Carolina Herrera, ontem e hoje

A estilista diz ser muito competitiva e que não pretende se aposentar tão cedo

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Por Ruth La Ferla
Aos 77 anos, a estilista Carolina Herrera não pensa em se aposentar Foto: Dustin Chambers/The New York Times

A lendária vida de Carolina Herrera é dessas coisas que aparecem melhor nas fotos. Através dos anos as câmeras a capturaram usando imaculados tênis brancos na casa de praia na Venezuela; de mãos dadas com um jovem Mick Jagger na Ilha Mustique; relaxando na praia de Maiorca, lábios entreabertos e cabelos úmidos presos na nuca. 

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Há fotos ainda mais glamourosas, como a tirada por Bruce Weber em 2001 na qual Carolina se solta na dança numa festa em São Domingos, República Dominicana; o retrato da estilista por Robert Mapplethorpe de 1979, de chapeuzinho de véu e brincos de pérolas enormes; ou a gravura de Warhol, com rosto sereno e olhos delineados na cor turquesa. 

Memórias de uma vida de passagem, essas imagens enchem livros de cafeterias, incontáveis revistas e se repetem emolduradas em prata em seu escritório, sugerindo ao visitante que, quando a estilista finalmente decidir aparecer em pessoa, virá, como nas fotos, protegida por vidro. 

Mas não é nada disso. A senhora Herrera, como é respeitosamente conhecida no meio, saiu outro dia com passos rápidos de seu escritório na Sétima Avenida, usando uma blusa alegre e saia discreta que ia até os joelhos, falando tão viva e diretamente como há mais de três décadas, quando apresentou a linha de moda que impulsionaria sua carreira. 

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Nós nos encontramos na véspera de sua viagem a Atlanta, onde uma mostra retrospectiva comemorando seus 35 anos de moda terá lugar no Museu de Moda e Cinema. A mostra, “Irreverência Refinada”, traz o melhor do vibrante legado da estilista. 

Aos 77 anos, Carolina diz que não vai deitar sobre o sucesso. “Sou muito competitiva”, afirma. “Se não competir, você não é desafiado. E se achar que atingiu a perfeição, é hora de se aposentar.” Aposentadoria não está em sua agenda. Há vestidos esperando, festas para ir. E, claro, a lenda a ser preservada. 

Carolina Herrera primeiro atraiu a atenção com seus extravagantes trajes de noite e vestidos de noiva, um deles usado por Caroline Kennedy. Mas bem antes de 1981, quando começou seu negócio na Rua 57 e criou os vestido de mangas bufantes que lhe valeram o apelido de Nossa Senhora das Mangas, ela já era uma obsessão na cena internacional. 

Com o marido, Reinaldo Herrera, aristocrata venezuelano e jornalista, Carolina garantiu uma cobiçada visibilidade na intersecção moda/sociedade num grau quase inexistente hoje, em que ela é quase uma anomalia numa geração de estilistas mais possivelmente encontrados como juízes do reality show de drag queens “RuPaul’s Drag Race” do que lidando com clientes em sofisticados endereços da Park Avenue. 

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Vestidos e imagens estão expostos em "Irreverência Refinada", uma retrospectiva dos 35 anos de carreira da estilista Carolina Herrera Foto: Dustin Chambers/The New York Times

Com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, Carolina Herrera ainda vira cabeças, imaculada em suas blusas brancas de grife e cabelo cor de champanhe habilmente armado em coque. E também ainda é notícia. 

No começo de maio, a casa Herrera anunciou a inauguração de uma luxuosa butique de 370 m² em Rodeo Drive, Beverly Hills, Califórnia, a mais recente de uma rede internacional de lojas que abrigam tanto suas coleções prêt-à-porter quanto vestidos de noiva. 

No ano passado, a Puig, uma empresa filiada à maison, nomeou François Kress seu chefe executivo. O anúncio foi rapidamente seguido pela substituição de vários membros da equipe de estilistas de Carolina, como Laura Kim e Fernando Garcia, veteranos de Oscar de la Renta e sócios na importante etiqueta Monse. 

