Roger Abdelmassih, de 65 anos, dono da maior clínica de reprodução assistida do Brasil, vem sendo acusado desde o início do mês de supostos crimes sexuais contra 54 pacientes que se submeteram a tratamentos para ter filhos em épocas diferentes. O médico está sendo investigado pela polícia e pelo Ministério Público de São Paulo. Em sua primeira entrevista desde que o caso foi noticiado, há cerca de 15 dias, Abdelmassih negou categoricamente que tenha molestado suas pacientes e revelou ao Estado a linha de defesa que deve adotar. A principal argumentação será a de que, segundo estudos científicos, de 3% a 4% das pacientes que usam o anestésico propofol experimentam "comportamento amoroso" e "alucinações com conotação sexual" quando despertam. O remédio é utilizado por ele para procedimentos que precisam de períodos curtos de sedação. Algumas de suas acusadoras alegam que foram agarradas e forçadas a beijá-lo; outras falam em abusos enquanto estavam sedadas ou acordando. Acompanhado de dois advogados renomados, os criminalistas Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e Adriano Sales Vanni, o médico recebeu a reportagem na quinta-feira em sua clínica, um casarão na Avenida Brasil, antes de se submeter a cirurgia para retirada de uma hérnia no Hospital Albert Einstein. O médico e seus advogados afirmaram que pesquisas, inclusive do Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos - que corresponderia à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil -, atestam os efeitos do propofol. Um documento em inglês afirma: "A maioria das alucinações é descrita como prazerosa, com uma frequente conotação sexual." Outro trecho fala em "comportamento desinibido ou uma expressão verbal dos pensamentos íntimos dos pacientes". Mariz de Oliveira adiantou que pretende pedir uma acareação com as denunciantes. "Não há o que temer, as acusações são todas infundadas", disse Mariz. Abdelmassih se exaltou ao falar das denúncias que enfrenta e chorou ao lembrar a mulher, Sônia, que morreu em agosto, de câncer. "Essa desgraça pela qual estou passando, essa situação injusta, cretina, canalha está me expondo a uma situação que eu jamais gostaria de passar perante minha família", disse. "Sou inocente e nós vamos provar." O senhor tocou sexualmente alguma paciente? Não. Sexualmente não. Sou um cara de abraçar, muito carinhoso, é minha característica. Chamo todo mundo de "minha querida". Tenho uma mania desde jovenzinho de colocar as mãos no rosto da pessoa para beijar. É assim que eu faço (demonstra na repórter). Existe confusão disso. A que o sr. atribui as denúncias? É um absurdo. Não sei por que isso está acontecendo. Nós vamos provar minha inocência. Estou sendo alvo de ataques há quase dois anos. Começou com uma página no Orkut, de uma tal Iris Saga (que não foi encontrada pela reportagem). O (advogado Adriano) Vanni abriu um inquérito e fomos atrás do IP da página. Identificamos essa paciente, que inclusive coloca lá que queria ter filhos e acabar comigo. Ela é uma doida, criou na cabeça uma determinada situação que não existiu, e começou a arregimentar um monte de loucuras. Quem são essas quarenta e tantas mulheres? Está tudo no Orkut dela. Eu tinha uma informação, não sei se verdadeira, de que haveria uma lista de 60 mulheres que ela teria recrutado. Como o senhor responde às acusações de que abusaria das mulheres após a sedação? Tem gente que fala que é uma hora de sedação. Isso é um nojo. Elas não ficam mais do que cinco minutos sedadas. A sedação é para tirar os óvulos. A gente entra com o ultrassom e uma agulha no fundo da vagina e aspira os óvulos. Há trabalhos que mostram claramente que 3% a 4% das mulheres que tomam o remédio que usamos para sedar, chamado propofol, têm, ao acordar, um comportamento amoroso. Não sou eu que estou falando, é um trabalho científico. Hoje, faço 150 ciclos por mês. Mas vamos pôr uma média de 120 por mês. Em um ano, seriam 48 casos com o tal comportamento amoroso. Em dez anos, 480. Não existe outro medicamento similar que o senhor possa usar? Existe, mas esse é o melhor. Hoje (quinta) eu vou tomar esse remédio para a minha cirurgia. E é rápido. Quando acaba a ação do remédio, a gente acorda. O que é o ?comportamento amoroso? que o remédio provocaria? A mulher acorda e se sente em uma condição de fantasia. Ela pode imaginar coisas. Eu posso entrar na sala, cumprimentá-la e ela achar que eu fiz alguma coisa. Mas isso é impossível, lá tem anestesista, médico, enfermeiras. O senhor não fica sozinho com a paciente? Imagina, nem dá. Tem uma mulher que fala barbaridades, que haveria uma maca e que, no dia da transferência do embrião, dei a sedação e a carreguei no colo. Primeiro, não dei sedação, porque nessa fase do tratamento,a paciente não é sedada. Segundo, não carreguei ninguém no colo. A mulher está deitada no centro cirúrgico, ela acorda e o anestesista está ali. Não tenho maca, porque não há espaço. Ela anda para o quarto. Algumas vão cambaleando e, nesse caso, uma enfermeira vai de um lado ou um médico vai do outro. Os dois quartos de repouso estão a uma distância mínima do centro cirúrgico. Se ela quiser dormir, ela dorme uns minutos. Como tem um movimento muito grande na clínica, a gente pede para elas irem embora, para poder colocar outra paciente. Os maridos podem ficar junto, mas em geral não ficam. O sr. faria acareação com elas? Por que não? Tem gente que eu quero olhar na cara. Tem uma fotógrafa que fala em maca, em sedação na transferência. E fala que fez BHCG (exame de gravidez) três dias depois. A gente faz 10 ou 12 dias depois. Veja o absurdo. E quanto à ex-funcionária que o acusa de tentar beijá-la? Ela foi tão débil mental, que eu tenho o e-mail dela falando besteiras sobre pacientes, que inclusive serão minhas testemunhas. E ela fala no e-mail que quer R$ 15 mil e, se não recebesse, iria falar na imprensa. É chantagem ou não? Isso foi em maio. Por trás disso, tem a tal da Iris Saga. Quero que isso seja investigado e punido. Vou até o final da minha vida, porque quero punir quem está acabando com a minha vida. E vou dizer: se a senhora não provar nada contra mim, eu vou tacar-lhe um processo. O fato de as mulheres não se conhecerem e terem versões parecidas dos episódios não dá credibilidade às denúncias? Como não se conhecem? Estão todas no Orkut, elas se relacionam. A página hoje está inativa, mas ficou no ar meses. Essa mulher foi minha cliente e não teve êxito. Ela deve ser uma fantasiosa total. Ela tem que ser punida. Quanto os clientes pagam pelo tratamento? Falaram por aí em R$ 38 mil. Mas esse é o preço para três tentativas, com tudo incluso, menos os remédios. E garante tratamento até o terceiro mês de gravidez. Não fico depois cobrando para cada coisinha. O movimento da clínica caiu desde que as denúncias foram noticiadas? Hoje, todas essas mulheres passaram por mim (mostra uma lista). Caiu um pouco, mas nada demais.
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