Cearense Jeane Alves derruba o preconceito, quebra tabus e consolida carreira de destaque no turfe

Joqueta conquistou no último dia 15 o Grande Prêmio São Paulo, a primeira mulher na história a ser campeã do evento

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Foto do author Rodrigo Sampaio

Já são 14 anos morando em São Paulo e, desde então, Jeane Alves pode dizer que está realizando um sonho. Nascida no interior do Ceará, foi na capital paulista onde a joqueta derrubou o preconceito para, aos 33 anos, consolidar uma carreira de destaque no turfe. Montando o vigoroso Roxoterra, ela conquistou no último dia 15 o Grande Prêmio São Paulo, a primeira mulher na história a ser campeã do evento. A competidora agora volta a atenção para a competição nacional, no dia 18 de junho, e a possibilidade de uma carreira fora do País. A relação de Jeane com os cavalos começou ainda na infância. Criada na fazenda dos pais em Acopiara, a 350 km de Fortaleza, ela conta que aprendeu a andar a cavalo antes mesmo de completar dez anos. “Nasci montando em cavalo praticamente”, brinca. “Eu era alucinada por cavalo. Com oito anos de idade eu já ia acompanhar o meu irmão nas competições de vaquejada. Ele me criou tipo um menininho.”

Jeane Alves com Roxoterra; eles conquistaram o Grande Prêmio São Paulo Foto: Felipe Rau / Estadão

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Muito popular no nordeste brasileiro, a vaquejada é uma festa onde o vaqueiro, estrela do evento, é desafiado a laçar um boi enquanto corre atrás dele montado em um cavalo. Se a paixão pelos equinos era algo inerente, a vaquejada serviu para forjar o lado competitivo de Jeane. Incentivada pelo pai e o irmão, ambos já falecidos, ela passou a atuar como “bate-esteira”, responsável por auxiliar o vaqueiro principal nas competições, já aos 12 anos e assim seguiu até completar a maioridade, quando decidiu que seu futuro estava em São Paulo. Jeane desembarcou em São Paulo em 2008, aos 18 anos, e, diferentemente do que alguns possam imaginar, sua adaptação foi rápida. Entre os fatores que a ajudaram a se sentir em casa estavam dois primos que iam ao Hipódromo de São Paulo com certa frequência montar e com quem também dividia a paixão pelos cavalos. Outro era a rígida rotina na escolinha do Jockey Club de São Paulo, na qual se empenhou durante dois anos até se formar joqueta. No período, foram 137 vitórias computadas. Um caso em específico do tempo em que passou na escolinha de jóqueis foi decisivo para Jeane bater o martelo e ter certeza de que seguiria passaria a viver somente das competições de turfe. A cearense planejava conciliar os torneios com o curso de veterinária, sonho de quando ainda morava em Acopiara, mas desistiu após sofrer um acidente com um cavalo durante uma prova, já próximo de se formar no Jockey. “Ele (o cavalo) teve fratura exposta, fizemos o possível, mas não conseguiram salvá-lo”, lembra. “Quando contaram para mim, eu fiquei pensando comigo que se eu tivesse de um dia ter de sacrificar um animal eu não iria conseguir. Meu sonho de ser veterinária acabou ali e decidi de uma vez por todas que ia tentar a carreira de joqueta”, conta.

PRECONCEITO

Assim como em outros esportes, o turfe ainda guarda preconceitos com a presença feminina. No caso de Jeane, ela precisou superar a desaprovação ainda em casa. Apesar do apoio paterno, era mãe da joqueta quem não concordava com o desejo da filha em montar nas vaquejadas ou ir a São Paulo fazer o curso de jóquei, algo que perdurou até ela passar no teste no Jockey Club.

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“A minha mãe sempre foi meio contra eu andar a cavalo por eu ser mulher, porque sabia que já sofremos muito preconceito. Ela achava que era uma profissão muito dura”, conta. “Ele nunca foi categoricamente contra, mas também nunca me apoiou. Ela queria muito que eu desistisse, mas como meu pai e meu irmão me davam muita força, ela não conseguiu barrar o meu sonho”, diz Jeane, revelando que hoje já conta com o apoio da mãe. “Depois ela amoleceu”, brinca. Por outro lado, a atleta conta que demorou para ganhar a confiança no meio e chegou a passar por situações desagradáveis, como ouvir apostadores cochichando que “não dá para ‘jogar’ em mulher” e até mesmo ser preterida em um montaria simplesmente porque o proprietário do cavalo não gostaria de vê-lo sendo domado por uma figura feminina. “Há uns seis anos eu vinha trabalhando um cavalo que havia recebido para competir no Grande Prêmio São Paulo. No dia da competição, eu acabei sendo barrada porque me falaram que o cavalo deveria ser dado para um homem, alguém mais famoso na época”, relata. “Sofri muito para chegar onde cheguei, sempre tendo que trabalhar duas vezes mais. Hoje acontece de surgir proprietários querendo dar o cavalo para mim”.

FEITOS INÉDITOS E CARREIRA FORA

Jeane pode dizer que vive o melhor momento da carreira. Além do feito inédito no Grande Prêmio São Paulo, quando montou o possante Roxoterra — filho de Gol Tricolor e Artemia, de criação e propriedade do Haras Fazenda Boa Vista para disputas de 2.400 metros —, ela está próximo de alcançar o bicampeonato por estatísticas, que se encerra no dia 18 de maio. Atualmente, ela está treze pontos na frente do segundo colocado e a chance de faturar o título é grande. A joqueta já havia se tornado a primeira mulher a conquistar o título no ano anterior. As ambições da cearense não param por aí. Depois de conseguir se consagrar nas competições estaduais, ela vislumbra voos mais altos no Grande Prêmio Brasil, competição nacional que acontece no dia 18 de junho. O prêmio estimado ao vencedor é de R$ 400 mil, com o montador ficando com 10% desse valor. Para fazer bonito, Jeane mantém uma rotina diária de treinos pela manhã, com sessões de academia à tarde. “Eu lutei muito, me preparei muito para o GP São Paulo. Eu sofri lesões no braço em janeiro e uma lesão no pé que me tiraram de um monte de prova boa aqui em São Paulo. Mas eu consegui contornar as coisas e melhorar antes. Agora que eu consegui o meu objetivo, com certeza (meu sonho) é ganhar o GP do Brasil. Ainda mais porque uma mulher nunca conquistou antes”, diz. Caso consiga quebrar mais esse tabu, uma carreira fora do País não está descartada. Jeane possui no currículo passagens por Inglaterra, Suécia, Bélgica, Peru, Emirados Árabes e até mesmo Macau, pequena região próxima à costa da China, sempre representando o verde-amarelo. Ela, que já foi convidada para atuar fora do Brasil, revela que tem como próximo objetivo “se desafiar” em novos ares. “Já fui para muito lugar, já recebi convites, mas nunca pretendi ficar fora porque gostaria de realizar meus sonhos aqui. Agora que consegui, eu pretendo.”

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