Reféns das guloseimas

Combater a epidemia de obesidade infanto-juvenil é uma preocupação de pais e especialistas

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Por Denise Berto
Atualização:

Convencer os pequenos a trocar guloseimas por alimentos saudáveis é uma batalha árdua. Envolve uma luta diária contra a mídia, que incentiva oportunos consumidores. Segundo a International Obesity Task Force, da Inglaterra, o número de crianças gordas no mundo já supera em duas vezes mais o das desnutridas. São 350 milhões de obesos ou acima do peso, o que corresponde a 10% da população mundial infantil. "Pessoas obesas são muito mais suscetíveis a uma série de doenças, como diabetes, pressão e colesterol altos", destaca o líder da organização britânica, Philip James. Em sua opinião, a obesidade deve ser combatida com ações tanto educativas quanto regulatórias. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), nos últimos 20 anos, houve um aumento de 240% nos registros de obesidade infanto-juvenil no Brasil. As estatísticas apontam que, independentemente da classe social, esses índices têm aumentado tanto em escolas públicas como nas particulares. Já a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) constatou que a classe média do Sul e Sudeste do País é a mais afetada, tendo atingido um índice de 34% de meninas com sobrepeso. A nutricionista Monica Beyruti, de 40 anos, parceira do endocrinologista Alfredo Halpern nos livros Dieta dos Pontos, Pontos para a Garotada e Abaixo o Regime, detalha o que é uma dieta saudável e qual é a melhor forma de os pais alimentarem seu filhos. Membro da Liga de Obesidade Infantil e do Ambulatório de Transtornos Alimentares e Obesidade do Hospital das Clínicas, além de colaboradora do Departamento de Nutrição da Abeso, Monica - mãe de Pietro, de 10 anos, e de Victor, de 13 - sabe por experiência própria que o exemplo é fundamental para impor uma disciplina alimentar. Como pode ser definida uma dieta saudável para as crianças? Uma dieta saudável é aquela que fornece calorias e nutrientes suficientes para que a criança se desenvolva normalmente. Deve conter basicamente três grupos de alimentos: os construtores, os reguladores e os energéticos. Os primeiros são fontes de proteínas: as carnes em geral, leite e derivados, e ovos. Contêm ferro e cálcio, entre outros nutrientes, e são responsáveis pela construção e reparo dos tecidos. Alimentos reguladores são as frutas e os vegetais, principalmente, fontes de vitaminas e fibras e responsáveis pela regulação das funções do organismo. E os energéticos - grãos, batatas, pães, massas, doces, etc. - fornecem energia para as atividades do dia-a-dia. O que dificulta viabilizar uma dieta saudável? Há dois problemas principais: a falta de informação e a falta de tempo dos responsáveis pelo preparo e organização das refeições. Muitas vezes, em função da praticidade, compromete-se a boa alimentação. Um cardápio ideal para uma criança consumir em um dia seria, por exemplo: pão francês com pouca manteiga e leite com achocolatado no café da manhã; uma maçã e três biscoitos no lanche matinal; uma salada de alface e tomate, arroz, feijão, frango cozido, cenoura cozida/refogada e gelatina no almoço; banana com aveia e mel no lanche da tarde; purê de batata, carne moída, abobrinha refogada e morango no jantar; e leite na ceia. Quais as queixas mais freqüentes dos pais? É que as crianças não comem verduras ou frutas. Existem muitas outras, mas esta é a campeã. Neste sentido, é essencial oferecer estes alimentos várias vezes e insistir para que a criança os prove. Compor um prato colorido e atraente ajuda muito. Por que as crianças estão cada vez mais obesas? Como combater isso? Elas estão deixando cada vez mais de comer arroz, feijão, verduras e frutas, para ingerir aqueles alimentos de preparo rápido ou já prontos, como sanduíches e batatas fritas de lanchonetes, salgados, macarrões