Caro Ronaldo, eis o Pacaembu

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Caro Ronaldo Você está chegando em São Paulo e lhe dou as boas-vindas, pois um grande craque merece todo o respeito. E, no sentido de contribuir modestamente para aumentar sua familiaridade com a cidade, sugiro que você conheça o Pacaembu, sim, o lugar em que você vai jogar. Esta semana foi lançado um livro sobre o estádio com o título de Thomas Farkas, Pacaembu, e dois futuros vizinhos seus de Higienópolis, dois corintianos ainda por cima, estão envolvidos na obra. O belíssimo prefácio é do Juca Kfouri, que certamente você conhece. Quanto ao Thomas Farkas, por via das dúvidas, esclareço que se trata de um dos maiores fotógrafos que o Brasil já produziu, um grande documentarista, e uma personalidade importantíssima da vida cultural da cidade. Ele fotografou o estádio desde a sua construção até o meio dos anos 50. Gostaria muito que você visse as magníficas fotos em branco e preto do livro, principalmente as que retratam torcedores. Em primeiro lugar você verá que jamais vai jogar para um público tão grande.Torcedores literalmente se acotovelando, sentados em lugares improváveis, pernas balançando, apertados, amontoados de encontro ao alambrado, muitos vendo o jogo de um morro fora do estádio. Apesar das multidões, nunca soube de qualquer tragédia no Pacaembu daqueles anos. Talvez porque todos se limitassem a vestir-se como cidadãos comuns. Não havia camisas dos times a separar torcidas. Perdão por lembrar de tema tão embaraçoso, mas creio que a maioria daqueles torcedores do Farkas ficaria perplexa ao saber que, só no primeiro dia de vendas da sua camisa 9, saíram 150, nas cores branca, preta e roxa(!), a R$ 169,90 cada. Claro que para você é bom, porque você ganha nas vendas e compreendo sua posição, mas para o futebol não é. Essas camisas, meu caro, não são em geral para unir uma torcida, mas são feitas para, num certo sentido, agredir as demais. Mostrar força, poderio e arrogância. Os velhos torcedores do Farkas aceitavam a diferença e se sentavam ao lado de um possível adversário no mesmo cimento duro, se protegendo do sol como podiam, com seus chapéus às vezes improvisados com folhas de jornal, bonés, gorros e lenços amarrados nas cabeças. Para você aquele futebol seria pouco proveitoso, concordo: ninguém era contratado para atrair mais patrocinadores, as mangas das camisas e os calções não davam dinheiro, nenhum clube quando contratava um jogador pensava estar contratando "uma empresa", como declarou o presidente do Corinthians. É verdade, para você é ótimo.Para o torcedor comum aquele tempo era muito mais divertido. Basta apenas, de novo, examinar as fotos do Farkas. Você vai ver olhares tensos, apreensão e angústia, mas nenhum punho cerrado contra ninguém. Recomendo uma foto em particular, porque não há mais nada nem remotamente parecido no futebol de hoje. Nela um grupo enorme de torcedores aplaude e ri. Não um riso de deboche, de provocação, mas aberto, de pura alegria, produzido por algum lance incomum. E, no meio um torcedor, um militar, talvez um policial militar, completamente fardado, sozinho, no meio da massa, ele também rindo e se divertindo como um torcedor igual aos outros. Sou obrigado a repetir: era melhor. Desculpe. As extraordinárias fotos de Thomas Farkas, caro Ronaldo, mostram uma festa que acabou para sempre.Pena que você não estava lá.

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