Ana Marcela Cunha é adepta dos cabelos curtos, mas o último corte não foi só uma questão de estilo e sim de recomeço. A atleta da maratona aquática prometeu que, se a cirurgia de retirada do baço fosse bem-sucedida, rasparia as madeixas. E cumpriu a palavra. "Tudo começa agora, é uma nova vida. Vamos de novo à luta", conta. A baiana iniciou 2017 correndo atrás do tempo depois de pausa forçada na carreira. No ano passado, na reta final da preparação para a Olimpíada do Rio, Ana Marcela vinha tomando uma medicação à base de corticoide - ao custo semanal de R$ 2 mil - desde que, em um exame de rotina, descobriu ter PTI, doença autoimune que causa destruição das plaquetas.
O tratamento a longo prazo seria prejudicial para sua saúde. Diante disso, a hematologista Audrey Zeinad aconselhou a paciente a passar pelo procedimento chamado esplenectomia. Assim, ela teve o órgão retirado em outubro. Foram 45 dias de recuperação e de muito mimo da família. Repouso, alimentação balanceada e muita televisão ao lado da mascote Sophie viraram rotina. A volta foi gradual e as dores deixaram de existir. Sobraram somente quatro pequenas cicatrizes.
"Estou 100%. Já fiz de novo vários exames de rotina, todos os outros órgãos estão funcionando normalmente e isso é mais importante, mas a gente sabe que o cuidado tem de ser redobrado", afirma. A ausência do baço exige atenção quanto à imunidade do corpo, e Ana Marcela está ciente da necessidade de prevenção para evitar até gripe. Festeja também o fato de não precisar tomar medicamentos que prejudicariam a performance na água.
Apesar do momento turbulento que enfrentou na véspera dos Jogos do Rio, a atleta da Unisanta descarta que isso tenha interferido em seu desempenho. Apontada como favorita à medalha de ouro, a maratonista terminou na 10.ª posição e com lágrimas no rosto. Para ela, o resultado não foi condizente com sua dedicação. Por outro lado, acredita que, pela falta de hidratação, não teria concluído a prova de 10 km se não tivesse treinado tanto e garante que saiu da disputa de cabeça erguida.
As dificuldades vieram para lhe mostrar que ela pode ir além, e a motivação hoje é ainda maior. Planeja até novidades para os Jogos de Tóquio, em 2020. "Já estou falando com meu técnico que a gente pode pensar em algo diferente na estratégia de prova", explica. Além disso, quer intensificar a preparação física.
A concorrência interna é um estímulo para a competitiva Ana Marcela, que valoriza a presença da jovem Carol Bilich e da experiente nadadora Joanna Maranhão na equipe da Unisanta. Mas ela deixa a rivalidade de lado ao reconhecer a importância do bronze olímpico de Poliana Okimoto para a modalidade. "Graças a Deus, a gente conseguiu a medalha. Eu falo a gente pela maratona. Porque a gente sabe o quanto é difícil. Fiquei muito feliz, é uma coisa inédita e a gente tem de valorizar muito isso", exalta.
Sua retomada tem data marcada. No próximo sábado, dia 4 de fevereiro, Ana Marcela encara a etapa inicial da Copa do Mundo, na Patagônia Argentina. Esse é apenas o primeiro objetivo de sua nova vida.
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