A consumidora brasileira é conhecida por gostar de roupa justa e estampada em qualquer época do ano. No verão, então, as grandes marcas que povoam os shoppings espalhados pelo País investem exatamente nisso – porque é o que mais vende. Mas há uma ode por conforto nas passarelas e rodas de moda, atualmente. Sai de cena o superjusto e entram as formas leves e fluidas. No primeiro dia de desfiles da São Paulo Fashion Week, no Prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera, viu-se chiffon, seda, renda e linhos leves em modelagens soltas, ultradelicadas. Na coleção da estilista Lilly Sarti, que abriu as apresentações de segunda, as peças eram tão fluidas que foram batizadas por Lilly e pelo stylist Luis Fiod de “silhueta líquida” “Eu me interesso em fazer roupas que deixam a mulher bonita e feliz. Quando a gente está para baixo, é bom vestir uma roupa que levanta o astral”, diz a estilista.
O novo sexy da marca é relaxado, é cool. Famosa por sua moda boho/folk, ela pegou leve no uso do couro e chamois (suas marcas registradas). O charme está no jogo de comprimentos e nas sobreposições de texturas diferentes. As estampas trazem elementos místicos, como cartas de tarô e a serpente do deserto, e representam lendas e narrativas sertanejas, baseadas nas xilogravuras do artista pernambucano Gilvan Samico. Na mesma linha, mas focando em uma mulher menos etérea e mais urbana, o desfile da Uma apresentou macacões de seda, jeans com algodão de toque macio, maiôs de neoprene. Com styling simples (nada de camadas de roupa), a coleção que comemora os 20 anos da marca trouxe uma releitura contemporânea das referências que a tornaram querida entre uma turma fiel de clientes. “A mistura da alfaiataria com o esportivo, que está no nosso DNA, aparece de forma bem prática”, afirma a estilista Raquel Davidowicz. “Trata-se de uma coleção com tecidos nobres, que mostra que nossas peças não são descartáveis.”
Ela comanda a marca ao lado do marido, o empresário Roberto Davidowicz, que também é presidente da Associação Brasileira de Estilistas (Abest). “Fazemos uma roupa para um tipo de mulher, urbana e prática. Não adianta atirar para todos os lados”, acredita Roberto. Também têm público certo as roupas criadas por Luiz Claudio, da marca Apartamento 03, um dos novos nomes de destaque da moda nacional. Ele faz peças dramáticas para mulheres de personalidade. A coleção da grife foi inspirada no húngaro Harry Houdini, ilusionista que viveu nos anos 1920 nos EUA.
Seus truques e mistérios se refletiram na passarela. Mais leve que nas últimas temporadas, o desfile teve diferentes tons de azul e rosa, que se misturam em tecidos nobres, da seda ao jacquard, com efeitos surpreendentes, simulando volumes e sobreposições falsas. Um verdadeiro show de ilusionismo. Luiz Claudio faz parte do grupo Nohda, comandado pela estilista mineira Patrícia Bonaldi, uma das forças criativas e jovens da moda brasileira. No evento há apenas duas edições, Luiz Claudio se destaca por unir modelagem contemporânea a tecidos sofisticados e bordados ricos.
Política Terminou com tom político o primeiro dia de desfiles. Depois de fazer uma ode ao amor na última temporada, Ronaldo Fraga decidiu falar de guerra e da situação dos refugiados. Seu ponto de partida foram imagens de embarcações que partiram da África rumo à Europa – ao dar um zoom, o estilista mineiro notou que as pessoas vestiam calças, camisas e vestidos estampados com flores e grafismos multicoloridos. “A roupa é a única herança de sua terra e elemento de uma identidade cultural”, escreveu Fraga, que buscou na literatura do moçambicano Mia Couto e do angolano Valter Hugo Mãe as referências para compor sua narrativa. Na passarela, primeiro, surgiram modelos vestindo uma espécie de uniforme branco, com a palavra “refugee” escrita nas costas e os rostos cobertos por capuzes de tricô. A imagem estereotipada que veio seguida de uma festa africana. Homens e mulheres com tranças rastafári desfilaram vestindo peças multicoloridas e estampadas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.