Nos anos 70, o rádio não desfrutava da tecnologia atual. Mas a narração de Osmar Santos era uma cópia fiel do que acontecia nos gramados. Carismático, inteligente, popular, com dicção perfeita e uma velocidade de raciocínio impressionante, o 'Pai da Matéria', foi uma das vozes marcantes da história do jornalismo esportivo. Ele completa 70 anos neste domingo, logo no dia da semana visto como nobre para o esporte no radiojornalismo. Infelizmente, um acidente de carro, em dezembro de 1994, interrompeu sua carreira. Sequelas atingiram a fala, sua maior aliada.
Apesar das limitações físicas, Osmar recebeu a reportagem do Estado, na última sexta-feira, no escritório da família em São Paulo. Em 45 minutos, o “Garotinho” não economizou seu sorriso fácil, suas gargalhadas e a alegria que o tornaram uma das principais figuras da comunicação.
Com a companhia do irmão Oscar Ulisses, um dos grandes narradores da atualidade, Osmar reviveu momentos da carreira iniciada aos 14 anos em Osvaldo Cruz (SP) e com passagens marcantes pelas rádios Jovem Pan e Globo, e TVs Manchete, Record e Globo. “A Invasão Corintiana”, em 1976; o título paulista do Corinthians em 1977, o Palmeiras de Edmundo (O ‘Animal’, apelido dado por ele) e vários momentos da seleção, como as Copas de 1970 e 1982 foram lembrados, assim como a admiração por Neymar, com início de carreira no Santos, seu time de coração, os elogios a Tite e a tristeza pelo 7 a 1 na Copa de 2014, no Brasil.
“Osmar é craque da comunicação. Voz, ritmo, velocidade, dicção, criatividade. A união do grande narrador e o grande artista. Mandava para o ar frases do dia a dia. Encaixava letras de músicas em um jogo de futebol. Criava expressões consagradas. E relatava o jogo arrepiando o ouvinte”, disse Cleber Machado, narrador da Rede Globo, que trabalhou com Osmar na Rádio Globo.
Milton Neves, apresentador da Rádio Bandeirantes, credita a Osmar a oportunidade de começar a trabalhar no esporte da Jovem Pan, em 1973. “Brinco com muita gente ao dizer que eu os tirei da sarjeta, mas quem me tirou da sarjeta foi Osmar Santos. Eu trabalhava no Detran e o Osmar foi lacrar um Corcel vinho. Ele queria a placa OS 1974. No período em que a documentação era acertada, falei umas duas horas com ele sobre futebol antigo. Naquele mesmo dia, deixei de fazer o trânsito na rádio e passei a plantão esportivo por indicação do Osmar a Fernando Vieira de Mello (chefe da Pan na época).”
Foi, ainda, na Jovem Pan onde dois ícones da locução esportiva se encontraram: Osmar e José Silvério, que aponta um traço marcante até hoje na personalidade do colega e, depois, concorrente. “Ele tinha uma aura muito simpática”, diz. “Tenho um respeito enorme por ele. Aprendi muita coisa, mesmo sendo mais velho.”
Narração de Osmar Santos na final da Copa Intercontinental de 1992 entre o São Paulo e o Barcelona
Casagrande, jogador do Corinthians nos anos 80 e comentarista da Rede Globo, também relembrou momentos marcantes com o “ídolo”. “Quando comecei a jogar no Corinthians, o Osmar estava no auge. A gente se encontrava em shows da Maria Bethânia, Djavan, Alceu Valença... Até hoje me emociono com a narração dele no meu gol contra o São Paulo na final do Paulista de 1982.”
A mais marcante presença de Osmar fora dos gramados se deu na participação nas Diretas Já, quando utilizou o seu carisma e talento com as palavras para conduzir comícios. “Ele tinha ascensão sobre a reação da massa e de conduzir as suas emoções. Os políticos adoravam”, relembra Oscar Ulisses.
Em uma de suas últimas narrações antes do acidente, Osmar Santos cobriu a final da Copa do Mundo de 1994.
Além de Oscar, outro irmão, Odinei Edson, e o primo Ulisses Costa também se tornaram narradores, seguindo os passos de Osmar. “Sou narrador esportivo por causa do Osmar. É emocionante ouvi-lo narrando”, diz seu primo.
Hoje distante do mundo esportivo, mas sem deixar de acompanhá-lo, Osmar passa até 5h por dia se dedicando à pintura, inclusive com aulas semanais. Ao mesmo tempo que lhe deu novo jeito de viver, o destino quis que Osmar perdesse a voz, seu maior tesouro. Talvez para manter intactos seus feitos, como uma obra de arte.
