No Limite estreou na Globo em 23 de julho de 2000, há 20 anos, sob o comando de Zeca Camargo. O programa, considerado pioneiro do gênero de reality shows no Brasil, foi baseado no Survivor, lançado pela rede norte-americana CBS meses antes.
Em sua primeira temporada, a atração foi bastante aproveitada pela Globo em diversos pontos de sua grade de programação, teve a regra de definição do campeão alterada no decorrer dos episódios e contou inclusive com um caso de racismo. Relembre abaixo.
Programas aproveitaram embalo do No Limite
O programa foi explorado à exaustão por outros da Globo. Um dos que mais aproveitou o momento foi o Domingão do Faustão.
A regra inicial do No Limite previa que o público escolheria, por telefone, o vencedor da 1ª edição do reality show, que teria o último bloco do episódio final ao vivo. Isso foi alterado: a prova final seria mais uma etapa de competição, e a interatividade se restringiria apenas à definição do participante "mais querido". A votação ocorreu apenas uma semana depois do fim do No Limite, justamente no Domingão do Faustão. Em três blocos do programa, entravam quatro participantes, e o público escolhia apenas um. Os três restantes voltaram em um bloco final, e Juliana foi escolhida a mais popular, recebendo um carro da emissora.Luciano Huck embarcou na audiência do reality show para tentar bater de frente com Raul Gil nas tardes de sábado. O quadro Caldeirão No Limite trazia três familiares de dois participantes do programa para uma gincana valendo um carro.
Após o fim do programa, as participantes Elaine, Andréa e Juliana ainda estiveram em outro quadro no Caldeirão do Huck contra o grupo de pagode Os Travessos. O humorístico Casseta e Planeta emplacou No Chilique, paródia que fazia piadas com o peso da vencedora, chamada de "Elefaine" pelo grupo.
Casos de racismo em No Limite
Logo em seus primeiros episódios, No Limite chamou atenção por conta de declarações consideradas racistas por parte do advogado Marcus Weiner Viana Ferreira, participante da equipe Sol. Durante uma discussão, ele xingou Paulo César Martins, mais conhecido como Amendoim, que era negro, de "crioulo burro". Marcus também 'batizou' duas galinhas pretas que ganhou durante o programa como Hilca e Amendoim, seus colegas negros. Antes, ele já havia chamado Hilca de "gorda" e insinuado que Pipa, que era casada, teria dado em cima dele durante as gravações. À época, a ONG Rocinha 21 anunciou que entraria com um processo contra Marcus. "A separação social e racial ficou clara no programa. Abominamos isso. [Crioulo] é uma palavra africana. O problema é que o rapaz associou 'crioulo' a 'burro'", explicava Carlos Costa, presidente da entidade.
No Portal dos Quatro Elementos, quando os participantes definiam a eliminação da semana, uma surpresa: Amendoim votou pela saída de Ilma, e não de Marcus. Ele, porém, acabou sendo o mais votado - inclusive por Marcus - e eliminado no 2º episódio, enquanto Marcus saiu no seguinte. O autor da ofensa foi alvo de fake news após deixar o No Limite, conforme consta no Jornal da Tarde de 4 de agosto de 2000: "Durante a semana, começou a circular pela internet a notícia (falsa, segundo a Globo), de que, após ser desclassificado do programa, ele teria se matado com um tiro na cabeça em um hotel em Fortaleza." Marcus desmentiu o boato dias depois, e participou do reencontro de todos os participantes da 1ª edição do reality show no Domingão do Faustão, onde 'fez as pazes' com Amendoim.
'Não gostaria que minha filha namorasse um negro'
No ano seguinte, durante a 3ª edição do No Limite, o racismo voltou à pauta. "Eu não gostaria que a minha filha namorasse um negro... Eu vou ser sincera: eu não gostaria que ela, com 20 anos, namorasse um negro", afirmou a participante Cláudia Lúcia. "O que muda é a cor. Se eu fico imaginando minha filha casando com um negro, fico imaginando meus netos, 'tudo' 'sararazinho', eu passando 'henê' neles... Eu não acho o cabelo do negro bonito e estou sendo sincera", continuou. O professor de direito Aderlan Crespo chegou a entrar com representação no Ministério Público do Rio de Janeiro pedindo instauração de inquérito para apurar o caso. Seis deputados federais do PT também divulgaram nota de repúdio às declarações, consideradas racistas. No dia da final do programa, que reuniu todos os 12 participantes em um estúdio, ela negou que tivesse sido racista e afirmou que a frase foi motivada por conta de estresse, fome, pressão e cansaço.
Como funcionava o No Limite
O No Limite funcionava da seguinte maneira: 12 participantes, divididos em duas equipes com seis em cada uma, ficavam 'isolados' e passavam por provas que envolvessem habilidades, muitas vezes físicas e de resistência, em busca de um prêmio de R$ 300 mil.
Cada um receberia também um carro novo - a não ser que desistisse da competição por vontade própria. Segundo a emissora, lhes era permitida uma dieta de cerca de 300 calorias por dia.
