As velinhas do bolo de aniversário de 12 anos de Sophia Kelmer só foram assopradas já na madrugada do dia seguinte. Ainda que tudo estivesse preparado para acontecer na noite de 13 de dezembro de 2019, algo que não estava muito nos planos dela e da família precisou adiar em algumas horas a comemoração. A menina, recém federada pelo Fluminense para ser atleta de tênis de mesa, conquistou naquela noite de aniversário o título de campeã brasileira paralímpica na Classe 8 - e, tão logo venceu, foi cercada pela equipe de controle antidoping para fazer o famoso teste da urina.
Não que houvesse por parte da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) qualquer dúvida sobre a capacidade da menina. Acontece que, ao vencer o campeonato nacional, ela entrava definitivamente no rol dos atletas de alto rendimento, e como tal passou a conviver com as mesmas regras e rotinas.
A carioca Sophia Kelmer é portadora de uma deficiência chamada hemiplegia direita, decorrente de um AVC intrauterino. Ela tem uma paralisia cerebral que afeta o lado direito de seu corpo, e mesmo que isso atue em sua percepção de espaço e equilíbrio, não é páreo para (quase) ninguém no tênis de mesa.
Depois daquele título em 2019, Sophia conquistou os outros dois Brasileiros e já tem seis medalhas em torneios realizados na França, Argentina, Espanha e República Checa. Desde já, é forte candidata a estar nos Jogos Paralímpicos de Paris-2024, quando terá apenas 16 anos.
A ascensão meteórica veio depois que ela finalmente encontrou um esporte para chamar de seu. Incentivada pela família, Sophia aprendeu a andar de skate, praticar ciclismo, corrida e natação. Também jogava muito futebol, mas aí ela esbarrou naquilo que, por essência, é o avesso do esporte: a falta de senso de equipe.
“Por eu ser menina, e ser deficiente, eu não tinha muito espaço. Eu jogava bola sempre com os meninos, e era sempre a única menina. Eles não passavam a bola pra mim”, lembra Sophia. “Comecei a jogar tênis de mesa por diversão na minha escola, mas acabou que eu fui bem e o pessoal sugeriu de eu ir para uma escolinha.”
A escolinha de tênis de mesa escolhida fica na Sociedade Hebraica, nas Laranjeiras. Lá, ela começou a ser treinada pelo técnico Alexandre Silva, que a levou para o Fluminense em meados de 2019. Menos de seis meses depois, veio o título brasileiro diante de atletas muito mais velhas e experientes - a divisão no esporte paralímpico não é por idade, mas por classificação funcional.
“Eu me descobri. Quando cheguei no tênis de mesa, eu vi que era apenas eu; por ser um esporte individual, eu percebi que só precisava de mim, da minha dedicação e da minha força de vontade”, conta.
Esse senso de fazer as coisas sem precisar depender dos outros foi passado pelos pais. Mas quando começaram a surgir os campeonatos fora do estado do Rio e, depois, do País, a família se deparou com outro problema: a idade de Sophia, que inviabiliza que as viagens sejam feitas sem companhia ou autorização de um responsável. A solução encontrada foi tornar o pai, Henrique, em outro profissional do esporte.
“Meu pai sempre me acompanha nos jogos. Ele fez o curso de técnico e hoje é um técnico da ITTF (sigla em inglês da Federação Internacional de Tênis de Mesa), porque no começo disseram que só o técnico poderia acompanhar o atleta”, revela a atleta.
Os recursos para as viagens saem do próprio bolso da família, da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) e de um patrocínio da B&T Câmbio, que paga uma bolsa mensal à atleta.
E viagens não faltam. Tricampeã brasileira e ranqueada entre as melhores do mundo, Sophia agora se prepara para disputar o Mundial, em novembro, na Espanha. “Estou muito feliz, porque é o maior campeonato de tênis de mesa específico que existe, e eu estou conseguindo ir aos 14 anos. É uma coisa absurda”, vibra. O passo seguinte será garantir a vaga em Paris-2024.
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