Após a partida disputada no interior, como punição por brigas das organizadas, mas com a presença em peso das mesmas, descobriu-se o segredo do bom resultado: os jogadores se esforçaram por Tite. O grupo estava preocupado com a situação do professor, ameaçado de dispensa ou com vontade de jogar a toalha por causa das críticas, e por isso decidiu se fechar em favor dele. O primeiro passo nesse sentido ocorreu no domingo, ao impedirem que desse entrevista ao término da surra levada da Portuguesa em Campo Grande. Tocante.
Solidariedade é sentimento nobre e merece elogio. Indigno é largar homens à própria sorte, como fizeram ontem pesqueiros que ignoraram o fogo num barco apinhado de imigrantes africanos, nas costas da Sicília, e seguiram caminho, indiferentes. Com a omissão contribuíram para que a tragédia provocasse centenas de mortes e desaparecidos. O mar um dia cobrará deles.
Tem minha compreensão, portanto, o gesto dos rapazes alvinegros. Mas é pouco alegar que o empenho redobrado - também nem tanto assim - se tenha baseado em amizade ou respeito ao chefe. Um gestor deve julgar-se vitorioso só se sentir que exerce liderança pura sobre os comandados e incute neles atitudes positivas e não o medo. Tite tem esse perfil agregador.
Os atletas têm de suar a camisa por amor à profissão, em primeiro lugar. Por extensão, ao clube. Papo legal esse de dar nó em pingo d'água pelo treinador ou por um companheiro lesionado, dispensado, machucado. Mas, e quando não houver motivações do gênero, o que fazer? Relaxar? E, numa inversão de leitura, com dose de maldade, se a moçada não vai com a cara do técnico, encolhe a perna? Sei não...
A melhor maneira de cada um mostrar consideração por colegas, patrões e empresas é trabalhar pela dignidade própria, sem levar em conta se a chefia é camarada ou não. O popular "fazer o seu", que o resto vem como consequência. Sem que pareça média. Se Emerson, Paulo André, Alessandro, Danilo & Cia. jogarem como tempos atrás, o Corinthians sai do sufoco, termina o Brasileiro de forma decente e toma fôlego para 2014. Um porém: dócil ou não, o elenco precisa de arejada daquelas.
Conversa vem, conversa vai. A argumentação da primeira parte da crônica se aplica ao São Paulo. Desde que Muricy Ramalho voltou, foram três vitórias enfileiradas e três derrotas idem. A oscilação fez crescer de novo o medo de rebaixamento e apavora o torcedor. Já ouvi, aqui e ali, declarações de jogadores com conteúdo semelhante ao dos corintianos. "Precisamos fazer algo pelo Muricy, para não repetir o que houve com Ney e Autuori..."
Não é por aí, não. Muricy tem cara de tricolor, estilo despojado e fala a linguagem boleira. Não se trata de um gênio, mas trabalha, é eficiente e não enrola. Mas não é por ele que se deve jogar, e sim para evitar descenso inédito no Brasileiro. Nas 13 rodadas que restam para o fim do tormento entram na ciranda tradição, conquistas, nome do clube.
Nem adianta vir com lero-lero de que se precisa evitar o pior para que os componentes do elenco não entrem para a história como responsáveis por vexame único. Se isso acontecer, a maioria cai fora, toca a vida em outro lugar, tchau e bênção para o São Paulo. O que mais tem por aí é jogador de time rebaixado no ano anterior que toca a bolinha dele na Série A. Raros os que de fato sentem dor sincera pela queda da ex-equipe.
Os são-paulinos lutam contra o tempo. Muricy já deu a entender que analisará a reação dos discípulos. Quem não estiver com cabeça e pernas boas, ficará de molho. Melhor assim, antes de ir pro brejo de vez.
*(Minha crônica, com título ligeiramente modificado, publicada no Estado de hoje, sexta-feira, 4/10/2013.)
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