O programa foi exibido em oito episódios após o Fantástico, aos domingos. O episódio final contou com quatro participantes: Andréa, Juliana (eliminadas na primeira parte), Pipa (vice-campeã, que recebeu R$ 50 mil) e Elaine.Campeã da 1ª edição do No Limite, Elaine enfrentou desconfiança de parte do público e de seus colegas por estar acima do peso - apesar de ter perdido cerca de 12 kg durante as gravações.
No episódio de 31 de julho de 2000, Andréa afirmou: "Não é porque ela é gorda e mole que ela me irrita. É que ela ri de tudo. Parece uma hiena, que come merda e dá risada".
Escolha dos Participantes de No Limite
Sobre o processo de escolha dos candidatos, a emissora explicava que produtores em quatro cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador) abordavam "pessoas interessantes" na rua com a pergunta: "Passaria uma semana numa ilha deserta?" As estimativas eram de que, entre mil pessoas abordadas, cem se interessaram pela ideia. Ao fim, "os 12 classificados passaram por exames físicos e psicológicos."
A Globo permitia a cada um levar algumas roupas e um "objeto de estimação", e também fornecia um kit com repelente, protetor solar, capa de chuva, lenço e, para as mulheres, absorvente. A estimativa era que as gravações durassem entre 22 e 25 dias (ao fim das contas, foram 21 dias de gravações de provas no total), contando com uma equipe de 150 profissionais e 10 câmeras que ficavam em um acampamento a 40 km do cenário. "Nem os participantes sabem ao certo o que a atração lhes reserva. É por isso que não podemos revelar muitos detalhes, o segredo faz parte da brincadeira", contava o diretor Boninho antes da estreia do No Limite. "Como se trata de um produto de voyeurismo, todos teriam de ter histórias maravilhosas para contar", prosseguia.
Estreia do No Limite
A estreia do reality show foi um sucesso em audiência: conquistou 47 pontos de média, enquanto o SBT, na vice-liderança, teve apenas cinco ao exibir um show com Os Três Tenores (Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras). O programa entrou no ar logo após o Fantástico e antes do Sai de Baixo. Na ocasião, a emissora afirmou que recebeu cerca de 4,5 mil e-mails apenas nas duas horas seguintes à exibição do 1º episódio - 90% deles pedindo inscrição em uma possível 2ª temporada.
Críticas ao No Limite
Com o conceito de um reality show de "sobrevivência" e isolamento ainda novo no Brasil, No Limite recebeu diversas críticas. Em entrevista ao Estadão em 29 de julho de 2000, por exemplo, a psicanalista Miriam Chnaiderman considerou a atração "um espelho radicalizado do mundo competitivo, em que aqueles que não cumprem os pré-requisitos são eliminados".
"O programa impressiona, mas o que mais impressiona é o fato de as pessoas aceitarem participar dele", continuava. O professor de filosofia política da USP, Renato Janine Ribeiro (que anos depois se tornaria ministro da educação no governo Dilma Rousseff, em 2015), também era crítico do formato. "É espantoso como pode ser assustadora a democracia quando dela só temos a forma, isto é, a decisão pelo voto, sem o conteúdo, sem o que lhe dá vida, isto é, o respeito intenso ao outro", opinava. Já Eunice Prudente, conselheira da OAB, considerava o reality show como um "atentado contra a dignidade": "Em vez de discutir soluções para os problemas que temos e exercer a função de concessão pública, a TV fabrica ilusões distribuindo prêmios". Em resposta às críticas, a Globo argumentava que "as regras de No Limite são baseadas nos critérios de uma gincana e não nos conceitos de ciências políticas" e que "No Limite é um jogo lúdico".
Cuidados para evitar 'spoilers'
Após o fim das gravações, por volta do dia 5 de agosto, quando apenas os primeiros episódios tinham ido ao ar, a Globo colocou todos os participantes em hóteis de alto padrão. A ideia era evitar o vazamento de informações e "spoilers" pela imprensa.
Desta forma, como todos os participantes estavam 'confinados', não era possível saber a ordem em que eles tinham saído. Segundo a emissora, eles próprios puderam escolher o hotel em que ficariam, e tinham o direito de levar alguns familiares para lhes fazer companhia. Em comunicado divulgado em 8 de agosto, a emissora informou que os participantes estavam, "no momento, em hotéis fora da área de gravação", e que "isso não significa necessariamente que as pessoas que estão sendo vistas já estejam eliminadas do programa".
No Limite vai voltar?
Após a edição de estreia, o No Limite ganhou duas outras em sequência, ambas em 2001. A 4ª edição do programa retornou apenas em 2009.
Após o diretor Boninho fazer algumas postagens insinuando um retorno de No Limite, como uma em que diz que o programa "tá na nossa agenda", em abril de 2020, alguns fãs do reality ficaram animados com uma nova edição. A Globo, porém, negou a possibilidade: "Não há qualquer previsão de produção nem encomenda de um novo No Limite".
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.