Um dos poucos palácios que sobreviveram às Guerras Napoleônicas na França, o Château de Saint-Ouen ganhou decoração verde e amarela e passou a ser muito mais frequentado a poucos dias das Olimpíadas. Construído em 1823, o antigo castelo situado na pequena Saint-Ouen, cidade de pouco mais de 40 mil habitantes, virou a casa do Time Brasil nos Jogos Olímpicos.
O Estadão visitou e conheceu cada canto do Château Saint-Ouen. Trata-se de um monumento histórico e símbolo da cidade que virou o espaço onde os atletas tratam suas lesões, cuidam da saúde mental e física, se alimentam e se reúnem com seus familiares e amigos. Mais de 500 familiares e amigos estão cadastrados, o que lhes permite visitar os atletas. Eles têm uma sala própria para confraternizar. Logo no térreo, há uma sala com jogos de tabuleiro, peças de xadrez, lápis de cor e fotos e desenhos feitos por familiares pregadas em um mural.
A construção foi escolhida pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) especialmente por sua localização, a 500 metros de uma das entradas da Vila Olímpica, o que permite que os esportistas não percam muito tempo em seus deslocamentos.
O espaço abriga normalmente um conservatório de música, teatro e dança, mas se transformou em uma instalação brasileira e assim será até o fim dos Jogos de Paris, decorado com pianos em diversos ambientes. Em vez das exposições e dos quadros que relatam a ascensão e a queda de Napoleão Bonaparte, estão referências ao Time Brasil e ao protagonismo das atletas brasileiras. Figuras como Marta, a judoca Mayra Aguiar e as ex-jogadoras de vôlei Fabi Alvim e Fofão aparecem nas paredes do castelo para enaltecer que as mulheres são maioria na delegação brasileira pela primeira vez na história.
No porão do castelo fica o refeitório. Onde antes agentes de segurança da cidade fazem suas refeições diárias, agora quem come são os atletas e funcionários do COB. A um dia da abertura das Olimpíada, mais de 200 pessoas, considerando estafe e esportistas, passaram pelo local, que servirá também para celebrar as medalhas a serem conquistadas.
O cardápio tem algumas variações. Apresenta os tradicionais feijão e arroz citados pela dirigente do COB, além de saladas, legumes e carnes. No dia em que o Estadão visitou o refeitório, a opção proteica era bife a rolê. Havia também feijoada, estrogonofe, macarrão, espigas de milho cozidas e couve flor, além de frutas, oleaginiosas e sobremesas.
Serão 3,5 mil refeições aqui até o fim da Olimpíada, calcula Joyce Ardies, subchefe de missão do COB em Paris. “Os atletas preferiram a comida do castelo à da Vila”, afirma ela. “A ideia é que eles tenham lembrança de casa comendo arroz e feijão e se sintam à vontade”.
“A comida da Vila não está tão boa igual ao do nosso refeitório”, endossa a boxeadora Beatriz Ferreira, prata nos Jogos de Tóquio. “A gente pode comer de tudo, com moderação, como diz nossa nutricionista”.
Em Saint-Ouen, o COB dispõe de outras duas instalações à disposição além do Château: o Ginásio das Docas e Serra Wangari. O primeiro é mais frequentado pelas seleções masculina e feminina de vôlei, além dos atletas de vôlei de praia, já que eles usam treinam na quadra - antes de handebol - preparada para eles, e também pelos representantes do taekwondo e esgrima. Também foi instalada uma pequena academia de musculação ao redor do ginásio.
Eles podem usar as instalações da Vila Olímpica, mas os atletas, especialmente os das seleções de vôlei, enfrentam restrições de horários. Por isso, preferem fazer seus dois treinamentos diários numa quadra reservada apenas a eles e dispor de privacidade. “Algumas confederações e chefes de equipe pedem estruturas adicionais. Vai da necessidade de cada confederação”, explica o ex-judoca Sebastian Pereira, hoje gerente executivo de alto rendimento do COB.
Controvérsia com uniformes
No Serra Wangari, antes um local utilizado como depósito de materiais utilizados nas hortas, é feita a operação de uniformes. A vestimenta ganhou importância maior com a controvérsia envolvendo as roupas que os atletas vestirão na cerimônia de abertura. Há quem ache as peças conservadoras demais e esteriotipadas, caso da cantora Anitta, que detonou o uniforme produzido pela Riachuelo. “Acho que o look representa exatamente como o atleta é tratado no país. Sem estrutura, sem oportunidades, desvalorizado”, detonou a artista.
“Nossa preocupação é que a roupa seja prática e funcional”, defende Katherine Campos, ex-judoca e líder da operação de uniformes do COB. Os atletas recebem os uniformes de viagem no Brasil. Em Paris, ganham os materiais esportivos, fornecidos pela marca chinesa Peak. São quase 50 mil peças que vêm da China dispostas em quatro contêineres.
“Temos um QR code que mostra a quais atletas cada peça está associada”, diz ela. As malas são separadas por modalidade. Se o uniforme requer ajustes, há duas costureiras destacadas para isso no local. O uniforme masculino parte do P e termina no 7G. O menor tamanho feminino é o PP e o maior, o 4G.
O COB fez uma parceria com a prefeitura de Saint-Ouen para usar o espaço. Os custos são divididos. O investimento na base do Brasil na pequena cidade francesa gira em torno R$ 1 milhão, sendo 50% desse valor bancado pelo comitê brasileiro e 50% pela administração local, que exigiu algumas contrapartidas, como ações envolvendo os atletas brasileiros e projetos esportivos com alunos da rede pública francesa. A negociação começou antes mesmo dos Jogos de Tóquio, em 2019. O contrato foi assinado em 2022.
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