Nesta primavera, ele estava fazendo teste para ser o apresentador de Jeopardy! Quase todos os dias, ele aparece em propagandas de televisão de marcas nacionais como a State Farm Insurance. E, neste outono, aos domingos, ele levou o Green Bay Packers a um recorde de 7-2 na divisão. O quarterback Aaron Rodgers não é apenas o jogador mais valioso da NFL, ele é uma celebridade que transcende o esporte mais popular do país, um nome conhecido no mesmo nível de Tom Brady e Patrick Mahomes.
Então, na semana passada, quando surgiram notícias de que ele tinha testado positivo para o coronavírus e não tinha se vacinado, Rodgers justificou a decisão de não se vacinar falando contra vacinas altamente eficazes e vomitando uma torrente de desinformação e ciência furada. Os profissionais de saúde ficaram desanimados não apenas porque tudo isso dificulta ainda mais a vacinação dos adultos, mas também porque estão começando a vacinar crianças de 5 a 11 anos.
“Quando você é uma celebridade, você tem uma plataforma”, disse o Dr. Paul A. Offit, diretor do Centro de Educação de Vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia. “Quando você opta por fazer o que Aaron Rodgers está fazendo, que é usar a plataforma para divulgar informações incorretas, que podem levar as pessoas a tomarem decisões erradas para si mesmas e para seus filhos, você causa muitos estragos”.
A NFL está investigando se Rodgers e os Packers violaram algum dos extensos protocolos de covid-19 da liga, que foram desenvolvidos com a Associação de Jogadores da NFL. Rodgers admitiu ter desrespeitado esses protocolos – ele chegou a participar de uma festa de Halloween com companheiros de equipe, em cujos vídeos apareceu sem máscara. Os Packers e Rodgers podem ser multados em centenas de milhares de dólares por não cumprirem as regras.
Rodgers está passando por um período de isolamento de dez dias e não jogou na derrota dos Packers por 13-7 para o Kansas City, no domingo. Como todos os jogadores não vacinados que testam positivo, Rodgers deve ser examinado por médicos aprovados pela liga após seu isolamento antes de voltar a campo, o que pode acontecer já no sábado.
Os danos incalculáveis da postura de Rodgers, no entanto, não podem ser medidos em dólares ou jogos perdidos ou ganhos. As taxas de vacinação na NFL são muito elevadas em comparação com a população em geral. Quase todos os treinadores e membros de comissões técnicas que estão ao redor dos jogadores estão vacinados, e 94% dos cerca de 2 mil jogadores também tomaram vacina, de acordo com a liga.
Mas, como a liga é muito popular, até mesmo um punhado de jogadores não vacinados recebe uma atenção desmedida. O wide receiver Cole Beasley, do Buffalo Bills, e os quarterbacks Kirk Cousins, do Minnesota Vikings, e Carson Wentz, do Indianapolis Colts, foram muito criticados por escolherem não se vacinar. Mas eles foram francos sobre suas decisões. Rodgers, por outro lado, evitou responder diretamente quando lhe perguntaram se ele fora vacinado. Ele disse que estava “imunizado”. Numa entrevista ao The Pat McAfee Show na semana passada, Rodgers disse que seguiu seu próprio “protocolo de imunização”, embora não tenha fornecido detalhes sobre o que seria isto. Mas a vacinação e a infecção natural são as únicas maneiras de obter imunidade ao vírus, disseram os cientistas.
Na entrevista, Rodgers alimentou ainda mais a polêmica ao tentar se distanciar dos teóricos da conspiração. “Eu não sou, você sabe, esses caras antivacina e terraplanista”, disse ele. “Eu sou alguém que é um pensador crítico”. Mas muitas de suas declarações no programa ecoam as feitas por pessoas do movimento antivacina. “Aaron Rodgers é um cara inteligente”, disse David O’Connor, virologista da Universidade de Wisconsin-Madison e torcedor do Packers. Mas, acrescentou, “ele ainda está vulnerável à blitz do lado cego da desinformação”. Na entrevista, Rodgers sugeriu que o fato de que as pessoas ainda estavam pegando e morrendo de covid-19 significava que as vacinas não eram altamente eficazes.
Embora imperfeitas, as vacinas fornecem proteção extremamente forte contra os piores resultados de infecção, até mesmo hospitalização e morte. Os americanos não vacinados, por exemplo, têm cerca de 10 vezes mais probabilidade de serem hospitalizados e 11 vezes mais chances de morrer de covid-19 do que os americanos vacinados, de acordo com um estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês).
“No que diz respeito às pessoas que estão no hospital com covid, a esmagadora maioria são pessoas não vacinadas”, disse Angela Rasmussen, virologista da Organização de Vacinas e Doenças Infecciosas da Universidade de Saskatchewan. “E a transmissão está acontecendo esmagadoramente de pessoas não vacinadas para outras pessoas não vacinadas”. Rodgers também expressou preocupação de que as vacinas possam causar problemas de fertilidade, um argumento comum no movimento antivacina. Não há evidências de que as vacinas afetem a fertilidade em homens ou mulheres.
