A 53ª edição da São Paulo Fashion Week, maior festival de moda da América Latina, começa nesta terça-feira, 31, e vai até o sábado, 4 de junho. Em formato híbrido, 22 marcas participam presencialmente e 19 digitalmente, com transmissão online pelos canais oficiais. Criada em 1995 pelo produtor de eventos Paulo Borges, esta edição da SPFW traz o tema in-PACTOS para o centro das passarelas, a fim de representar o momento de reinvenção que o Brasil e o mundo está passando em relação a temas como a sustentabilidade e os compromissos ambientais com o planeta.
"É um momento desafiador, mas também muito rico, em que a diversidade e os novos formatos estão surgindo e sendo testados. É mais do que evidente que precisamos encontrar maneiras criativas de lidar com esses desafios. [...] Temos a obrigação de provocar a inovação, um chamado para que novos pactos possam surgir em torno do compromisso com as mudanças urgentes que precisam acontecer para criarmos um ambiente mais humano e saudável para todos", explica Paulo Borges.
O festival ocorre em formato híbrido desde a última edição, no fim de 2021, após dois anos sendo apenas digital. Desta vez, no entanto, os desfiles presenciais serão divididos em dois locais e deixam de ocorrer no tradicional Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque do Ibirapuera. "Diante do cenário mais controlado da pandemia e do eventual relaxamento das restrições sanitárias, buscamos formas de atender em parte esta demanda [de desfiles presenciais] mas, ainda assim, sem concentrá-los em um único espaço", comenta Paulo.
A SPFW será realizada no Senac Lapa Faustolo, com o intuito de unir a academia e o mercado da moda, e no Komplexo Tempo, na Mooca, local recém-inaugurado, que homenageia um dos bairros pioneiros na indústria têxtil da capital paulista. Borges afirma que o formato híbrido veio para ficar, já que o desfile digital permite outro tipo de expressão, com menos limitações, enquanto o presencial é como um espetáculo; os dois, no entanto, devem conviver por muito tempo.
Mais de 40 marcas nacionais participam da SPFW N53, sendo três delas estreantes: Thear Vestuário, Martha Medeiros e Dendezeiro. Em relação às três, o fundador do festival comenta: "Elas trazem já no seu DNA questões que dizem respeito a este novo século, questões de circularidade, diversidade e afetividade. E as soluções para os novos tempos virão dessa mistura rica de ideias, propostas e expressões".
Thear Vestuário
Criada em 2018 pelo designer de moda Theo Alexandre, de 42 anos, a Thear Vestuário estreia na SPFW no dia 3 de junho, às 17h. Com a coleção Jardins de Poteiro, inspirada na obra do artista Antônio Batista de Souza, conhecido como Antônio Poteiro, a marca goiana vai participar do festival no formato digital e apresentar o fashion film, gravado no Instituto Antônio Poteiro.
"A coleção contempla toda a trajetória de Poteiro, do barro às esculturas. Ter como inspiração um artista tão importante tem um peso. E a gente precisa trazer isso para que as novas gerações se conectem com o passado da arte até chegar ao contemporâneo", conta Theo, que teve a oportunidade de gravar o desfile no Instituto dedicado ao escultor, e considera como uma forma de se conectar com a ancestralidade.
Para fazer referência à obra do artista na coleção, foram utilizados tons terrosos que transitam entre o barro e a cerâmica, assim como as cores vibrantes das pinturas e texturas. Theo diz que a referência do barro também remete ao ciclo da vida: "Fala sobre nascimento e morte, é aquilo de 'do barro viemos ao barro voltaremos', e foi muito lindo entender isso na prática".
Em uma proposta que mistura o artesanal e o sofisticado, com elementos como bordados, crochê e transparência, a Thear segue o caminho da moda responsável desde a sua criação. O desafio é que as peças tenham o mínimo de materiais sintéticos, por isso, são utilizados tecidos de fibras naturais e botões de materiais orgânicos, como a madeira e o coco. Nessa coleção, a marca traz pela primeira vez uma estampa, desenvolvida pela artista visual Manuela Lima, criadora da Pipa.art, e inspirada nas flores do Cerrado. Além dessa parceria, os acessórios feitos em cerâmica pela designer Karine Brasil, também complementam os looks que serão apresentados no desfile.
