Alison Cerutti está com o coração tranquilo. A ansiedade por desistir da corrida olímpica faltando menos de um ano para os Jogos de Paris deu lugar à felicidade de desfrutar novos desafios, mais precisamente nos Estados Unidos. Depois de conquistar a prata em Londres-2012 e ouro na Rio-2016 — entre outras dezenas de títulos —, a lenda do vôlei de praia se mudou para a Califórnia para disputar a liga americana (AVP, sigla em inglês). Ao Estadão, “Mamute”, como também é conhecido, conta que a oportunidade de passar mais tempo com a família também pesou na decisão de viver o sonho americano ao lado da mulher Tatiana Tristão, e os filhos Catarina, de dois anos, e Miguel, de apenas duas semanas.
“Vai ser a primeira Olimpíada que vou poder assistir outros esportes. Durante 2012, 2016 e 2021 (a de 2020 adiada por causa da pandemia), eu só estudava meus adversários, ficava totalmente focado no meu mundo para manter a concentração”, disse o capixaba. “Sempre fiz as contas na minha carreira de quatro em quatro anos. Próximo à Olimpíada de Tóquio, já estava imaginando o que eu ia precisar abrir mão para estar no próximo ciclo olímpico. Muitas viagens, muito trabalho. Jogava em média 22, 20 torneios por ano... Então pensei: ‘por que não um novo desafio?’”
Aos 38 anos, Alison pensava em disputar os Jogos de Paris e chegou a formar a dupla com o carioca Oscar, mas desistiu para se preparar para o AVP e disputar a competição nos EUA, mais vantajosa financeiramente e em alto nível. Seguindo os passos de Ricardo, outro atleta brasileiro do vôlei de praia que foi jogar nos EUA na reta final de carreira, o capixaba terminou a temporada em sétimo no ranking após firmar boa parceria com o americano Billy Allen, antigo adversário no circuito mundial. Segundo Mamute, o companheiro ficou surpreso com a sua presença nos EUA e o convidou para formar equipe. Billy chegou a aprender algumas palavras em português para se comunicar com o brasileiro e confundir os rivais.
Diferentemente da NBA e NFL, a AVP ainda não é familiar para a maioria dos torcedores brasileiros. Alison conta que a liga americana de vôlei de praia é marcada pela força física e possui muitos jogadores habilidosos, recém-saídos de universidades, mas que não participam do circuito mundial. A competição também recebe atletas que estão de férias do vôlei de quadra e vão jogar na areia. Todos esses componentes exigiu um estudo maior da parte do brasileiro, que atuou diante de arenas lotadas nas areias dos EUA. “Eles realmente sabem como fazer um evento e é gratificante fazer parte disso.”
Atualmente, Mamute e a família se dividem entre Vitória, no Espírito Santo, e a Califórnia. “Eu estou morando sempre bem. Passo seis meses no verão dos Estados Unidos e seis meses no verão do Brasil”, brinca.
Tatiana, que possui uma empresa no País, trabalha à distância e viajou com os filhos para viver junto com o marido no sonho de jogar na AVP. Assim como Alison se adaptou ao estilo mais clássico de voleibol praticado nas praias americanas, a família do campeão olímpico não teve problemas para se sentir em casa.
“A minha filha entrou na escola e em apenas um mês já estava falando algumas palavras em inglês. Isso me deu um conforto para poder jogar”, diz Alison, sem garantir que a família irá se mudar de vez para os EUA. “Eles estão vivendo esse sonho e está sendo muito legal. É uma decisão a ser tomada devagar, com calma. Mas está sendo bacana esse intercâmbio”, completa.
DE CACHOEIRO AO TOPO DO MUNDO
Natural de Cachoeiro do Itapemirim, município ao sul do Espírito Santo, Alison se mudou para a capital Vitória após o pai ser transferido no trabalho. Acostumado a jogar bola na rua com os amigos, o novo apartamento limitava as brincadeiras do menino de 11 anos, apaixonado por futebol e pelo Flamengo. Foi quando sua mãe o decidiu matricular em aulas de vôlei para o filho descarregar a energia — e conseguir manter os móveis da casa intactos. Apesar de torcer o nariz no início, Alison aprendeu a gostar da modalidade e contou com o apoio dos pais quando decidiu seguir a carreira de atleta.
Após trocar a quadra pela praia, ele ganhou o apelido de “Mamute” por causa do peso e altura avantajados na areia: cerca de 105 quilos distribuídos em 2,03 metros de altura.
A vida de Alison mudou em 2008, quando recebeu um e-mail do ídolo Emanuel Rêgo, campeão olímpico em Atenas-2004, em um torneio na Suíça, convidando-o para formar dupla para um torneio na Suíça, visando a preparação para Pequim-2008, onde conquistou o bronze ao lado de Ricardo Santos. Mamute conta que estava disputando um campeonato na Estônia quando surgiu a oportunidade e não pensou duas vezes em fazer as malas para encontrar o atleta que acordava cedo para ver jogar na televisão.
