»Desenraizado, desterritorializado, um imigrante pensa muito nos lugares por que passa e nas sensações que eles despertam. Quais são os meus lugares favoritos, no Porto, em São Paulo, no mundo? Por quê? O que os torna especiais?
O que faz do lar um lar, o que está na raiz do pertencimento? Uma bandeira, um hino, uma feijoada? Ou serão as canções, as pichações, a língua? O cheiro da terra, a variedade de plantas e animais, uma certa topografia?
Vagando a esmo, para lá e para cá, no meio de lugar algum, penso nesses lugares-meio, lugares-através, feitos de entretempos, de umbrais e portais, que nos tocam pelo toque de todos os que ali passaram.
Lugares férteis que me lembram, afinal, que o lugar são as pessoas.
O valor de um lugar não é inerente a ele próprio. Dizem-me que Portugal tem praias e montanhas e rios e jardins e castelos e igrejas. O Brasil, também. Mas o que faz praia, montanha, rio, jardim, castelo e igreja somos nós, banhistas, proletários, professores, crentes, vagabundos. Pessoas que habitam esses espaços e neles criam relações.
Mais diferentes do que as latitudes, são as pessoas.
Atribuímos significado aos lugares e assim os criamos. O lugar se alimenta da gente, a partir da gente ele se amplia ou contrai. Extensão de gozos e lágrimas.
Tijolos são tijolos até que alguém quebre uma vidraça. Até que alguém se encoste ao muro para as suas lamentações. Então o espaço sacraliza, vira outra coisa, encharcada de lágrima e significado.
O lugar são as pessoas e as pessoas são o lugar, sendo e pertencendo, criando e destruindo. É isto uma cidade: cada riso que ecoa, cada conversa que se perde, cada canção que soa, cada beijo enamorado. Cada ato, cada sentimento, cria um espaço.
Onde quer que estejam, os lugares, somente a gente pode fazer valer, a caminhada.«
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