Para Theo, cada coleção é um passo de evolução e o amadurecimento de seu trabalho fez com que ele chegasse até a São Paulo Fashion Week. Com a certeza da responsabilidade que é participar do maior festival de moda da América Latina, ele afirma: "Eu tenho encarado o meu trabalho com muito acolhimento porque somos muito cruéis em relação ao que fazemos. Com a maturidade, eu venho olhando com generosidade e beleza para o que estou fazendo".
Martha Medeiros
Um dos destaques da moda nacional, a alagoana Martha Medeiros, criadora da marca homônima, está entre as três estreantes da SPFW deste ano. Diferentemente dos desfiles convencionais, a estilista fará uma apresentação presencial, na quarta-feira, 1º de julho, às 15h30, no Senac Lapa Faustolo. Martha vai mostrar looks que fizeram parte de sua trajetória, bem como as novidades da próxima coleção, e contar a história por trás de cada uma das peças.
"Vou mostrar desde um top super curto até peças icônicas como o kimono de renda que a rainha Sílvia [da Suécia] comprou e peças artesanais que misturam tipos de rendas raríssimas, que não existem mais", conta a estilista, que deve apresentar de 12 a 14 looks no festival.
Conhecida pelo trabalho com rendas artesanais, com foco na tradição nordestina, Martha Medeiros já vestiu artistas e personalidades nacionais e internacionais, como Isis Valverde, Luiza Trajano, Sofia Vergara e Beyoncé. No entanto, a estreia na SPFW é como um presente para a estilista, que sempre imaginou fazer exatamente o que fará no festival: contar sua trajetória na moda. "Fizemos a história e agora vamos contá-la na passarela. Acho que tudo tem o seu tempo e eu queria amadurecer e me polir mais e fazer exatamente o que vou fazer. Quando fazemos sessenta anos, vemos que temos mais tempo para trás do que para a frente e não abrimos mão de absolutamente nada", comenta Martha.
Para ela, o importante é mostrar o DNA da marca, de forma que os consumidores identifiquem a identidade por trás de qualquer uma das peças. “Eu vou falar muito do processo criativo e como ter um DNA forte, porque é ele que agrega valor. Vou mostrar o resumo, da gente sendo e deixando de ser moderno para ser eterno”, diz a estilista, que escolheu o Senac, lugar onde estudou moda, para contar sua história.
Para complementar os looks, a pioneira em bijuterias de luxo no País, Rose Benedetti, criou acessórios exclusivos para a apresentação. Além dela, Martha conta que uma das peças foi desenvolvida em conjunto com a sua primeira estagiária, de vinte anos atrás, que hoje trabalha em uma confecção de Londres: "Ela foi minha pupila e levou essa herança. E eu acredito que a gente é do tamanho daquilo que a gente compartilha".
Dendezeiro
A partir do incômodo de não se sentirem representados na moda, Hisan Silva e Pedro Batalha criaram a Dendezeiro, em 2019. A marca baiana trabalha com a moda agênero, com modelagem inteligente e amarrações, com o intuito de incluir a maior diversidade de corpos possível. Na São Paulo Fashion Week, os estilistas estreiam no formato digital, no dia 1º de junho, às 18h. "Nós tentamos trazer dentro das produções o máximo de imagens diferentes dentro da esfera da moda nacional que durante muito tempo não valorizou a diversidade", afirma Hisan.
"Escolhemos abordar um tema que representa a nossa identidade e cultura enquanto baianos, que a Dendezeiro também traz muito no seu DNA. Nessa temporada, vamos trabalhar o tema inspirado no tabuleiro de acarajé", conta Pedro. Para a coleção Tabuleiro, os estilistas se inspiraram no prato típico da Bahia e utilizaram cores e texturas que remetem aos itens do tabuleiro para desenvolver as peças.
Com o fashion film gravado em Salvador, os dois destacam a importância de poder levar não só a marca, mas toda a equipe para participar do maior festival de moda do País. É um passo para que os baianos possam atingir um novo público, sem deixar de focar no que é essencial para eles. "É importante que a gente se reapresente como marca neste momento. E tudo foi pensado minuciosamente, em relação à linguagem que a gente vai apresentar Salvador e a Bahia", diz Hisan.
Para Pedro, enxergar a Dendezeiro em um espaço de representação dentro da SPFW, é mágico não só para eles, mas também para todos aqueles que têm o mesmo sonho. "Não só estilistas mas também consumidores, que conseguem olhar o universo da moda e o festival como algo que também é para eles. Olhar e falar 'esse espaço também é meu'".
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