instantâneos e sobremesas prontas. Muitas comem na frente da televisão. Hoje, um grande número não tem hábito de sentar-se à mesa para se alimentar, sem contar que não gastam energia se exercitando. Os videogames substituíram as antigas brincadeiras saudáveis. O combate disso se faz com uma reeducação alimentar e exercícios físicos, não tem segredo. É possível educar a criança apesar de tantos apelos das propagandas? Limitar o acesso à TV é uma alternativa? Acredito que seja, sim, possível educar as crianças. O bom exemplo é o princípio de tudo. Não se deva limitar o acesso à TV por causa dos alimentos, mas sim por não ser a fonte de informações mais saudável. A criança deixa de queimar calorias, de brincar com outras crianças, de ler um bom livro para engordar em frente à TV. Se ela aprender a se alimentar de forma correta, mesmo com todo o apelo da mídia, não ganhará peso. Quais são os principais vilões da alimentação infantil? Salgadinhos, doces e refrigerantes são unicamente fontes de energia. São calorias vazias, ou seja, as vitaminas e fibras ficam de fora. Ainda, se consumidos em horários errados, tiram o apetite e prejudicam a refeição saudável. As crianças deixam de comer as proteínas, os grãos e outros nutrientes importantes. Mas se consumidos com moderação, não trazem problemas. Já o exagero acarreta aumento de peso. Além disso, alguns desses itens são fontes das famosas gorduras "trans", que fazem mal à saúde, pois reduzem a lipoproteína que protege o coração e aumentam a gordura abdominal. A alimentação infantil deve ser liberada nos fins de semana? Alimentos como sanduíches e batatas fritas, ou salgadinhos de festinhas, ou mesmo a pizza de domingo, não devem ser proibidos nem para as crianças que precisam emagrecer. Estas precisam aprender a consumi-los. Caso contrário, acontece o conhecido efeito iô-iô, ou seja, o engorda-emagrece, e o pequeno desde cedo vai sofrer com isso. Porém, se ele aprender a comer de tudo, inclusive os alimentos calóricos e mais prejudiciais, as chances de ganhar novamente o peso reduzido são menores. É imprescindível que haja reeducação alimentar. A criança pode demorar para emagrecer, ou mesmo não emagrecer, mas terá tempo para modificar seu comportamento alimentar. Veja bem: proibir gera compulsão, ou seja, uma vontade louca de comer o alimento proibido. Já pensou a confusão? E na escola? Qual a melhor conduta alimentar? Primeiramente, acredito que a nutrição deva fazer parte do currículo escolar. Já que muitos pais não sabem o que significa uma alimentação saudável, seria essencial que as crianças conhecessem desde cedo o valor e a ação de cada grupo de alimentos. Para o lanche, os pequenos podem levar frutas, vegetais cortadinhos, barras de cereais, frutas secas, suquinhos (para os que têm problema de peso, deve-se priorizar os sem açúcar), sanduichinhos com queijo pasteurizado, que não estraga fora da geladeira, etc. No caso das cantinas, é preciso ter mais disciplina. Todas deveriam ser proibidas de vender frituras. Caberia às secretarias de Educação implantar essa medida. Normalmente, eu oriento que se libere a cantina um dia na semana, mas não é para a criança comprar tudo o que gosta de uma só vez. A cada dia liberado, compra-se uma guloseima diferente. Qual a sua orientação final para os pais. Como criar pessoas saudáveis diante de tantas tentações encontradas dentro e fora de casa? Bom senso na hora de orientar e lembrar que um bom exemplo vale mais do que muitas palavras. Como fazer o filho comer tomate se os adultos nunca comem? É importante se informar sobre uma alimentação correta e não se acomodar diante de pratos rápidos. Chantagens do tipo "se você comer isso, lhe dou doce" são inaceitáveis; fazer a criança raspar o prato quando ela diz que já está satisfeita, também. E deve-se lembrar sempre de que o melhor combate à obesidade é a prevenção.

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