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Quem é Sara Khadem, campeã iraniana de xadrez que compete sem véu e está exilada na Espanha

Aos 25 anos e 17ª melhora enxadrista do mundo, iraniana não quer ‘trair’ movimento que protesta contra a morte da jovem Mahsa Amini

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Por Thomas Perroteau/ AFP
Atualização:

Para não “trair” o movimento de protesto em seu país, a iraniana Sara Khadem se apresentou sem véu em um torneio de xadrez, uma decisão arriscada que a obrigou a buscar exílio e hoje ela vive na Espanha.

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A vida da grande mestre do xadrez, 17ª jogadora do mundo aos 25 anos, virou de cabeça para baixo em 26 de dezembro, no campeonato mundial de partidas rápidas em Almaty, no Casaquistão.

O ponto de virada foi sua decisão de aparecer sem o hijab, o véu islâmico, para não “trair” o movimento de protesto que eclodiu no Irã após a morte da jovem curdo-iraniana Mahsa Amini, em 16 de setembro, sob custódia policial, explicou Sara em entrevista à AFP, feita no sul da Espanha.

Sara Khadem é campeã iraniana de xadrez e está radicada no sul da Espanha. Foto: Cristina Quicler/ AFP

Ela pediu que o local não fosse identificado “por questões de segurança”. “O governo iraniano pode nos perseguir até mesmo em outros países. Já fizeram isso no passado com outros iranianos”, justificou.

Reproduzida em todo o mundo, sua foto sem véu não escapou da atenção das autoridades iranianas. Um conhecido seu, com boas fontes, disse-lhe que ela era alvo de um mandado de prisão e que seria “presa ao retornar ao Irã”.

Sem levar nada, nem mesmo um tabuleiro de xadrez, Sara seguiu para a Espanha com seu marido, Ardeshir Ahmadi, um diretor de cinema iraniano-canadense de 32 anos e ex-apresentador de televisão, e seu filho de um ano.

HIPOCRISIA

“Eu nunca o usei, de maneira habitual”, disse ela sobre o véu, de modo que lhe pareceu “hipócrita” fazer “na frente das câmeras algo em que você não acredita”. Sara se recusou a pedir desculpas, conforme exigido pelas autoridades iranianas.

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“O motivo era pessoal, mas, na hora de fazer isso, teve a ver, obviamente, com o que estava acontecendo no Irã (...) Nos sentimos muito inspiradas e encorajadas” pelos protestos e pelas personalidades iranianas que ousaram remover o véu, acrescentou.

Sara Khadem se apresentou em torneio sem véu, em solidariedade aos protestos no Irã. Foto: Cristina Quicler / AFP

Em outubro, a escaladora Elnaz Rekabi competiu apenas com uma faixa na cabeça no campeonato asiático de escalada em Seul, o que foi interpretado como um gesto de solidariedade para com as manifestações. “Deixar o Irã completamente não era algo em que pensávamos”, afirmou, explicando que se afastar de seus pais “foi a decisão mais difícil” de sua vida.

Sara — que prefere não usar seu sobrenome completo, Khademalsharieh, “serva da religião” — disse que entrou na Espanha com um visto obtido para torneios de xadrez. Agora, ela e o marido se beneficiam de uma permissão de residência concedida pelo Estado pela compra de um imóvel no valor mínimo de 500 mil euros (em torno de R$ 2,7 milhões).

Recebida em janeiro pelo presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, com quem disputou uma partida, a enxadrista tem consciência de sua “boa sorte”, uma vez que “não é fácil para muitos iranianos obterem um visto, devido à situação atual”.

PERSEGUIDA

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Khadem já sofreu a ira do regime iraniano em 2020. Ela foi proibida de viajar por seis meses, após abandonar a seleção iraniana em protesto pela derrubada “por engano”, segundo Teerã, de um Boeing ucraniano por parte do Exército iraniano. No incidente, morreram 176 pessoas.

“Foi um parêntese enorme (...), um sentimento horrível. Achei que fosse o fim da minha carreira”, lembrou-se a jovem, que joga xadrez desde os 8 anos e que sacrificou parte de seus estudos pelo esporte.

“Tive de prometer” às autoridades “que não emigraria”, confidenciou, esboçando um sorriso. Sara Khadem espera voltar à competição em breve, seja sentada diante de um tabuleiro, seja como comentarista. E se diz “otimista” sobre o futuro de seu país. “Talvez uma grande mudança exija mais sacrifícios”, mas “acho que chegará um dia em que todos poderemos voltar”, completa.

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