Dois anos depois, a dupla passou a atuar regularmente e criou uma hegemonia no vôlei de praia, vencendo o Circuito Mundial, Campeonato Mundial e os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara.
Favoritos ao ouro na Olimpíada de Londres, Alison e Emanuel acabaram ficando com a prata. Apesar da frustração, Mamute afirma que o segundo lugar do pódio serviu de aprendizado. “Se eu tivesse ganhado uma medalha de ouro com 26 anos, não sei se aguentaria passar por tudo de novo, e mais um pouco, para a Olimpíada de 2016″, afirma. “(A prata) me ensinou a ter de refazer o caminho, que tem de ter mais humildade para reconstruir e começar um projeto novo. Foi isso tudo que eu fiz para 2016.”
Alison desfez a dupla com Emanuel, com quem mantém contato até os dias atuais e o chama de “irmão mais velho”, em 2013. Visando a Olimpíada do Rio, firmou parceria de sucesso com Bruno Schimidt, faturando Jogos Sul-Americanos, Campeonato Mundial e Circuito Brasileiro. O ciclo olímpico foi complicado para Mamute, com uma operação no joelho e outra de apêndice. Durante os Jogos na capital carioca, machucou o tornozelo antes das oitavas de final e teve medo de não conseguir jogar. Apesar da dor, usou uma espécie de bota ortopédica e a testou em uma escapada à praia de Copacabana às 3h da madrugada.
Alison e Bruno chegaram à final e o ouro veio diante da Itália, em um ponto confuso no qual o juiz marcou dois toques do adversário. A consagração aconteceu debaixo de chuva, à meia-noite, com 14 mil pessoas torcendo para os brasileiros. “Eu não pensava nem se daria errado. Eu só pensava na vitória. Estava muito focado.”
MISSÃO TÓQUIO, RENOVAÇÃO E PÓS-CARREIRA
A última Olimpíada de Alison teve sabor agridoce. Em Tóquio, ele e Álvaro terminaram em quinto lugar, mas somente o fato de marcar presença na competição é motivo de orgulho para o capixaba. Em parceria vibrante, a dupla ganhou todas as competições necessárias e pulou de 47º para terceiro lugar no ranking mundial.
“Joguei meu sarrafo muito alto quando ganhei a prata e depois o ouro. Liguei para o Álvaro e ele disse que topava o desafio. Ele vinha jogando com o Ricardo, sabia o que era jogar com um campeão olímpico. Começamos a preparação bem, mas aí veio a pandemia. O Álvaro pegou covid-19, e eu volto com 35... A gente era favorito, mas foi um grande resultado. Virar terceiro do mundo em seis meses é uma força mental e física muito grande”, diz.
Alison e Álvaro foram a última dupla brasileira a dar adeus a Tóquio. Foi a primeira vez na história que o Brasil terminou uma Olimpíada sem medalha no vôlei de praia.
Para Mamute, o País não domina mais a modalidade como antigamente, não pela qualidade dos atletas, mas pelo fato de o esporte ter se popularizado e existir outras equipes de alto nível técnico. “Não existe mais só Brasil e Estados Unidos. Hoje o mundo joga vôlei de praia, como Noruega e Suécia. O momento é diferente”, diz. Alison também acredita que o Brasil tem boas chances de voltar para casa nos Jogos de Paris com conquistas e elogia as duplas brasileiras em atividade, especialmente na categoria feminina, com Ana Patrícia/Duda e Bárbara/Carol.
Mamute acredita que ainda tem mais dois anos pela frente jogando em alto nível. Apesar de ainda não saber ao certo o que vai fazer quando se aposentar, lá pelos 40, ele revela que está estudando e acredita que pode trabalhar na preparação de novos atletas. “Acredito muito no backstage. Gosto de ajudar os times na parte psicológica porque isso foi importante para mim”, diz.
Enquanto ainda não começa a preparação para a temporada 2024 da AVP, que começa em maio, Alison tem dedicado o tempo a cuidar do filho recém-nascido e a brincar com a pequena Catarina, que já gosta de jogar bola dentro de casa, assim como o capixaba fazia na infância, e gosta de reproduzir os movimentos do pai que aprendeu a imitar o vendo competir na areia.
Mamute conta que fica com “o coração na mão” ao imaginar Catarina seguido a carreira no esporte, mas também diz que não vai faltar incentivo. “Sempre converso com a minha mulher e digo que no dia que ela resolver tocar numa bola de vôlei, a pressão vai ser grande, porque ela é filha de um campeão olímpico”, comenta Alison.
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