Faz 35 anos que a paulistana Dorina Nowill, reconhecida por seu pioneiro e notório trabalho pela inclusão de deficientes visuais na educação e no mercado trabalho, discursava no plenário da Organização das Nações Unidas (ONU) em defesa dos direitos e inclusão das pessoas com deficiência visual. Era o início dos anos 1980. Só no final daquela década, a Constituição viria assegurar, no artigo 205, o direito das pessoas com deficiência à matrícula em classes comuns do ensino regular. Dorina foi a primeira pessoa com deficiência visual no Brasil a estudar numa escola pública e a primeira pessoa cega a se formar pedagoga, em 1945. Desde então sempre lutou para que a educação e os livros fossem acessíveis às pessoas cegas ou com problemas visuais e, dentre o seu legado, está a criação da primeira e maior imprensa oficial em braile no país. De lá surgiram os livros que formaram a maior parte das pessoas com deficiência visual no país.
Mais de 70 anos após Dorina conquistar seu diploma de educadora e quase 30 anos depois deste histórico discurso que proferiu na ONU, ainda hoje a Justiça tem de interferir para que o acesso de crianças e jovens seja garantido como direito, impondo multas ou até mesmo exigindo que as escolas particulares aceitem os estudantes.Ao considerar esse contexto, a história de Dorina Nowill, que nos chega no documentário Dorina - Olhar para o Mundo, exibido pelo canal MAX (da HBO), a partir de amanhã, dia 21, às 23 horas, nos evoca, no mínimo, um olhar de extrema admiração por sua arguta inteligência e perseverança por trabalhar num período em que estimulou e até mesmo ajudou a construir a maior parte do material legislativo que assegura a educação e inclusão social dos deficientes visuais.Cecilia Moraes, gerente de relações públicas do canal HBO, explicou que Dorina - Olhar para o Mundo é o primeiro documentário brasileiro produzido pela HBO e que essa é também uma maneira de o canal contribuir socialmente com produções que tragam questões e personalidades de grande relevância ao desenvolvimento social do país.
O pensamento de Dorina estava, de fato, e está ainda muito além do nosso tempo, nos inspira o filme, que demonstra que Dorina tinha uma arquitetura de ação no qual, com muita elegância e firmeza, ia envolvendo pessoas, instituições e áreas do conhecimento em seus projetos, sempre utilizando formas de assegurar a construção de algo de vida longa e democrática às pessoas com deficiência visual. "Vencer na vida é manter-se de pé quando tudo parece perdido. E lutar quando tudo parece adverso". Essa frase de Dorina está em destaque no trailer do filme. A atriz Martha Nowill, idealizadora da produção e que assina roteiro do filme, lembra que a avó estava sempre buscando desafios simultâneos. "Ela conquistava uma coisa, mas estava ali e já estava querendo conquistar outra."
Dirigido por Lina Chamie, o documentário tevepré-estreia à imprensa na última semana, na sede da Fundação, na Vila Clementino. O filme traz generoso acervo audiovisual das entrevistas de Dorina, depoimentos de familiares, amigos, cenas de seu trabalho. Interessante notar o quanto pessoas de diferentes setores foram sensibilizadas por ela para a causa: representantes do governos, políticos, artistas. A vivacidade da protagonista Dorina está presente em todo o filme e, principalmente, na presença da neta, Martha, o fio condutor que lê o livro de memórias da avó e realiza as entrevistas, com um intenso brilho olhos, o que humaniza o documentário. Ouso dizer que a personagem Martha, que encena a neta e também o ser que dedica à solidariedade na reconstrução da história da avó, nos torna tão próximos de Dorina, trazendo à tona não sóa sua grande luta ideológica, mas o retrato de uma mulher que viveu intensamente o seu tempo, o seu gostar de moda, sua paixão por óculos de sol combinando com tailleur, os tons das cores, os acessórios e, de maneira incondicional, o amor que dedicou ao trabalho para dar mais qualidade de vida às pessoas com deficiência.
Momentos marcantes do filme são a sequencia de vozesda própria Dorina, numa intercalação de várias entrevistas concedidas a programas de TV, narrando o momento em que perdeu a visão, aos 17 anos. Sem despertar ou buscar o mínimo de comiseração pelo problema, ela narra o episódio a entrevistadores como Chico Pinheiro e Jô Soares. Outro instante muito marcante é a forma como se dá sua entrada no Colégio Caetano de Campos, onde foi a primeira aluna com deficiência visual.
Lá, com um grupo de amigas, criou um curso de especialização para educação de cegos.E esse traço marcante de sua personalidade, de engendrar pessoas com seu magnetismo pessoal para a causa, faz a gente pensar em algo que ela diz no filme: "interação é vida." Um recado e tanto para quem busca trabalhar com inclusão social, principalmente para crianças. A arte de promover encontros, assim como fez Dorina, transforma vidas e proporcionamais equidade social.
Veja o trailer do filme:
Serviço: Dorina - Olhar Para o Mundo tem direção de Lina Chamie, que também assina o roteiro junto a Martha Nowill. O documentário, realizado com recursos da Condecine - Artigo 39, é produzido por Roberto Rios, Maria Angela de Jesus, Paula Belchior e Patricia Carvalho da HBO Latin America Originals, e Martha Nowill da Mil Folhas, Lina Chamie da Girafa Filmes e Sara Silveira da Dezenove Som e Imagem. Estreia dia 21, às 23horas, no canal max, HBO.
Após a estreia na televisão, o conteúdo também estará disponível gratuitamente na aba Experimente da plataforma HBO GO (www.hbogo.com.br) e no HBO On Demand por meio do NOW na pasta Programas de TV > HBO.
Dorina Nowill inspirou Mauricio de Sousa a criar Dorinha, personagem da Turma da Mônica
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