Cris Berguer indica bons lugares para conhecer com seu melhor amigo: o cachorro

Opinião | Luto Pet

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Por Cris Berger

O slogan do Guia Pet Friendly era: "Cachorros têm apenas um defeito: vivem pouco. Então, vamos passar a maior parte do tempo ao lado deles". Quando eu escrevi isso, já tinha vivido a morte dos cães Magnum e do Cozumel, portanto, eu sabia o que era perder um filho pet, mas a dor que eu senti ao me despedir da Ella foi incomparável a qualquer outra. Sobre viver a maior parte do tempo ao lado do cão, que no meu caso foi, 24X7, afinal, eu e a Ella fazíamos tudo juntas, não bastou. Eu queria a eternidade ao lado dela. 

Porta-retrato com a foto do pet como parte da cerimônia de despedida. Foto: Arquivo pessoal

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A única certeza que temos é que vamos morrer. Nós e quem amamos e essa parte é a mais difícil. Eu empurrava a ideia do fim da vida da Ella para o mais longe possível e fiz tudo que estava ao meu alcance para que fosse uma cachorra saudável e bem cuidada. E mesmo assim, a perdi sem aviso prévio. Um dia, a Ella estava correndo no Rio Grande do Norte, dez dias depois, eu a enterrava. Foi duro e cruel. Quis ir junto com ela. Fiquei sem rumo. Porque sim, a morte dói, maltrata, castiga e faz sofrer. Eu tive que aprender a engolir a partida da minha cachorrinha goela abaixo com um gosto amargo e sem água. 

O luto

Quase nove meses depois, me preparo para começar a escrever a segunda temporada do livro "Ella, Segue Sendo Nós" e tenho um bocado de coisas a dizer sobre o luto. Entre elas, que ele deve ser respeitado, não tem comparação e é tão intenso quanto a dor de perder um familiar humano. No meu caso até mais, pois a Ella é minha filha. E filho é assunto sério. 

Segundo a psicóloga Juliana Sato o luto é como a pessoa responde a uma perda. Em suas palavras:  "É o conjunto de reações -- emocionais, físicas, comportamentais e espirituais -- que vivenciamos quando perdemos alguém ou algo que amamos."

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O processo

Sato ainda salienta que não há uma forma certa de viver o luto, mas sim saudável e aconselha que as pessoas se permitam sentir. "É importante dar espaço para a dor, acolher as emoções sem julgamento e buscar apoio quando necessário. O luto é individual, único e não segue uma linha reta ou regras fixas", acrescenta. Ela também incentiva ritualizar a perda com escrita e memórias: " Honrar a vida do pet é uma forma de seguir em frente sem esquecer. O luto precisa ser vivido com respeito."

Eu escolhi um caminho talvez mais doloroso, que muitas pessoas não conseguem, pois não fugi das fotos, vídeos, quadros e demais lembranças da Ella. Pelo contrário, procurei conforto neles, tatuei seu rosto no meu braço, vivi intensamente a tristeza de não ter sua presença física comigo e fiz das memórias, meu porto seguro. 

O dia não planejado

Quando a Ella faleceu, eu não sabia o que fazer, mas pensei em enterrá-la para ter a oportunidade de visitar seu túmulo. O cemitério, indicado pela clínica veterinária onde ela faleceu, ficava em outra cidade. Sendo assim, chegamos nele 15 minutos antes de fechar. Lembro de ser um dia cinzento.

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Tiramos-a do meu carro e colocamos em sua caminha, em cima de uma mesa, em uma sala fria e sem personalidade. O funcionário, que deveria estar cansado e pronto para ir embora, não mostrou boa vontade e disse que não teria como enterrá-la no jardim, pois estava chovendo e ofereceu os jazigos, que são aquelas gavetas verticais. Lembro de contestar "Me dá a pá que eu cavo" e da amiga que me acompanhava encostar a mão nas minhas costas e dizer: "deixa que eu resolvo". 

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Eu tinha o pijama da Ella na minha mochila e a vesti com ele. Encontrei uma bandana no porta luva. E, também, tinha seu cobertor. Assim, criei meu ritual. Ela parecia estar dormindo. Tivemos alguns momentos ao seu lado. Saímos no breu, carregando o caixão. Fiz absoluta questão de levá-lo. Caía uma chuva fina e contínua. Disse mais uma vez para a Ella o quanto eu a amava e a tampa foi fechada. Voltei para casa incrédula. Esse dia eu não sabia, mas eu trouxe a Ella comigo e a faço tão presente quanto antes. 

Despedidas

No sábado passado, aconteceu uma cerimônia intimista no quintal da Anjos Memorial Pet, no bairro Anália Franco, localizado na zona leste da capital paulista, que faz a cremação dos pets e organiza despedidas especiais. Fundada pela empresária Ivana Aparecida Peccia, que não encontrou um serviço qualificado quando sua cachorra faleceu, a Anjos quer  deixar o momento mais duro da vida de um tutor, ameno. "Vestimos o pet com uma roupa de gala. Colocamos um porta-retrato com sua foto e tocamos uma música ambiente calminha. Há a opção de ler a história do pet com a família e como se fosse ele falando. Também oferecemos uma chuva de pétalas", conta Ivana.

Cerimônia no jardim do Anjos Memorial Pet. Foto: Matheus Usero

O dia estava ensolarado. Foi montada uma mesa de café da manhã embaixo da sombra das árvores. Um grupo de tutores, que já perderam seus pets, foram convidados para a cerimônia com balões brancos. Entre eles estava a relações públicas Didi Finamore, que já perdeu três cães. "Meus cachorros são únicos e insubstituíveis, mas eu não saberia sobreviver sem receber o amor de outro cão. O luto não se supera, a gente aceita e segue. Eu não imagino como será a partida da minha pet atual, a Estrela. Não há como se preparar para isso. Quando acontecer, a gente sobrevive com fé para processar e minimizar a dor", comenta Didi. Já a desenhista industrial Suely Ishigami revela que sentiu muita tristeza ao perder seu cão Beethoven, mas entende que na vida há doenças e morte. "A ausência da primeira semana foi a pior parte, pois era um silêncio ensurdecedor. Depois de 15 dias, eu adotei a Fran e ela deixou o ambiente mais leve. Acabei me distraindo. Sei que posso passar novamente com ela o que vivi com o Beethoven e me sinto preparada para isso", salienta. 

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Suely e Fran, a cachorrinha que ajudou no processo de luto. Foto: Matheus Usero

Nesse dia, tive a oportunidade de conhecer a sala de despedida do Memorial e fiquei encantada. No meio dela há um cesto de vime branco, coberto com um delicado enxoval, onde os pets são deitados. O lustre de cristal, as paredes em cor neutra, a luz indireta e a climatização do ar compunham um ambiente acolhedor. Como desejei ter conhecido este lugar antes e ter feito a despedida da Ella com toda a pompa e honra que merecia. Eu teria convidado mais amigos para o seu velório e talvez minha dor fosse um pouco amenizada. 

Sala de Despedida dos pets. Foto: Matheus Usero.

Pela ótica da psicologia, como explica Sato, a despedida é parte essencial do luto: "Ela marca simbolicamente a transição entre a presença física e a lembrança. É uma chance de dar um sentido à perda, de transformar a dor em memória e manter o vínculo de forma simbólica", explica.

Hoje, olho a morte de uma nova forma. Sei que ela é tão real quanto a vida, que não marca hora e pode vir cedo ou tarde. O melhor é estar preparado e fazer da hora de dizer "até breve" um momento bonito e solene.

Opinião por Cris Berger
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