Foi um período turbulento durante o qual Carolina demitiu até Hervé Pierre, seu diretor de criação por 14 anos. Sem falar nas possíveis pressões que a levaram a tal decisão, Carolina disse simplesmente: “Era hora de fazer a mudança. Ele também sentiu isso”. E acrescentou: “Às vezes na vida você tem que mudar, mesmo que isso o entristeça”. 

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Esse é um preceito que Carolina aprendeu ainda na infância, na propriedade da família na Venezuela. Ali, ela poderia ter se acomodado no que Hamish Bowles, colunista da Vogue, descreveu como “uma propriedade perdida no tempo das luvas brancas, onde requintadas mulheres condescendiam em participar de concursos de elegância para caridade, iam a desfiles de cães e festas ao ar livre e se exercitavam jogando tênis e cavalgando”. 

Não era o futuro que ela escolheria. No fim dos anos 1960, após seu casamento (o segundo – o primeiro fora aos 18 anos), o casal embarcou no que seria uma lua de mel prolongada, saltando alegremente da sala VIP da discoteca Studio 54 para o Palácio de Kensington, em visita à princesa Margaret, amiga de Carolina, rumando em seguida para Paris, ao encontro dos Rothschilds, e para o sul da França, como hóspedes do magnata da Fiat, Gianni Agnelli.  As saídas do casal ganhavam as colunas sociais, com Carolina nas listas das mais bem vestidas. Antes de a fulgurante dupla se mudar para Nova York, já podia ser vista a cada inverno entrando no Costume Institute Gala do Metropolitan Museum of Art, onde era um ímã para convidados e passantes.

Numa dessas ocasiões, André Leon Talley, ex-editor de Women’s Wear Daily e Vogue, observou-a ensaiando a entrada. Carolina usava, lembra ele entusiasticamente, “vestido de veludo de um negro profundo com uma extraordinária saia espanhola”. E acrescenta: “Quando ela começou a subir os degraus, o Mar Vermelho se abriu”. 

Os Herreras gostavam de oferecer, em sua ajardinada casa do Upper East Side, recepções que se tornaram famosas. Michael Gross descreveu no New York Times o memorável réveillon em que os convidados tiveram de comer 12 uvas cada um, representando os 12 meses de 1987. A ideia poderia parecer meio cafona, mas não partindo de Carolina. Ela explicou que se tratava de um antigo costume espanhol.

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Os desfiles reservados da estilista na Rua 57 Leste eram privilégio da grande elite: a atriz, estilista e socialite C. Z. Guest, Doris Duke, Jacqueline Kennedy Onassis (cliente fiel)...  As primeiras coleções de Carolina, no entanto foram recebidas por alguns com um ceticismo ferino. Num de seus desfiles de vestidos de noiva, Carrie Donovan, então editora de moda de The Times Magazine, foi ouvida quando comentava com alguém: “É roupa de matrona, não acha?”. 

“Estilistas dizem que não leem as críticas sobre os desfiles, mas não é verdade”, afirma Carolina. “Às vezes os comentários podem abrir seus olhos, embora você os ache injustos e se sinta ferida.”

A retrospectiva de 35 anos de carreira, que vai até 25 de setembro, é um testemunho de onde Carolina chegou. Exibidas em manequins de alabastro aparecem algumas das mais espetaculares criações da estilista, lembrando sua relevância. Entre outras peças estão hits como o longo florido usado por Luci Liu no Globo de Ouro 2013; o vestido vermelho e negro que Taylor Swift usou no mesmo evento um ano depois; e o longo de alcinhas de Lady Gaga no 2016 Producers Guild of America Awards.

O que os visitantes e estudantes de moda vão levar da exposição? Carolina Herrera pensa um pouco antes de responder: “Vão perceber que as roupas são atemporais”. E acrescenta: “Vão também aprender a perseverar”.

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Tradução de Roberto Muniz