Bordões inesquecíveis
“Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha” “Um pra lá, dois pra cá, é fogo no boné do guarda” “Parou por quê, por que parou, garotinho?” “Ele estava curtindo amor em terra estranha” “Sai daí que o Jacaré te abraça” “No carocinho do abacate” “Tiro-lirolá Tiro-lirolí” “Eee queeee Goooooooolll”
O meu início no Corinthians coincidiu com o auge do Osmar no rádio. Até hoje me emociono quando escuto a narração dele do meu gol na final do Campeonato Paulista de 1982. Era incrível! Emocionante! Eu encontrava o Osmar em shows aqui em São Paulo. Show da Maria Betânia, Alceu Valença, Djavan. Ele ia em todos. Eu era jovem e eles me convidavam para ir direto no Balancê (programa de grande audiência na Rádio Globo), que tinha a participação também do Fausto Silva. Foi uma época muito legal
Walter Casagrande Jr., Comentarista e ex-jogador do Corinthians
Fui trabalhar na Rádio Globo em 1980. O Osmar já era o Osmar Santos, estrela brilhante do Rádio. Cruzar com ele no corredor, entrar na sala do Esporte e vê-lo era um evento. Trabalhava na programação, não no esporte. Em 82, rolou a oportunidade. Boletins no Globo Esportivo, eu falando no programa que o Osmar apresentava. Durante a Copa da Espanha, chance de ser repórter em transmissões. E foi uma depois da outra, por um ano, pelo menos. Só uma, como repórter, fazendo meta, com o Osmar narrando: Sensacional! Mas, sempre participando das jornadas comandadas por ele. Chamava meu nome, brincadeira?! Admiração pessoal à parte, o Osmar é craque da comunicação. Voz, ritmo, velocidade, dicção, criatividade. A união do grande narrador, o grande artista. Mandar para o ar frases do dia a dia. Encaixar letras de músicas em um jogo de futebol. Criar expressões consagradas. E relatar o jogo, arrepiar o ouvinte. Olhar para o Osmar, ouvir o Osmar é ver e escutar um cara que todo candidato a profissional de comunicação - e mesmo quem virou profissional - gostaria de ser mais ou menos igual. Sonho! Uma vez ele me disse: 'você tem um jeito diferente de perguntar'. nunca esqueci do pequeno elogio, gigantesco pra mim. Parabéns, Osmar! Quando falo dele repito: eternamente, o Pai da Matéria. Eeee queeee gooool....
Cleber Machado, Narrador da Rede Globo
Era um grande locutor, muito criativo, fez muitas coisas diferentes. Ele tinha uma aura muito simpática, participava de várias coisas fora da locução. Tenho um respeito enorme por ele. Aprendi muita coisa, mesmo sendo mais velho do que ele. Foi um companheiro muito legal
José Silvério, Narrador da Rádio Bandeirantes
Eu brinco com muitas pessoas e digo que as tirei da sarjeta, mas quem realmente me tirou da sarjeta foi o Osmar Santos. Em 1973, eu trabalhava como despachante no Detran e o Osmar, que já trabalhava na Jovem Pan, foi lá para lacrar um Corcel vinho que ele tinha comprado. Ele queria colocar a placa OS 1974, pois ele iria cobrir a Copa da Alemanha. Enquanto a documentação era feita, eu fiquei umas duas horas conversando com o Osmar sobre futebol antigo. Terminou o papo, ele foi embora. Eu tinha de esperar até as 17 horas para ir para a´radio, onde eu era plantonista de trânsito. Mas eu recebi um telefonema do Fernando Vieira de Melo (chefe da Jovem Pan), dizendo para eu ir para a rádio para ser o plantão de esportes e o Faustão iria ser repórter. O Fernando me disse: 'Quero saber quem é o mentiroso. Você que disse que sabe tudo de futebol ou o Osmar que disse que você sabe tudo de futebol.' E aí eu comecei minha carreira. Osmar, obrigado por tudo quer fez por mim. Que Deus te ajude
Milton Neves, Apresentador da Band
Ele tinha um linguajar ousado para a época e era muito criativo. Era um locutor que passava emoção, mas que tinha muita preocupação com o conteúdo. Pela inovação que preocupava colocar no ar, levava citações de poetas para as transmissões, com um embasamento que enriquecia a transmissão. O Osmar gostava muito de criar. O seu linguajar virou um marco. O jeito que ele falava o bordão, pegava. Nos comícios das Diretas, ele tinha ascensão sobre a reação da massa e de conduzir as suas emoções. Os políticos adoravam
Oscar Ulisses, Irmão e narrador da Rádio Globo
Ele entrou com um estilo de transmissão completamente ao que existia, com tiradas, levou alegria ao jornalismo esportivo, que é muito sério, não tinha brincadeiras. Tinha uma dicção perfeita, você não ouvia a respiração dele. É o maior locutor da história do rádio brasileiro. Era muito culto e levava poema para as narrações, como Carlos Drummond de Andrade, passando cultura ao povo. A sua maneira de comunicar foi marcante.' 'Sou narrador esportivo por causa do Osmar. Eu tinha vergonha, narrava futebol sem ele saber, não deixava minha mãe contar, até ele me encontrar na final do Brasileiro de 1990, Corinthians x São Paulo. A influência dele sobre mim é inegável
Ulisses Costa, Primo e narrador da Rádio Bandeirantes
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.