Na vida cotidiana do homem neolítico, a determinação do ano tinha uma importância fundamental no planejamento da sua economia pastoril e/ou agrícola. Seu estabelecimento por intermédio das mais cuidadosas observações astronômicas, na época muito rudimentares, bem como os procedimentos de contagem dos dias, estavam relacionados às sucessivas posições aparentes das estrelas no céu e ao deslocamento da sombra produzida pelo Sol. O fato de os astrônomos-sacerdotes egípcios terem estabelecido um ano de 365 dias, por volta do ano 2800 antes de Cristo (a.C.), é suficiente para sugerir que o reconhecimento da noção do ano como uma das unidades de tempo surgiu com o aparecimento das grandes civilizações. O início do ano foi fixado convencionalmente em diferentes estações do ano por diversos povos. Entre os antigos romanos e muçulmanos, que adotaram um ano de 364 dias, o seu início poderia corresponder sucessivamente a todas as estações. Não existia interesse em saber quais eram os primeiros meses desses anos lunares. De fato, uma definição relativa ao início do ano só teve um significado real quando os povos passaram a adotar um calendário solar relativamente preciso. Na Gália, o calendário estabelecido pelos sacerdotes-astronômos druidas era o ano lunar, que tinha início na sexta noite a partir da Lua do solstício do inverno, ou seja, no quarto-crescente. Antes da reforma do calendário, ordenada por Júlio Cesar no ano 708 da Fundação de Roma (45 a.C.), o ano começava em 1º de março, data que coincidia com o equinócio da primavera no hemisfério norte. Com a reforma juliana, o início do ano passou para 1º de janeiro, condição que foi aceita lentamente por todas as nações ocidentais submetidas ao (ou sob a influência do) domínio romano. No entanto, mesmo após terem adotado o calendário juliano, muitas divergências permaneceram com relação à origem do ano. Nos séculos 6 e 7 da nossa era, na Europa, particularmente em diversas províncias francesas manteve-se ainda o hábito de considerar o início do ano no primeiro dia de março ou no Natal. Se por um lado, nos tempos do reinado de Carlos Magno (768-814), o ano começava no Natal, uso que permaneceu na região de Soissons até o século 12, por outro lado, em algumas regiões, o novo ano tinha início em 25 de março, próximo ao equinócio da primavera, ou no dia da Anunciação. No Concílio de Reims, em 1235, o emprego do equinócio da primavera para mudança do ano era designado como um sistema de uso na França. Em conseqüência disso, os presentes eram trocados durante a passagem de ano no início de abril. Mais tarde, com a transferência do começo para 1º de janeiro, surgiram as brincadeiras próprias do 1º de Abril, dia no qual se passou a oferecer aos amigos presentes falsos para comemorar o falso ano-novo. RESISTÊNCIA CATÓLICA Uma das grandes dificuldades em se adotar o ano-novo em janeiro foi provocada pela resistência das autoridades católicas, que relutavam aceitar comemorar a origem do ano num mês que tinha o nome de uma divindade pagã, Janus. A celebração do início do ano em 25 de março foi mantida na Inglaterra até 1751, quando se adotou simultaneamente o calendário gregoriano e o começo do ano em 1º de janeiro. Em conseqüência, o ano de 1751 começou em 25 de março e não terminou, pois o dia 1º de janeiro de 1751 passou a ser 1º de janeiro de 1752. Desse modo, o ano de 1751 perdeu os meses de janeiro e fevereiro, e 24 dias de março. Mais tarde, em setembro de 1752, foram suprimidos 11 dias, uma das determinações da reforma gregoriana. Assim, o dia seguinte a 3 de setembro passou a ser 14 de setembro de 1752. Na Rússia, o ano começava em 1º de setembro até o reinado de Pedro, o Grande, que instituiu o ano começando em 1º de janeiro do calendário juliano, que correspondia ao 12 de janeiro do calendário gregoriano. UNANIMIDADE Atualmente, a escolha do dia 1º de janeiro é de uso unânime entre as grandes nações, embora os judeus e os muçulmanos adotem o início do ano em épocas coincidentes com suas crenças religiosas. A última tentativa de alterar tal convenção ocorreu em 5 de outubro de 1793, quando a Revolução Francesa instituiu um calendário que teria início em 22 de setembro de 1792, dia do equinócio do outono, primeiro aniversário da Primeira República francesa. Tal rompimento com a tradição do 1º de janeiro durou 13 anos na França. * Astrônomo, escreveu mais de 85 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2008. Site: http://www.ronaldomourao.com
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.