O avanço das apostas online, popularmente conhecidas como bets, legalizadas em 2018 durante o governo de Michel Temer, tem gerado preocupações para o governo brasileiro, do ponto de vista social, mas também para o setor varejista. Um estudo recente aponta que o consumo de bens e serviços, incluindo calçados, tem sido diretamente afetado pela crescente popularidade das apostas, com uma significativa parcela da renda dos brasileiros sendo direcionada para esse tipo de entretenimento.
Em 2023, o mercado de apostas online movimentou entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões, representando quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo dados da Strategy& Brasil, uma consultoria estratégica da PwC. Esse volume de negócios supera o faturamento de gigantes como Santander (R$ 74 bilhões), Assaí (R$ 72,8 bilhões), Gerdau (R$ 68,9 bilhões) e Magazine Luiza (R$ 63,1 bilhões).
A Strategy& Brasil estima que, do total movimentado pelas apostas, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões deixaram de ser investidos em bens e serviços. Isso tem levado a uma preocupação crescente com o potencial aumento da inadimplência entre os consumidores brasileiros.
Outro levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revelou que o segmento mais impactado pela preferência pelas apostas online foi o de acessórios, incluindo calçados, com 24% dos entrevistados admitindo ter reduzido suas compras desses itens para destinar mais recursos às apostas. Na sequência, vem vestuário (23%), itens de supermercado (19%) e viagens (19%).
O estudo da SBVC também apontou que a maioria dos apostadores pertence à classe C (54%), sendo predominantemente homens (58%) com idades entre 25 e 44 anos, concentrados nas regiões Sudeste (50%) e Nordeste (20%).
É justamente este último dado que preocupa as marcas de calçados. Pelos números, a junção de 24% incluindo calçados e 23% de vestuário aponta o segmento streetwear em grande risco. Mas os produtos desta categoria para sneakerheads são caros, ou seja, não são para a classe C, a mais afetada. Esse é justamente o problema. Este tipo de produto, quando muito, representa 5% das vendas; é o varejão, das sapatarias de rua e das lojas de shopping e online, como Centauro e Netshoes, que sustentam toda a base dos produtores de tênis e que estão sentindo já o maior impacto. Sem este volume de negócio, quase toda a pirâmide de produção e importação de tênis desmorona.
A predominância de apostadores na classe C e a concentração demográfica e geográfica desses indivíduos apontam para uma tendência de comportamento que pode ter implicações sociais profundas. O risco de inadimplência e os problemas associados ao vício em jogos são preocupações crescentes, tanto para as autoridades quanto para a sociedade civil. A possibilidade de um aumento nos problemas de saúde pública relacionados ao vício em jogos online requer atenção e ações preventivas por parte do governo e de organizações não governamentais.
Estudo de impacto precisa continuar
Diante desse cenário, entidades do varejo, como o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) e a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), expressaram preocupação com os efeitos das apostas online. O IDV, por exemplo, planeja realizar um estudo aprofundado para avaliar o impacto real dos jogos online no faturamento do varejo, enquanto a Abras recomendou que os supermercados adotem políticas rigorosas na seleção de agências de marketing e influenciadores, evitando aqueles que promovem as apostas online.
Essa tendência das apostas online, que já posicionou o Brasil como o terceiro maior mercado do mundo no setor, levanta questões importantes sobre o futuro do consumo de bens e serviços no país. Enquanto oferece oportunidades de entretenimento para uma parcela da população, também acarreta consequências econômicas e sociais que necessitam de uma abordagem equilibrada e de políticas públicas eficazes para mitigar seus impactos negativos. A colaboração entre o governo, o setor privado e a sociedade civil será crucial para navegar neste cenário, buscando um equilíbrio que permita o desenvolvimento econômico sem comprometer o bem-estar social.
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