: "Já pagamos R$400,00 para o cachorro ir até a pousada. Calma que iremos pagar. 400 foi para que? Só para o cachorro dormir? Fica em paz, iremos pagar. Vocês passaram a perna na gente, não iremos passar em vocês". A pousada negou-se a continuar a conversa depois do insulto e levou o caso para o jurídico, mas a cobrança judicial não foi necessária, pois o depósito ocorreu nos dias seguintes à discussão.
A culpa será sempre do tutor
A grande conclusão é o que já sabemos e falamos constantemente pelos canais do Guia Pet Friendly: os cães precisam ser educados para frequentarem um local pet friendly. A culpa sempre será do tutor.
"Os tutores são responsáveis por tudo que o cão fizer. Se ele sai na rua e morde alguém, se ele destrói alguma coisa, se ele urinar no sofá em um ambiente, tudo é nossa responsabilidade. Nós somos o dono ou o tutor, como queiram chamar, a responsabilidade será sempre nossa e isso é essencial para continuarmos a ter acesso a tais ambientes", opina Moraes.
"Por conta de tutores assim, acabamos arcando com as consequências de ficarmos cada vez mais limitados em hotéis e pousadas pet friendly. Deixo de frequentar vários lugares pet friendly porque os cachorros não podem nada, só ficar no colo", desabafou a seguidora do @guiapetfriendly_ofocial Dani Machado pelo @dani_machado1404.
Os hotéis e pousadas devem ter regras pet bem construídas para tentar evitar este tipo de problema. Os tutores precisam ler e respeitar. Em linhas gerais, estamos falando de educação.
Cães sozinhos no quarto
Outro ponto a ser analisado: é certo os hotéis e pousadas, que aceitam cães, permitirem que eles fiquem sozinhos no quarto?
"Minha pousada é na praia, onde não é permitido levar cachorro. Se a pessoa não pode deixar no quarto, o que ela faz?". É uma pergunta pertinente, mas um problema não pode ser resolvido causando outro.
No meu ponto de vista, os cães podem ser permitidos em um quarto de hotel caso tenham sido preparados para isso e em especiais como os de cães velhinhos, que dormem longas horas. E há raças super sensíveis ao calor, que ficam melhor no ar condicionado do quarto do que embaixo do sol. Sem falar de uma ida à farmácia, local que o cachorro não poderá entrar.
Há casos que dão certo, como pode ser visto no comentário do @pequenosjedis: "Nós sempre ficamos sozinhos durante o café da manhã do hotel e temos nossas caminhas, brinquedos e cascos para brincar enquanto os humanos estão fora do quarto. Viajamos com frequência e nunca estragamos nada".
O que definitivamente não pode acontecer: as pessoas levarem o cachorro para a viagem, deixá-lo sozinho no quarto por longas horas e não se importarem se ele vai latir e ficar bem.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.