“Essas alegações foram feitas desde que as vacinas entraram em cena e elas claramente foram descartadas muitas e muitas vezes”, disse o Dr. William Schaffner, especialista em vacinas da Universidade Vanderbilt. Ele acrescentou: “As vacinas são seguras e incrivelmente eficazes”.
Alguns eventos adversos potencialmente graves foram associados às vacinas, como um distúrbio de coagulação e uma inflamação do músculo cardíaco, mas são casos muito raros. Os especialistas concordam que os riscos à saúde associados à covid-19 superam os da vacinação. Rodgers disse que descartou as vacinas de mRNA, fabricadas pela Pfizer e Moderna, porque ele tinha uma alergia a um ingrediente não especificado.
Essas alergias são possíveis – um pequeno número de pessoas é alérgico ao polietilenoglicol, que está nas vacinas Pfizer e Moderna – mas extremamente raras. Por exemplo, houve cerca de 11 casos de anafilaxia, uma reação alérgica grave, para cada milhão de doses da vacina Pfizer administrada, de acordo com um estudo do CDC.
A agência de saúde pública recomenda que as pessoas com alergia conhecida a algum ingrediente de uma das vacinas de mRNA não tomem essas vacinas. Mas alguns cientistas expressaram ceticismo de que Rodgers de fato tivesse uma alergia conhecida e documentada. Mesmo se tivesse, ele poderia tomar a vacina da Johnson & Johnson, que depende de uma tecnologia diferente.
Rodgers também criticou a NFL, quase desafiando a liga a multá-lo. Ele alegou, por exemplo, que a liga mandou um “palhaço” ao campo de treinamento dos Packers para “coagir” os jogadores a se vacinarem. Ele disse que não seguia alguns protocolos, como usar máscara para falar com os repórteres, porque não concordava com as diretrizes. A exemplo de muitos atletas famosos, Rodgers trabalhou duro para moldar sua própria narrativa. Mas isso pode ter um custo, como mostrou a reação a seus comentários.
“O desafio para os jogadores é que agora é muito fácil tweetar e falar em podcasts”, disse Brad Shear, advogado que aconselha jogadores da NFL em assuntos de tecnologia e redes sociais. “Eu digo para os jogadores seguirem o script, terem as anotações sempre à mão e, quando receberem uma pergunta difícil, desviarem o assunto. Sua entrevista foi um desastre, foi ficando cada vez pior”.
Embora a liga não tenha um cronograma para terminar sua investigação, a reação foi rápida. A Prevea Health, uma organização de saúde de Wisconsin, encerrou sua parceria com Rodgers um dia após sua entrevista vir a público. A State Farm, que contratou Rodgers como porta-voz, disse que não apoiava algumas das declarações feitas por ele (sem especificar quais), mas que respeita “o direito que todos têm de fazer suas escolhas”.
No domingo, apenas 1,5% de todas as propagandas da State Farm na televisão mostravam Rodgers, em comparação com cerca de 25% nos dois domingos anteriores, de acordo com dados coletados pela Apex Marketing, que monitora e rastreia a mídia nacional e as marcas. Comentaristas de televisão, entre eles o quarterback Terry Bradshaw, também criticaram Rodgers por colocar seus companheiros de equipe em risco e por não ser honesto. Kareem Abdul-Jabbar, a lenda do basquete, deu um passo além. “Aaron Rodgers não apenas mentiu, ele também prejudicou os esportes profissionais”, escreveu ele.
Não é a primeira vez que Rodgers entra em polêmicas. Durante grande parte de seus 17 anos de carreira na NFL, ele criou uma imagem de garoto-problema numa série de questões. No final de abril, a ESPN informou que Rodgers estava tão “insatisfeito” com os Packers que disse aos membros da equipe que não queria voltar para Green Bay. O gerente geral da equipe, Brian Gutekunst teve de declarar publicamente que Rodgers não seria negociado.
Rodgers também usou seu talento para distúrbios calculados em 2020, quando tentou convencer outros jogadores a votarem contra um acordo trabalhista que estava sendo proposto porque o documento incluía a possibilidade de se adicionar um 17º jogo à temporada regular. (Os jogadores aprovaram o acordo por pouco).
Rodgers é notícia não apenas porque é um quarterback de elite, mas também porque é um atleta de elite na liga esportiva mais popular do país. Todos os problemas são amplificados quando envolvem a NFL – seja bullying, violência doméstica, protestos durante o hino nacional e outras questões. É por isso que a postura de Rodgers sobre as vacinas tem causado tanta ansiedade entre os cientistas.
O Dr. O’Connor disse que “torceu o nariz” quando soube que Rodgers não tinha se vacinado, especialmente considerando quantas pessoas em Wisconsin ainda não tomaram suas vacinas: 63% dos habitantes do estado receberam pelo menos uma dose de vacina, em comparação com uma taxa nacional de 67%. “Na comunidade onde ele joga, ainda há muito trabalho a ser feito para melhorar a distribuição da vacina”, disse ele.
O episódio é particularmente infeliz por surgir agora que a campanha de vacinação para crianças pequenas acaba de começar, disse o Dr. Schaffner. “Ele é uma figura muito conceituada e admirada do esporte”, disse ele sobre Rodgers. “Gostaríamos de um exemplo claro em favor da vacina e certamente não queremos um modelo de comportamento questionável”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.
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