Nada nos deixa tão chateados como quando não somos ouvidos, a sensação que ficamos é que os nossos sentimentos não têm importância pois não são reconhecidos pelo outro. Ao manifestarmos o que pensamos, ou mesmo na dor que sentimos, logo somos chamados de negativos, de pessoas sem fé ou mesmo de desistentes. Como mostrar nossas vulnerabilidades se não somos acolhidos? Como podemos nos fortalecer se não podemos falar sobre as nossas dores?
Ao mesmo tempo em que as informações chegam com rapidez e temos acesso a conteúdos que agregam a nossa biblioteca mental, estamos nos tornando cada vez mais insensíveis. Penso que isso ocorre em função de estarmos muito centrados em nossos desafios, o tempo está correndo rápido e queremos assimilar e experimentar o máximo possível da vida. Não queremos perder tempo com o que o outro está sentindo, queremos sobreviver e cuidar somente das nossas próprias experiências.
Cada pessoa manifesta o que sente de diferentes formas e a questão é que o positivismo pode ser extremamente tóxico, visto que impede um aprofundamento do olhar sobre o que está acontecendo realmente. Aquele que não quer parar para se olhar e entra no discurso de que está tudo bem vai sofrer em algum momento, pois esse comportamento não deixa de ser um mecanismo de defesa de não querer enfrentar os sentimentos.
A questão é que na maioria das vezes isso acontece por termos manifestado os nossos sentimentos e sido ignorados, e infelizmente somos frutos dessa cultura. Faltou aprendermos nos aprofundar nos que estávamos sentindo, posso dar um exemplo bem claro de crianças que perderam um dos genitores e nunca alguém parou para explicar, ouvir, ou acolher o que essa criança sentiu. Como será que essa criança vai se comportar na vida quando crescer? Será que vai conseguir lidar bem com os sentimentos e conseguir abrir o coração? A chance dessa pessoa quando adulta conseguir dar acolhimento a si mesma ou para outras pessoas é bem pequena.
O desafio é conseguirmos sair da expectativa de que o outro irá nos ouvir e aprender a nos acolher. Trabalho muito essa questão com pacientes que atendo e sinto como apresentam dificuldades em se darem esse cuidado. É claro que receber um abraço e uma palavra de conforto aquece nosso coração, mas como nem sempre temos um canal seguro para falarmos sobre o que sentimos, e o autocuidado é um ótimo caminho. E quando falo sobre esse autocuidado é só ter um tempo para si mesmo, uma boa leitura, um chá quentinho, uma caminhada na natureza, um cantinho para chorar e colocar as dores para fora. Isso tudo pode ser feito a partir do próprio acolhimento, saindo do julgamento e apenas permitindo o sentir.
Quando validamos o que sentimos e não dependemos do outro, conseguimos nos fortalecer e entender que somos nossos melhores amigos, pois somente nós sabemos o quanto as feridas doem. A percepção do que sentimos somente pode ser experimentada por nós mesmos, e quando aprendemos que podemos sim nos dar um colo, então viramos a chave e nos tornamos mais seguros de quem somos e do que sentimos.
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