Robert A. Iger, presidente executivo da Walt Disney Co., introduziu a frase no dicionário da NBA. Adam Silver, comissário da liga, a disseminou pela mídia. Em uma reunião virtual com os proprietários de times da NBA em 17 de abril, Iger aconselhou seus interlocutores pôr os "dados e não a data" no foco das iniciativas de retorno da liga.
Cerca de dois meses depois, enquanto 22 equipes aumentam as atividades em instalações de treinamento e se preparam para iniciar testes de coronavírus nos jogadores e funcionários, a preocupação com os dados de repente se tornou um dos passatempos mais populares do universo da NBA.
O principal motivo: desde terça-feira à noite, quando a liga começou a distribuir um guia de 113 páginas de protocolos de saúde e segurança para guiar o reinício da temporada 2019-20 na Walt Disney World, no mês que vem, a taxa de casos confirmados de coronavírus no Condado de Orange, Flórida, aumentou dramaticamente.
De terça a sábado, de acordo com dados do estado, 17% dos testes de coronavírus no condado deram resultados positivos. Foi um salto significativo em relação aos 10 dias anteriores, de 6 a 15 de junho, quando a taxa positiva foi de 5%.
O aumento é mais uma fonte de apreensão para as autoridades da liga e do sindicato, que, depois de semanas de discussões complicadas, chegaram a um acordo sobre todas as restrições de saúde e segurança para o reinício da temporada, a partir de 7 de julho.
À medida que se aproxima o prazo (quarta-feira) para os jogadores notificarem suas equipes se querem desistir de jogar, por qualquer motivo, existem três principais fontes de ansiedade entre os jogadores e executivos da liga:
1) A localização do campus para o reinício da temporada é uma fonte de desconforto por si mesma. A NBA escolheu a Disney World para a retomada por várias razões – entre elas, razões comerciais, dado o status da Disney como o principal parceiro de mídia da liga. Mas o aumento de testes positivos no Condado de Orange nas últimas duas semanas o transformou num “viveiro de infecções”, conforme descrito por Perry Halkitis, reitor da Escola de Saúde Pública Rutgers.
2) Como Lou Williams, do Los Angeles Clippers, disse na semana passada num bate-papo por vídeo com torcedores, alguns jogadores estão com medo de que o retorno total do basquete possa desviar o ímpeto do movimento Black Lives Matter, que explodiu no mundo todo desde 25 de maio, com a morte de George Floyd sob custódia policial em Minneapolis.
"Depois de seis semanas, o mundo talvez esteja precisando de uma cura, precisando que a gente volte às quadras", disse Williams. "Mas, se mais crianças e adultos pretos, ou mais adultos que enfrentam a brutalidade policial, estão morrendo, se ainda estamos indignados, não sei se é uma boa ideia voltar, porque vai parecer que não ligamos para a causa".
3) Uma terceira preocupação primordial que tem sido negligenciada com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo é o risco de lesão que os jogadores irão enfrentar depois deste que, para muitos, foi o maior período de folga da carreira.
'Depois de seis semanas, o mundo talvez esteja precisando de uma cura, precisando que a gente volte às quadras'
Lou Williams, Jogador do Los Angeles Clippers
Com certeza, muitos jogadores já vêm participando de treinos e jogos não autorizados nas últimas semanas – uma foto de LeBron James e Ben Simmons treinando juntos foi postada no Instagram na semana passada pelo Klutch Sports Group, a agência que representa os dois jogadores. Mas, por outro lado, muitos jogadores passaram os estágios iniciais da pandemia sem lugar para dar uns arremessos.
Até 29 de junho, serão permitidos apenas treinos de no máximo quatro jogadores por vez. Na próxima semana, até as equipes começarem a chegar à Disney World, em 7 de julho, serão permitidos até oito jogadores. Assim, os jogadores terão apenas uns 20 dias de treinos e coletivos completos na Flórida antes do início da temporada – bem menos que de costume. Geralmente, todo um mês de jogos-treino, em setembro, antecede o início da temporada da NBA.
Em relação à primeira (e talvez principal) preocupação, Halkitis, assim como muitos de seus colegas, elogiou o escopo dos planos da NBA para combater o coronavírus no campus da Disney, perto de Orlando.
"Está muito, muito, muito bem estruturado", disse Halkitis sobre o documento de 113 páginas numa entrevista por telefone. "Minha impressão é que ele faz o melhor uso da ciência que temos hoje, sabendo muito bem que as coisas podem mudar amanhã".
O maior ponto fraco da proposta da NBA, disse Halkitis, é a perspectiva de jogadores ou membros da comissão técnica saírem do campus sem autorização e se exporem ao coronavírus – ou de "trabalhadores que não ficam no local" trazerem o vírus para dentro das instalações.
Outro aspecto preocupante: a Major League Baseball, que ainda tenta fechar com os jogadores o acordo de que precisa para salvar alguma coisa parecida com a temporada 2020, ordenou que todas as instalações de equipes na Flórida e no Arizona fossem fechadas depois que jogadores de ambos os locais testaram positivo para o coronavírus.
"Se os números continuarem estáveis ou diminuírem, tenho muita confiança no plano", disse Halkitis sobre o reinício da NBA. "Os números subindo significam que você tem uma circunstância diferente agora, o que aumenta a probabilidade de transmissão e deixa o plano – que é excelente, mas não é infalível – mais suscetível à infiltração do vírus".
"Eu continuo usando o exemplo da inundação e da barragem: a barragem segura a água, mas, se houver muita pressão, com muitas infecções, o mais provável é que ela se quebre. Este é o problema aqui. Eles precisam ficar de olho no que está acontecendo lá fora".
Enquanto os jogadores e treinadores começam a se reunir de vez, com apenas duas semanas para que os aviões fretados partam direto para a Disney World, suspeita-se que ninguém no mapa da NBA terá que ouvir esse conselho mais de uma vez. /Tradução de Renato Prelorentzou.