Sem parceira no fim de 2020, Carol Solberg pegou o telefone e decidiu ligar para Bárbara Seixas, com quem havia jogado na adolescência. “Oi, vamos tomar um café?”, perguntou a jogadora. As duas decidiram se juntar, ganharam títulos ao longos dos últimos três anos de parceria e estão com a vaga encaminhada para representar o vôlei de praia brasileiro nos Jogos Olímpicos de Paris.
Campeã sul-americana em 2023, a dupla, atual terceira colocada no ranking olímpico e sétima no ranking mundial, está perto de assegurar seu lugar na Olimpíada. A confirmação da vaga será a celebração de um período prazeroso, mas de sobressaltos para as duas, principalmente para Carol.
Em 2020, ela recebeu ofensas, levou uma punição do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) - posteriormente derrubada - e afirma ter sigo perseguida e ameaçada depois que se posicionou contra o então presidente da República Jair Bolsonaro. “Foi bem chato, foi bem difícil conseguir jogar nos meses seguintes passando por um julgamento”, diz a jogadora ao Estadão nas areias do Pinheiros, clube que passaram a defender no início deste ano em São Paulo. Elas continuam fazendo a maior parte de seus treinos no Rio, mas vão usar a estrutura do Pinheiros em datas pré-definidas.
Filha de Isabel Salgado, figura atuante no esporte e em pautas sociais do País, Carol não se arrepende do “fora, Bolsonaro” que apregoou em entrevista ao vivo em setembro de 2020 sobre o então presidente do Brasil. “Fiz o que estava sentindo. Quero sempre prezar essa liberdade. É fundamental manifestar o que você acredita que é importante”.
Seu pensamento é de que os atletas podem falar sobre o que quiser. Só assim que será furada essa bolha em que os esportistas vivem. “Deveria ser estimulado aos atletas saírem da sua bolha. Ninguém tem de ser obrigado, mas eles têm que se sentir confortável e com liberdade pra falar sobre qualquer assunto”, defende, citando Lebron James e Lewis Hamilton, dois dos maiores atletas da história em suas modalidades e que usam o alcance que têm em defesa de causas sociais e raciais nos EUA e no mundo.
“A cada manifestação, a cada vez que um atleta se posiciona diante de assuntos que são caros para a sociedade, vai quebrando esse tabu de que o atleta só fala do que acontece na quadra”, acredita ela.
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Talento só não basta
Carol e Bárbara estão juntas desde o início de 2021, ano em que o vôlei de praia brasileiro passou em branco na Olimpíada de Tóquio. Foi a primeira vez que as quatro duplas do País, tanto no masculino como no feminino, voltaram para casa sem subir ao pódio em uma edição de Jogos Olímpicos.
O investimento na base da modalidade, o direcionamento correto dos recursos e a atenção à preparação física e mental, e não só técnica, é que vão mudar esse cenário e colocar o Brasil de volta ao caminho das medalhas, considera Bárbara Seixas, medalhista de prata na Rio-2016. “O Brasil está sofrendo um pouco com a questão da renovação, mas somos ainda uma potência”, avalia a carioca de 36 anos. “Tem atletas com uma longevidade alta, mas é preciso pensar na renovação”.
Carol lembra da evolução das duplas europeias, que derrubaram o domínio de Brasil e Estados Unidos na modalidade. “O vôlei de praia evoluiu. O físico é fundamental hoje, mas tudo anda junto. Considerando o nível que o vôlei de praia atingiu, você precisa cuidar de tudo, mental, físico, talento”, opina. Em Paris, além de Carol e Bárbara, a tendência é de que Ana Patrícia e Duda, dupla líder do ranking mundial, representem o Time Brasil nas areias olímpicas da França.
Classificam-se as 17 duplas com melhor ranking entre os dias 1º de janeiro de 2023 e 10 de junho de 2024. O Brasil tem duas duplas no top-10 em ambos os gêneros. As duplas campeãs dos torneios continentais que serão disputados em junho de 2024 também ganham vagas.
Para Letícia Pessoa, técnica das atletas, os europeus aproveitaram a estrutura física, investiram no esporte e a modalidade “começou a ficar nivelada”. A técnico entende que o caminho para uma jornada bem-sucedida em Paris é diversificar o jogo de suas comandadas. “Tentamos mudar o estilo de jogo para surpreender. Esse é o foco”. “Os outros países têm mérito por terem se reinventado de alguma forma, por estarem investindo. Os pódios são bem mesclados hoje”, diz a medalhista de prata com Ágatha nos Jogos do Rio.
Longevas no esporte, as duas têm mais de duas décadas dedicadas ao vôlei de praia. Ambas têm 36 anos e não pensam em parar tão cedo. Vejo que estou me adaptando, criando certas versatilidades. Estou em constante movimento e evolução. Não existe um limite”, pensa Bárbara, A longevidade aumentou. Você preparar muito bem um atleta novo é tão importante quanto aproveitar os atletas experientes por mais tempo”.
Um bom desempenho em Paris passa também pela confiança que cada um tem em si. Elas se conhecem há mais de 20 anos e, embora tenham personalidades diferentes, dizem se entender bem. “A gente tem maturidade pra saber aonde dá pra ir. É ouvir, ponderar, confiar uma na outra. Eu conto com a Bárbara. Estamos juntas em todas. Isso é especial, é o que constrói uma dupla”, define Carol, dona do Instituto Levante, projeto social que ensina vôlei de praia e dá assistência a crianças pobres no Rio.
“É saber que cada uma precisa da outra, mas abraçar a pessoa do jeito que ela é, sabendo que as duas são diferentes”, resume Bárbara.
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