Bob Burnquist é uma lenda do skate mundial e foi um dos grandes responsáveis por fazer o lado competitivo dos skatistas ser mais conhecido no Brasil. Ao longo dos anos 2000, o carioca metade americano e seus óculos de aros grossos apareciam na TV aberta nas manhãs de domingo, em competições como o Vert Jam, transmitido pela Globo, ao lado Sandro Dias, Cris Mateus, Lincoln Ueda e outros nomes de mesmo cacife.
Quem tinha acesso à TV por assinatura, podia vê-lo acumular medalhas nos X-Games e se impressionar com o que era capaz de fazer na monstruosa MegaRampa. Foram 30 pódios até parar de competir no evento popularmente chamado de Olimpíada dos esportes radicais, em 2017.
Quatro anos depois, em 2021, o skate estreou como esporte olímpico nos Jogos de Tóquio, com as modalidades street e park escolhidas para integrar o programa, e o vert, especialidade de Bob, deixado de lado. Independentemente das modalidades escolhidas, o skate viveu uma nova fase de popularização ao entrar nos Jogos Olímpicos. Assim, mais marcas, além daquelas que são próprias do universo do skateboard, passaram a se interessar pelo esporte.
Há mais dinheiro em jogo e mais pessoas interessadas, mas isso não significa que viver de skate seja uma escolha de alta segurança. “Não é fácil viver de skate mesmo você sendo de ponta”, diz Bob ao Estadão.
Ele entende que, apesar do aumento de oportunidades, a construção de um histórico sólido no esporte ainda é desafiadora e exige cuidados, especialmente no recorrente caso de skatistas que ganham holofotes ainda crianças ou adolescentes.
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“Viver um, dois anos fazendo dinheiro andando de skate é uma coisa. Depois, como você estica a carreira? É mentalidade, muita coisa muito cedo. A maioria, hoje, já tem habilidade muito novos. Até você seguir ao ponto da sua maturidade você tem de ter as pessoas certas em volta. Esse é o grande lance. Para a geração mais nova, tem muita gente para ajudar, porque hoje tem dinheiro, então vai vir um monte de ajudante, mas é bom você saber, tentar entender. Se você aprender inglês, melhor ainda. Continuar estudando, lendo, desenvolvendo e continuar andando de skate.”
Para o multicampeão, é bastante claro que houve grande evolução em termos de estrutura e organização do skate profissional no Brasil. Ao comparar com sua época de auge, vê um cenário mais propício para que uma maior quantidade de atletas se destaquem, embora pontue que ainda são poucos os que conseguem estabilidade.
“Tem de aprender a administrar e entender que não vai durar para sempre. É uma questão de trabalhar nas fases que você está. Tudo bem, você está ali competitivo, na pega, no top 10, no top 5, você vai viver bem, porque tem incentivo da seleção brasileiro. A CBSk está desenvolvida, tem investimento, vai aumentando o quadro de medalhas. São diversos apoios que a gente não tinha e hoje tem. Sim, você vai ver essa galera conseguindo se movimentar nesse bolo do topo”.
Ter uma carreira no skate não depende apenas de competir. Muitos skatistas importantes, aliás, não têm os campeonatos como foco e vivem do lado mais cultural do esporte. “A maioria dos skatistas profissionais, de repente, não estão nessa visão competitiva. É mais uma visão criativa e de gerar e criação de conteúdo. E aí você vai encaixando em personalidades. Então, assim, tem avenidas diferentes hoje, tem mais avenidas pra vocês escolher.”
Hoje com 48 anos, Bob Burnquist tem um legado e é uma estrela dentro e fora do País. Ao longo da carreira, conseguiu fazer dinheiro entre competições e contratos de patrocínio, porém de forma um pouco desordenada e sem embolsar quantias astronômicas.
