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Opinião | Aborto de repetição: Por que algumas mulheres não conseguem levar a gestação até o fim?

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Foto do author Rita Lisauskas

Quando pergunto para a gerente de contas Sueli Haga que "divide" o mesmo ginecologista que eu quantos abortos ela sofreu a resposta é tão triste quanto chocante: "Foram tantos que até perdi a conta", lembra. Do primeiro as recordações são mais nítidas, como tudo de ruim que acontece pela primeira vez na vida da gente: "Estava com quatro meses de gravidez e senti muitas dores. Fui para o hospital, fiz o ultrassom e disseram que estava tudo bem." Ela voltou para casa e o feto foi expelido enquanto se higienizava no bidê. A ginecologista dela na época a tranquilizou dizendo que um raio não caía duas vezes no mesmo lugar. Caiu. Segunda gravidez, segundo aborto. A terceira gestação ela conseguiu levar adiante com algumas internações, remédios e repouso absoluto. 

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Ao tentar mais um filho, mais abortos. Insisto para que ela remexa nas lembranças dolorosas e faça a conta: "Acho que foram sete ou oito", conta. Sueli reparou que a cada gravidez tinha mais dificuldades em levar a gestação adiante: "No primeiro ultrassom estava tudo bem, no segundo o feto não tinha nem batimento cardíaco. Depois, na gravidez seguinte, eu mal descobria que estava grávida e no primeiro ultrassom já via que tinha perdido o bebê. Era muito triste e frustrante".

Sueli decidiu trocar de ginecologista e aceitou a indicação de uma amiga que também teve problemas para engravidar. O novo médico pediu uma série de exames em uma clínica especializada em medicina fetal, infertilidade e genética.

O sistema imunológico da mulher possui mecanismos para "reconhecer" o feto, que tem uma carga genética diferente da sua, e protegê-lo de ser encarado como um corpo estranho. A grávida produz "anticorpos bloqueadores" que permitem que a gravidez seja levada adiante. Só que há casais que mesmo sem parentesco algum possuem uma carga genética muito parecida e "enganam" o corpo da mulher, que não produz os tais anticorpos fazendo com que o sistema imunológico siga seu caminho natural e "combata" a gravidez. O exame feito na clínica para descobrir o que estava acontecendo com o casal foi o Cross Match. O resultado, negativo, mostrava que o corpo de Sueli não tinha desenvolvido os anticorpos protetores porque ela e o marido eram provavelmente genéticamente semelhantes. "As semelhanças genéticas entre um casal não têm relação com semelhanças físicas, como as pessoas podem imaginar. Elas podem acontecer mesmo entre pessoas de origens diferentes", explica o Dr. Ricardo Oliveira, Patologista e Diretor Médico da RDO Diagnósticos Médicos. "Mas essas semelhanças são realmente mais comuns em casais da mesma raça", completa.

Sueli começou um tratamento com vacinas feitas a partir de linfócitos paternos, ou seja, das células sanguíneas que carregam a parte genética do marido. Foram três doses que estimularam seu sistema imunológico. Um novo exame de Cross Match foi feito 21 dias depois da terceira aplicação e o resultado foi positivo: os anticorpos finalmente tinham sido produzidos. A maioria das pacientes precisa apenas de três doses de vacina para conseguir uma resposta imunológica positiva. Mas há casos que são necessárias até cinco doses. "Este tipo de abordagem diagnóstica e terapêutica foi utilizada nos EUA desde a década de 80, sendo muito aplicada atualmente no Japão e em Israel. No Brasil, possuímos mais de duas décadas de experiência e excelentes resultados no estudo e tratamento da infertilidade de causa imunológica", completa. Mas Dr.Ricardo ressalta que existem outros fatores que podem fazer com que a mulher sofra uma série de abortos, entre eles trombofilias genéticas ou adquiridas, a presença de anticorpos antinucleares e tiroidianos, presença de células NK em quantidade elevada, deficiência de vitamina D e o fator de abortamento masculino, que é a fragmentação do DNA espermático. "Sueli também possuia trombofilia adquirida e foi medicada durante a gestação", completa.

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"É importante lembrar que 60% das concepções são perdidas durante a fase de implantação ou logo após (dentro do periodo menstrual) o que faz com que o casal pense que não consegue engravidar. Portanto todo casal deve passar por prévia consulta com médico especializado antes de adotar qualquer tipo de tratamento", esclarece.  No caso de Sueli, as vacinas e o tratamento da trombofilia foram certeiros: "Era começo do ano e o médico me disse que meu filho iria chegar como presente de Natal." Dito e feito. "Engravidei no mesmo mês e o Pedro nasceu em dezembro.", lembra, emocionada.

 

 

O tema desta reportagem foi sugerido pela RDO Diagnósticos Médicos

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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