Houve muita coisa ao longo dos meus poucos-tantos anos, em que acreditei com toda minha fé e, com alguma dor, deixei de acreditar. Na generosidade da fada do dente. No sexo feminino da Vovó Mafalda. Na possibilidade de andar nas nuvens. Desilusões, no melhor sentido da palavra. Quem nunca?
E dentre as ilusões e outras peças que a vida nos prega, eu já acreditei naquele amor dos contos de fadas, que tudo vence e que nunca se vê em risco. Já acreditei nos amores divinos, traçados há milênios, verdadeiramente predestinados. Já acreditei em amores blindados, que passam pela vida como um tanque de guerra sem nem perceber ameaças ao redor.
Mas cada uma dessas hipóteses foi caindo pelo meio do caminho. E eu já não sabia muito bem no que acreditar- ou pior, se já não deveria acreditar em mais nada do amor, vivendo apenas de relações superficiais, que nunca mergulhassem fundo, bastando que fizessem algum sentido a curto prazo. Acreditar em pouco e não naquele tanto que é a fé no amor como base, meta, alicerce e destino.
Mas aí veio você. Veio você falando bobagem, veio você sem pretender ser a razão da minha vida. E vim eu. Vim eu querendo rir, querendo meia dúzia de coisas boas perto de você. Sem querer planejar se acordaríamos juntos pelo resto da vida ou se nem quereríamos dormir lado a lado naquela noite. Era o que era. E era bom assim.
E eu comecei a perceber que isso poderia dar certo. Que isso poderia dar muito certo. Um amor terreno: era isso, apenas. Com mil desafios, mil parafusos para apertar, mil chatices para tolerar, mil dúvidas e só uma certeza: a de acreditar nessa história.
E sabe por que eu acredito em nós dois?
Porque tem dias em que você está chato para caralho. E eu olho para o seu rosto e penso "nossa, ele está chato para caralho". E mesmo assim eu quero ficar ao seu lado no sofá.
Porque tem dias eu que eu fico insuportável. Choro, critico, reclamo e acuso. E sei que você pensa que dentre todas as criaturas insuportáveis do mundo, eu sou a única que você suporta suportar.
Porque você puxa a coberta. Eu te chuto de noite. Você ronca. Eu babo. Você fica puto porque meu celular vibra à noite. Eu fico puta porque você coloca o despertador para 15 minutos antes do necessário. E todo dia é para essa cama que a gente quer voltar, no matter what.
Porque às vezes você fica preso no trabalho até tarde. E eu fico chateada porque queria que você chegasse logo porque estar com você é a melhor parte do dia e eu não quero que ela seja mais curta. Mas eu entendo.
Porque há finais de semana em que eu preciso trabalhar. E você resolve trabalhar também, na outra ponta da mesa. E uma hora a gente diz que chega por hoje e sai para tomar o ar na noite.
E acredito na gente porque não somos um conto de fadas. Porque eu nunca tive vocação para esperar um príncipe de cabelo jogadinho que chegaria a cavalo. E se eu fosse dessas, você, graças a Deus, nunca teria se interessado por mim. Nos encontramos porque ambos caminharam até aqui e quiseram seguir caminhando juntos.
Acredito em nós dois porque não precisamos acreditar que esse é um amor divinal. Não precisamos ser escravos do destino. Não estamos aqui pela vontade de algum astro ou de algum deus. Estamos aqui por uma única razão: nós queremos estar.
E porque a gente não quer que seja blindado. Não queremos a certeza de que fomos ontem, somos hoje e seremos amanhã. O risco faz parte de tudo o que é de verdade. E disso nós fazemos questão: que seja de verdade. Com fiapos para arrancar e atrasos para tolerar, com arestas para aparar e erros para perdoar. Eu acredito em nós dois porque no meio desse mundão com tanto amor fantástico, incrível e impecável, nós somos apenas um amor de verdade.
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