Em última temporada, 'The Good Place' reforça a aposta na comédia para falar de ética

Eleanor, Chidi e Michael se deparam com dilemas pessoais, mas narrativa sai da visão individualista da moral

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Por João Pedro Malar
Atualização:
Aulas de Eleanor são pano de fundo para abordar a ética e os pensadores do tema Foto: Ron Batzdorff / NBC

A série The Good Place, da NBC, parte de uma premissa simples. Após a morte, Eleanor (Kristen Bell) acaba no Lugar Bom, mas percebe que deveria estar, na verdade, no Lugar Ruim, devido ao seu mau comportamento em vida. A partir daí a personagem tenta se tornar uma pessoa melhor para justificar sua presença no Lugar Bom.

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Para isso, Eleanor passa a ter aulas de ética com o professor Chidi (William Jackson Harper), e é aproveitando esse contexto, com uma forte dose de comédia, que a série de Michael Schur aborda diversos filósofos que trabalham com a questão da ética, em meio a diversos problemas que Eleanor e seus amigos precisam resolver. 

No Brasil, a Netflix está disponibilizando semanalmente os episódios da quarta e última temporada da série. Mas afinal, analisando os episódios, quão bem ela conseguiu abordar a ética como campo de estudo e ensino?

Para a professora Silvana de Souza Ramos, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH - USP), a série consegue abordar bem as questões em torno da ética, sem cometer erros. Para ela, o contexto do pós-morte é interessante pois gera uma “situação experimental, permitindo simplificar as teorias”. “Não dá para dizer que tem um erro, tem uma simplificação”, destaca. 

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A produção apresenta pensadores como Thomas Hobbes, Nicolau Maquiavel, Platão e Aristóteles, e consegue inserir em seus episódios, com maior ou menor intensidade, correntes de pensamento como o utilitarismo, o contratualismo e o niilismo.

Além de Eleanor, o personagem de Ted Danson, Michael, também recebe aulas de ética, buscando melhorar seu compartamento Foto: Colleen Hayes / NBC

A professora também elogia o tom cômico: “no caso da série o humor é bem utilizado, pois às vezes pode ser muito complicado tratar de questões muito pesadas ligadas à ética”. Ramos dá como exemplo o episódio Crise Existencial, em que Michael (Ted Danson), arquiteto imortal responsável por um dos “bairros” do Lugar Bom, passa por um conflito ao refletir sobre a vida eterna e as consequências de suas ações.

“[A comédia] é um recurso interessante para falar de algo muito difícil - como morte, perda, luto - e a série aborda questões existenciais de uma forma divertida. Torna leve o que é muito complicado”, conclui. A professora observa que, no geral, o humor é às vezes utilizado de forma agressiva, tratando questões difíceis de forma violenta, mas que isso não ocorre na série. 

Sob o aspecto educativo, a professora comenta que geralmente é mais fácil estudar áreas que não possuem implicações existenciais, mas a ética e a política fogem disso. “Nós projetamos o que aprendemos, nos colocamos na situação, levamos os valores. Os episódios da série ajudam a dar exemplos, o que na ética é difícil, conseguem materializar as questões, ajudando no ensino ao mostrar os valores éticos”. 

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A docente da USP também enaltece a humanização de Chidi, professor de ética responsável por ensinar Eleanor a ter um bom comportamento. Se em teoria há a visão de que o professor, por ter todo o conhecimento, seria um líder nesse aspecto, na trama “vai se revelando que ele não conseguiu colocar nada do que aprendeu em prática. Tinha todos os critérios éticos e não tomou nenhuma decisão. Isso ridiculariza o detentor do saber, o que é interessante”.

A cada temporada os personagens vão ganhando camadas e mais se revela sobre suas vidas, seus problemas. As questões éticas vão sendo abordadas com mais naturalidade dentro da série, sem uma grande separação entre teorias e os dilemas de cada episódio, possibilitando que os conceitos fiquem mais simples para o espectador.

O desenvolvimento dos personagens ao longo das temporadas traz mais naturalidade para os momentos em que a ética é abordada Foto: Colleen Hayes / NBC

Uma observação da professora é que o programa consegue mostrar, de forma irônica, que os personagens já estavam no “Lugar Ruim” em vida, sentindo-se fracassados e infelizes. Com isso, “a morte faz com que aos poucos eles passem por um processo de descobrir o que é estar eticamente no mundo e como isso é complicado. Tem que pensar em si, em como se relacionar com os outros”, e esse processo os torna mais felizes e com comportamentos mais benéficos, tanto para eles quanto para os que estão no entorno.

Essa perspectiva supera uma visão mais individualista que se tem da ética, e mostra como ela consegue estar presente no dia a dia, sem estar presa a dilemas como “quem salvar de um barco afundando”. “A série vai mostrando o que está no coração da ética. A ética é uma construção de si, a medida em que a gente se torna capaz de tomar decisões e assumir práticas que levem em consideração o que acontece conosco e com os outros”.

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*Estagiário sob supervisão de Charlise Morais

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