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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião | Receita contra a depressão

Olha o mundo. Depois, garota, esquece o que está fora dele. Está fora do mundo o ontem, o ano passado. Está fora do mundo o amanhã possível, o sonho imaginado.

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Foto do author  Renato Essenfelder
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 Foto: Estadão

arte: loro verz

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» Cedo ou tarde, a vida desanda. Dia desses, você se queixava de que a vida está, sem meias palavras, uma merda: vai mal nos estudos, vai mal no namoro, vai mal na família. Caos.

Pior: as coisas que dão errado têm o mau hábito de se agruparem logo à frente, na curva do caminho, fora da vista imediata. Os pequenos demônios do dia a dia são ridículos e fracos, mas sabem disso. Então, andam em bando.

Quando o vigésimo problema insignificante dá as mãos para a vigésima primeira bobagem cotidiana, você explode.

Com o rosto inchado, volta-se a mim em busca de solução. Uma solução, enfim, para a vida. Uma estrela que guie até o porto mágico dos sonhos de menina: queria ser tanta coisa, antes de crescer, e agora só quer sobreviver e se lamentar por conta de tudo o que não foi.

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Então, sem dó, mas com ternura, eu digo: esqueça os seus planos, menina. Enterre os ideais. Vem viver a vida no presente, no tempo presente, dos homens presentes, de mãos dadas! Prestar atenção nas alegrias do dia a dia, mesmo as mínimas, e batizá-las, conhecer seu nome e causa. Então, a felicidade.

E você ri: que felicidades?, que alegrias? Meu dia é dor após dor, sofrer após sofrer.

Mas ostra feliz não faz pérola, menina, e a solução que trazemos é trágica: fazer da dor algo belo, da angústia a reflexão, do fracasso a nova perspectiva, do muro o apoio ou pináculo da vida. 

Olha o mundo. Depois, garota, esquece o que está fora dele. Está fora do mundo o ontem, o ano passado. Está fora do mundo o amanhã possível, o sonho imaginado. Pare de comparar a vida que é à vida que poderia: o futuro é a negação do presente. Só o que existe agora, existe.

E tantas coisas maravilhosas, ainda que doam, que muito doam demais, existem agora.

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O conhecimento, por exemplo, é uma alegria doída - a cada dia saber um pouquinho mais.

Mesmo o saber da catástrofe é belo. «

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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