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Opinião | Cinco dicas de livros para ler com os filhos nas férias

Fundadora de clube de leitores indica títulos que levam a boas conversas com as crianças

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Foto do author Rita Lisauskas
 Foto: Montsera (Pexels)

Um dos principais desafios durante as férias escolar é manter as crianças entretidas e longe das telas o quanto for possível. Nem todo mundo consegue viajar e os pais estão sempre tentando arrumar novas atividades com as crianças, para que esse tempo possa ser de diversão. Por isso, convidei a Denise Guilherme, fundadora do Clube de leitores A Taba, que é um serviço de assinatura de livros para crianças e jovens, a indicar cinco livros para a gente ler junto com os nossos filhos. E se engana quem pensa que esse hábito só pode começar quando eles são maiorzinhos. "É o contrário: a gente começa a ler desde cedo porque a linguagem é uma forma de apresentar o mundo para as crianças, mas também uma forma de afeto. Então o afeto necessariamente passa pela linguagem, pela história, pela narrativa, então por isso que é muito importante ler desde pequeno pra eles", garante Denise.

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Blog: Como você vê a leitura para a formação das crianças? A gente tem que ler para elas e com elas desde sempre?

Denise: E eu acredito que temos que ler para eles desde sempre, desde a gestação. As crianças quando nascem convidam a gente, o adulto, a resgatar muitas coisas da nossa infância, desde a canção de ninar, a brincadeira e a questão da leitura, e isso é muito legal. A gente vê a leitura como um ponto de partida para boas conversas entre os adultos e as crianças.

Blog: E qual é a sua primeira dica de livros?

O primeiro livro que eu gostaria de indicar é o "Cada bicho um seu canto", de um autor brasileiro chamado Edmilson Pereira de Almeida. É um trabalho muito bacana, é uma coletânea de poemas sobre animais. E por que é que eu pensei numa coletânea de poemas? Primeiro porque é um gênero que é pouco comum a gente ler com as crianças, principalmente na família - a escola ainda lê, mas a família acaba indo mais pra narrativa. A poesia brinca com a sonoridade e com o sentido das palavras, as crianças pequenas são poetas por natureza, vivem inventando nome para as coisas, trocando palavras, então são brincadeiras que as crianças fazem com a palavra que aproxima muito os pequenos da linguagem poética.

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Tem poema sobre a coruja, o jabuti, a cobra, leopardo, girafa, centopeia, e o autor faz uma brincadeira com a sonoridade das palavras de cada bicho. Então a dica de ler um poema por dia para as crianças, ouvir o que elas pensam a respeito de cada um dos animais que aparecem ali. E as ilustrações são de um artista que é múltiplo, o Edson Ikê -  ele é designer gráfico e ilustrador e trabalha com diferentes técnicas de ilustração. E o livro é todo em amarelo, preto, branco e em tons de laranja e os personagens vão meio que dançando entre os poemas, é um livro bonito também de se ver e de se ler.

Blog: Para qual idade você indica esse livro?

Denise: Para as crianças a partir dos 3 anos vai funcionar muito bem, assim, especialmente porque nessa idade eles estão muito interessados em animais, é uma fase em que as crianças começa a gostar de dinossauro, o outro quer prestar atenção nos insetos, então eles começam a ter essa curiosidade pra fora, para o mundo. "Cada Bicho um seu Canto é da editora FTD.

Denise Guilherme, de 'A Taba'. Foto: Valéria Gonçalvez

Blog: Qual foi a segunda dica que você pensou aí para os pais e para as mães, para as avós, para os tios? Porque não é só com pai e mãe que as crianças têm essa experiência de leitura.

Denise: O segundo livro que eu pensei é um livro que eu adoro, chama-se "A Extraordinária Jornada de Edward Tulane". É um nome longo. É de uma escritora chamada Kate DiCamillo. E ele é um livro como o próprio nome já diz, é uma jornada de um personagem e é um livro em capítulos. Às vezes a gente pensa que ler livro em capítulos só funcionaria com as crianças muito grandes, não é assim. São capítulos muito curtos então dá para as crianças pequenas, de 5 ou 6 anos acompanharem a narrativa, que conta a história de um brinquedo. É um coelho que uma menina ganha e que é superluxuoso, de porcelana, articulado e a criança que tem uma paixão por esse brinquedo. Só que o brinquedo não tem nenhuma afeição por ela, ele acha que se basta. Mas ele vai se perder dessa criança e viver uma jornada de encontro consigo mesmo.

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É um livro que é muito profundo, muito bonito, e ao mesmo tempo as crianças torcem pelo coelho, porque ele encontra pessoas que vão amá-lo, pessoas que não sabem o que fazer com ele, e o coelho vai mudando de nome conforme o lugar em que ele vai ficando. E é uma narrativa circular porque tem o reencontro ao longo da história com personagens e o coelho vai amadurecendo emocionalmente. O personagem faz uma jornada de descobrir o que é esse encontro com o outro, abrir-se para o outro e entender que às vezes você vai se apegar muito a uma pessoa e depois você vai ter que deixá-la.

