Dois brasileiros decidiram ir para a Ucrânia, por causa da guerra, para atuar como voluntários independentes. Os amigos Alysson Vitali e Rodolfo Caires passaram semanas atuando para ajudar as vítimas da invasão russa ao país europeu. Em um primeiro momento, eles compravam suprimentos e medicamentos e levavam para cidades ucranianas. Na volta para a fronteira, traziam refugiados em seus próprios veículos e deixavam em um Centro Humanitário na Polônia. Agora, após essa missão emergencial, eles estão focados em ajudar na reconstrução e na ressocialização dessas pessoas que foram obrigadas a deixar seus lares.
"Eu acho que o maior desafio que eles enfrentam nesse processo de ressocialização é o idioma. Muitos deles não falam outra língua além do russo, então é mais difícil de se comunicarem com pessoas novas e de conseguirem um emprego. Então o primeiro passo a ser dado é aprender o idioma do país em que estão morando para, a partir disso, começarem a frequentar eventos e se integrarem à comunidade local. Essa integração é muito importante para criar neles o senso de pertencimento. Só assim eles conseguirão seguir suas vidas", disse Vitali ao Estadão.
Ele explica que existem vários perfis de refugiados. Tem aqueles que fugiram para dentro do próprio país, ou seja, saíram de uma zona mais afetada e violenta para uma mais pacificada; outros que foram para países que fazem fronteira com a Ucrânia, como Polônia, Eslováquia e Romênia, pois ainda pensam em voltar para sua terra natal; e alguns que se refugiaram em nações mais distantes, como Brasil, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália e Argentina.
"Cada um tem suas dificuldades e lutas diárias para recomeçar a vida em outro país, mas o que pude perceber, através da minha experiência, é que aqueles que foram para países próximos à fronteira tiveram muita assistência, já que várias ONGs estavam disponíveis para dar suporte, desde assistência médica e alimentar até a ajuda com residência, escola e locomoção para países mais distantes, como Itália, Espanha e Portugal. Cada um procura a melhor forma de se adaptar", conta.
Vitali lembra que para muitos a distância também tem sido uma barreira, pois famílias foram separadas e cada parte foi para um canto, fora que na pressa de fugir da guerra, os ucranianos saíram e deixaram tudo para trás, tendo de recomeçar a vida do zero, sem casa, dinheiro, trabalho e amigos. Mas aos poucos alguns vão encontrando um novo caminho. "Eu conheci uma família que a mãe já está trabalhando em Varsóvia, capital da Polônia, e os quatro filhos estão frequentando a escola, ou seja, se integrando, participando de eventos, fazendo aulas de dança, entre outros."
Para realizar a empreitada, a dupla contou com doações e recursos de empresas. Uma delas foi a Layback, criada pelo Pedro Barros, que foi medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Além da ajuda financeira, a marca de cerveja também ajudou com a doação de skates, que têm sido usados para auxiliar na reinserção dos ucranianos em outros países e até como lazer dentro da própria Ucrânia.
"Eu não sabia o quanto os ucranianos gostam de skate até me envolver com a LayBack. A partir da campanha que criamos e da doação de skates, eu comecei a visitar vários Skate Parks e lojas de skate. Eu conheci um soldado que, apesar de andar armado e se dedicar ao seu trabalho, sempre está com um skate do lado e, quando tem um tempinho, anda nele como forma de distração. Os ucranianos adoram não só o skate, como esportes radicais no geral", revela Vitali.
Essa união com o esporte tem sido muito importante na ressocialização. O brasileiro faz trabalhos sociais há mais de dez anos e tem formação em Gestão Esportiva com foco em Esporte Comunitário. Então ele já tinha experiência em utilizar o esporte como ferramenta de educação, socialização, ressocialização e reintegração. "Eu acredito muito na força do esporte e já fiz trabalhos em regiões pós conflito, tais quais: Líbano, Filipinas e Palestina. No entanto, trabalhar durante um conflito é a primeira vez."
Vitali acredita muito no esporte como ferramenta de socialização e explica que, além de trazer o benefício físico, traz a saúde mental, que é o que as pessoas mais precisam nesse momento. "É claro que a guerra matou e continua matando muita gente, mas, a longo prazo, a guerra também tem um efeito psicológico muito grande nas comunidades. E nós acreditamos que, através do esporte, as pessoas podem se unir para um mesmo objetivo, em um âmbito tanto competitivo quanto para lazer. Aprender um novo esporte ou uma nova atividade traz às pessoas o senso de que elas podem fazer mais e de que a vida continua. É uma forma de esquecer, durante esse momento curto, aquela situação triste e dura da guerra. Através do skate, sendo um esporte individual, a pessoa tem aquela sensação de ter que lutar contra ela mesma para vencer um momento de tristeza."
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