“Foram fases e maneiras diferentes. Antigamente, os contratos eram… dois anos de contrato, mas tem de ter o adesivo no capacete. Calculava quanto tempo de exposição de TV. Havia os campeonatos de TV, eu estava sempre ali, então dava para dar uma calculada: “ah, então o contrato é esse”. Quando vinham os grandes eventos, a gente conseguia fechar patrocínios para aquele final de semana para o evento ‘X’. Então, você tentava da melhor maneira possível. E a premiação nem sempre era tão grande assim. Se comparar com UFC, com outras coisas, não chega nem perto”, diz.
Bob tem, atualmente, muito mais controle sobre as diversas maneiras de fazer do skate um sustento. O principal trunfo está na própria imagem, pelo tamanho e importância que tem. Da marca Burnkit à produção de competições, o multicampeão se mantém ativo nos bastidores, mas sem nunca deixar de ir às pistas.
“É skate, é o corpo, é porrada, aí quebra osso… Estar vivendo dessa maneira é bem intenso e bem difícil”, afirma. “Obviamente, depois de um tempo, podendo construir uma carreira, eu não preciso fazer dinheiro indo competir. O que eu posso fazer é criar competições ou produzir eventos. Eu sempre produzi, todos os eventos de Mega Rampa, já produzi evento de vert, sei como funciona. Aí você trabalha no entorno. Além disso, eu continuo andando de skate.”
O skatista veterano é envolvido em uma série de projetos articulados em parceria com outras pessoas ou instituições. Recentemente, no final de outubro, esteve em Natal para se apresentar em uma sessão durante o festival Tamo Junto BB, focado em divulgar a cultura do skate e outros esportes.
Também se dedica a ações sociais por meio do Instituto Skate Cuida, antigo Instituto Bob Burnquist, e a temas ligados à inovação. É sócio-fundador do NFT Brasil, um encontro de arte, tecnologia e cultura web realizado em setembro no Pavilhão Bienal de São Paulo, e tem presença constante em outros eventos da mesma natureza.
MegaRampa na Olimpíada?
O nome de Bob é uma referência para todos os skatistas que vieram depois dele, e o carioca faz questão de ser mais que um nome. Convive com as novas gerações e tenta passar a elas um pouco da essência do esporte. Entre aquele que tem mais proximidade, estão Raicca Ventura, campeã mundial de park, e Augusto Akio, o Japinha, bronze olímpico.
“O skatista que tem uma personalidade mais real é o que eu mais me identifico. Não consigo consigo entender o lado mega star ou de ostentar. Eu gosto muito de ver quando a geração vem crescendo com o pé no chão, e com carisma”, diz. “O Japinha é um merecedor pela pessoa que ele é, pelo skate que ele tem, mas obviamente pela personalidade dele, traz uma leveza e Uma tranquilidade. A Raicca também tem essa personalidade, mais leve. Tem a família dela, o pai, o tio, uma galera do skate, com uma visão muito bacana. Ela tem patrocínio da Burnkit e só tem representado”.
A dupla é especialista no park, modalidade disputada em uma espécie de piscina com obstáculos, mas também se destacam no vertical, a tradicional pista em forma de ‘U’ em que Bob ganhou tantos títulos. Japinha, aliás, foi bronze no Mundial de Vert neste ano.
Entre os skatistas, existe a esperança de que a modalidade possa um dia se juntar ao park e o street no programa olímpico. Bob Burnquist vai mais longe e sugere outras ideias para tornar as Olimpíadas mais interessantes com a força do skate, como a inclusão da MegaRampa, estilo de pista que tem montada no terreno de sua casa na Califórnia. São 170 metros de comprimento e 24 metros de altura.
“É natural falar: ‘e outra modalidade, qual seria?’. Pode ser o vert? Pode. Está ali, tem as competições, é bem possível. Mas também tem outras. Tem a MegaRampa, que vale prestar atenção. Às vezes, não necessariamente a MegaRampa como um todo. Ela é enorme, a gente pode dissecar ela, fazer um ‘super quarter’, ou entender outras. Para também não ficar preso em uma conversa. É bacana, acho que o vert merece estar, mas existem outras que as pessoas não estão olhando, que são incríveis. O skate tem versatilidade de formas de competições”
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