Ouvir um pernilongo sinaliza que logo nosso sangue será sugado e, com azar, seremos infectados pelo parasita da malária, pelos vírus da febre amarela ou da dengue. Não é sem razão que o zumbido desperta nos humanos uma fúria só saciada ao esmagar o pernilongo. Cientistas que estudam pernilongos descobriram que casais desses insetos organizam seus encontros amorosos com o zumbido que tanto nos irrita. O Aedes aegypti, responsável pela dengue, produz seus zumbidos vibrando as asas durante o voo. Há anos descobriram que os machos produzem um zumbido de 600 Hz, mais agudo que o das fêmeas que "cantam" a 400 Hz. Sabemos também que o órgão capaz de captar o som nesses mosquitos detecta os zumbidos dos machos e fêmeas e se suspeitava de que eles "conversavam" utilizando zumbidos. A novidade é que isso foi demonstrado em uma série de experimentos muito elegantes. Para executar o experimento, os pesquisadores capturaram os mosquitos vivos e colaram seus abdomes a pequenos alfinetes, de modo que eles ainda pudessem bater as asas (e pensar que estavam voando) quando na verdade estavam fixos no alfinete. Eles também utilizaram um microfone, um osciloscópio (equipamento capaz de medir a frequência do som emitido), um gravador e um alto-falante capaz de reproduzir o zumbido nas diferentes frequências. Primeiro, os cientistas aproximaram os mosquitos colados nos alfinetes ao microfone e confirmaram que eles cantam a 600 Hz (machos) e 400 Hz (fêmeas). Depois, mantendo o macho perto do microfone, eles aproximavam as fêmeas do macho, como se ambos tivessem se encontrado ao acaso em seus voos perto da orelha de uma vítima. O que eles observaram é que, quando a distância entre o macho e a fêmea é menor que 2 cm, imediatamente o macho e a fêmea mudavam seu zumbido e passavam a cantar em uníssono a 1.200 Hz (bem mais agudo). Mas, se a distância entre eles era aumentada, em poucos segundos eles voltavam a emitir seu zumbido original. O interessante é que essa sincronia em uma frequência mais alta só ocorre em interações de pernilongos do sexo oposto. Quando dois machos ou duas fêmeas se encontram, nenhum deles muda seu "canto". Para confirmar que a identificação do sexo oposto era feita pelo som, os cientistas usaram os alto-falantes para simular um pernilongo macho ou fêmea. Se o alto-falante que zumbia a 600 Hz era levado para perto de uma fêmea que estava zumbindo a 400 Hz, ela imediatamente mudava seu canto para 1.200 Hz. O resultado confirma que no escuro a identificação do sexo oposto ocorre unicamente pelo som emitido. Os cientistas acreditam que o fato de os pernilongos de diferentes sexos emitirem sons de diferentes frequências, combinado com a descoberta de que os sexos ajustam sua frequência quando encontram o sexo oposto, sugere que os mosquitos utilizam esse mecanismo para identificar potenciais parceiros sexuais e se acasalarem no escuro. A partir de hoje, quando os pernilongos estiverem zumbindo no meu ouvido, vou me tornar um voyeur auditivo, imaginando a dança amorosa dos bichinhos. Talvez isso aplaque minha vontade de esmagar os zumbidos. *Biólogo - fernando@reinach.com Mais informações: The harmonic convergence in the love songs of the dengue vector mosquito. Science, vol. 323
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