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As crianças nessa idade geralmente têm um brinquedo favorito e começam as perguntas, elas começam a querer saber sobre os nossos brinquedos favoritos, o que é que aconteceu com eles, por que alguns adultos guardam esses brinquedos e outros não guardam. Então elas vão começando a entender também essa jornada de separação que envolve qualquer relacionamento, querendo ou não elas vão sofrer essas separações - um amiguinho da escola que mudou, a tia que foi pra longe, um animal querido que morreu. Na jornada do Edward Tulane tem um amadurecimento emocional que é muito bonito de viver com as crianças. Eu já li com os meus filhos, já li com os meus alunos quando dava aula, e as crianças querem saber o que vai acontecer porque em cada capítulo há uma reviravolta, as crianças torcem pelo personagem. E é um livro gostoso pra ler nas férias porque você vai acompanhar a história dele aí por um período relativamente longo. A editora é a WMF Martins Fontes.

Blog: E qual a terceira dica, agora para as crianças um pouco maiorzinhas? 

Denise: A terceira dica é um livro chamado "Castelos de Areia", da Márcia Leite e do Odilon Moraes, um livro para crianças de 7, 8 anos. É um livro da editora ÔZé, um lançamento de 2022. É um livro incrível porque faz um resgate das férias na praia. Então vai também 'pegar' muitos adultos porque conta desde a jornada de todo mundo no carro, depois no apartamento, um monte de gente junta, dormindo em lugares diferentes. Também tem o brincar, o castelo de areia, o ter que desmontar e ir embora, o pôr-do-sol, as brincadeiras de encontrar as coisas na água. Então, ao contar de si, ao falar da sua experiência quando criança sobre as viagens para praia nas férias, a Márcia de certa maneira faz um resgate das memórias nossas de adultos que já foram para a praia.

Eu já li esse livro com várias pessoas que têm experiências diferentes de ir à praia, pessoas que iam para o litoral sul, litoral norte de São Paulo, outras que sempre iam para outros estados, mas têm elementos ali da memória desse encontro das crianças, de primos, e desse tempo que corre de uma maneira diferente quando você está de férias e de toda a dinâmica que muda quando você sai da sua casa e se encontra com outras pessoas. As ilustrações são do Odilon Moraes, que é premiadíssimo aqui no Brasil e que fez tudo com aquarela, que é uma técnica que usa muita água para falar de férias na água. Cada página daria um quadro de tão bonitos que são os desenhos. Os adultos vão resgatar essas memórias das suas férias e as crianças provavelmente vão estabelecer relações com aquilo que elas vivem também quando elas podem ir até o mar.

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Blog: Agora uma dica de um livro que é menos óbvio, de um gênero que nem sempre a gente acha que as crianças dão conta.

Denise: A quarta dica é um tipo de texto que  quando a gente se desafia a ler com as crianças é muito divertido, que é um livro de teatro. O livro chama-se "Vamos ao Teatro!" que é de um autor italiano, o Gianni Rodari, da editora FTD. Esse livro tem três peças de teatro e um deles é "A roupa nova do rei", que é um conto famoso, que muita gente conhece, a história do rei que veste uma roupa que é de mentira, na verdade ele está nu, todo mundo está vendo que ele está nu mas ninguém diz. Mas aí uma criança chega e fala, 'olha, espera aí, vocês estão achando que ele está vestido? A roupa nova do imperador na verdade não é uma roupa, ele está pelado!'

É uma história muito divertida, um conto de fadas, e aqui o Gianni Rodari vai fazer uma versão para um texto teatral. É divertido porque dá para a família decidir quem é quem dos personagens e cada um ler em voz alta. Dá para as crianças brincarem de encenar esse texto depois. A segunda peça do livro é "A Falsa Adormecida do Bosque" e a terceira é "A Sociedade da coruja", que é a história de um grupo de crianças que montam um clubinho. Então todos os textos são teatrais, dá para ler em voz alta, dá para brincar de dramatizar, o que é um mote excelente para brincadeira. Eu pensei nesse livro para as crianças de 9 anos, porque elas já são leitoras autônomas, então elas tanto vão poder desfrutar disso sozinhas ou em uma parceria com o adulto - quefaz alguns personagens, a criança faz outros, e, enfim, pode ser uma brincadeira interessante.

Blog: E qual é a quinta e última dica?

Denise: A quinta e última dica é o livro "Uma Boneca para Menitinha", que é da Penélope Martins, do Tiago de Melo Andrade e publicado pela Editora Caixote. Esse é um livro que vai contar a história sobre a relação de uma avó e uma neta em torno de uma boneca. A avó acha uma cabeça de uma boneca dessas de porcelana na beira de um rio e, como nunca teve uma boneca como aquela, sempre sonhou em ter um brinquedo como esse, reconstrói essa boneca para dar para a neta, que é Menitinha. Só que a menina não está conectada com a boneca de porcelana do passado, mas tem uma relação de muita afinidade com a avó. Ela sofre uma decepção com essa boneca, mas vai construir uma relação com essa personagem ao longo da história, porque a boneca também é uma personagem.

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Por que eu pensei nesse livro para as férias? Porque ele resgata uma série de tradições do interior: a capelinha de melão, a benzedeira, muitas pessoas vão para o interior nas férias e muitas crianças vão encontrar os avós nas férias. E tem sim esse choque de gerações, a avó que valoriza determinadas coisas que para criança do mundo de hoje já não é tão interessante, mas há essa relação de afeto, essa conexão em alguns casos que provoca uma relação de identidade muito forte entre as personagens. É um livro psra ler em capítulos e tem todo um resgate da cultura popular brasileira, especialmente das cidades do interior, e tem essa relação muito bonita entre a avó e a neta - e a gente vai percebendo o quanto elas se gostam, o quanto elas se querem, e como essa relação é intermediada por esse presente que a princípio a menina não gosta, não se empolga tanto, mas com quem depois ela vai desenvolver uma relação bem interessante.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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