Sabe aquele cara que respira esporte? Gustavo Carvalho, 42 anos, é um deles. Trabalha no Comitê Paralímpico, joga tênis é corredor de rua. Como não tem carro, às vezes, volta do trabalho correndo para casa, da Imigrantes até a região do Palmeiras, a 15 km de distância. Faz check-up a cada seis meses - a esposa e a mãe são médicas - e pensava que estava vendendo saúde. Mas, faltando duas maratonas Majors para completar sua mandala SixStar, o destino lhe pregou um susto. Em agosto de 2022, ele foi almoçar com um amigo no Shopping Ibirapuera, sentiu um formigamento, uma pressão na mandíbula e um soco no peito, e apagou... Só se lembra de ter pedido para ser levado ao hospital.
Os médicos disseram que ele foi salvo por duas razões: o preparo físico e as três aspirinas que os médicos do ambulatório do shopping ministraram. "Tive um enfarte. Foram três dias de suspense até os médicos decidirem o que fazer, e no final colocaram stents para desobstruir o ventrículo esquerdo", lembra Gustavo. Dias depois, conversando com a cardiologista Luciana Janot, o medo era ter de parar de correr antes de conquistar a mandala. Explicou o cenário para ela, e dez dias depois, como era importante para ele essa meta de correr as seis maratonas Majors (Chicago, Berlim, Nova York, Boston, Tóquio e Londres) e os exames apontavam boa melhora, chegaram a um acordo. Ele completaria a Maratona de Tóquio como longão - correria 32 km e andaria os 10 km finais - e correria sua última maratona em Londres, para conquistar a mandala. E depois, migraria para as meias maratonas, para dar uma margem de segurança ao seu coração.
Dez dias depois do enfarte ele voltou a treinar, lá mesmo no hospital onde foi tratado, o Albert Einstein. Esse hospital começou a investir em um método multidisciplinar de reabilitação e saúde, no Centro de Reabilitação, que integra Educação Física, psicologia, ortopedia, fisioterapia, nutrição, cardiologia e medicina do esporte, entre outros. Gustavo contou sua história, de êxito do tratamento multidisciplinar, na plenária "Da reabilitação à Maratona", junto com os profissionais do Einstein na IHRSA Fitness Brasil, na manhã desta sexta-feira, 18 de agosto, e nos concedeu entrevista logo depois. O evento termina neste sábado, e tem uma agenda bem interessante, como foco na Educação Física, clique aqui para acessá-la.
Quando você começou a correr?
Gustavo Carvalho - Comecei a fazer corrida de rua em 2013, uma prova de 5 km, em Chicago (EUA). E em 2015, fiz minha primeira maratona lá também. E desde então faço uma maratona por ano. Fiz Berlim e Rio em 2016, Porto Alegre e Nova York em 2017, Porto Alegre 2018, Boston em 2019. E na pandemia as maratonas foram suspensas, e eu já estava inscrito para fazer Londres, só que tive o enfarte em agosto do ano passado.
Onde você estava, o que sentiu?
Gustavo Carvalho - Trabalho no Comitê Paralímpico na Imigrantes, jogava tênis três vezes por semana, e corria nos outros quatro dias. Jogava tênis, em duplas, na hora do almoço. Tomei banho e comecei a descer as escadas para pegar o carro, senti um formigamento nas extremidades Hoje em dia já sei que isso é sintoma de enfarte. No caminho para almoçar no Shopping Ibirapuera comecei a sentir uma pressão no maxilar, um pouquinho de dor no estômago, gases, comecei a suar frio. Vomitei, quando sair do do carro. Pensei alguma coisa tá errada, mas achei que era só a pressão, não tinha comido muito bem antes. Aí, quando terminei de almoçar veio um soco no peito. Falei para o meu amigo: Olha, me leva para o hospital. Aí ele falou: Vamos subir a escada. Disse que não conseguiria e desmaiei. Fiquei 30 segundos fora do ar.
O que os médicos avaliaram?
Gustavo Carvalho - Disseram que, possivelmente, pelo fato de eu fazer exercício físico com frequência o coração quis sair dessa situação de sobrecarga, achando que era só alguma treinamento mais forte. Voltei 30 segundos depois. Subi para o ambulatório e me deram três aspirinas, falaram que isso também salvou minha vida. Chamaram ambulância da remoção, fui para o Hospital São Luís direto. Colocaram um stent para abrir a artéria. E durante esse procedimento, viram que outras partes do meu coração estavam com lesão. E fui transferido para o Hospital Albert Einstein. Lá resolveram fazer uma nova angioplastia, colocaram mais três stents. Então hoje tenho quatro stents. O problema foi basicamente no ventrículo esquerdo. Lá no hospital comecei a andar. Soube que havia lá um Centro de Reabilitação. Fui lá, e conversei com a cardiologia, dra. Luciana, sobre minha expectativa de continuar fazendo exercício físico, mas não sabia como, ou se poderia voltar ou não para maratona. Tinha o sonho de completar as seis Majors, na Maratona de Londres, em abril do ano seguinte, e ser recebido por meus filhos na linha de chegada. E acabou que, graças a Deus, eu fiquei sem sequelas e deu tudo certo.
Como foi a reabilitação?
Gustavo Carvalho - Primeiro fiz o teste cardiopulmonar, e a Dra. Luciana analisou e disse que basicamente o teste mostrava que parecia que eu nem tinha tido um enfarte, muito devido à condição de condicionamento físico anterior ao episódio. Aí comecei a fazer periodização e como uma maratona era em março e a outra era em abril, verificariam se eu poderia ou não correr mais pra frente. E comecei a fazer no hospital, com todo o equipamento para monitorar, para ver se ia ter uma arritmia ou não, antes de fazer o teste pulmonar. Um mês depois fiz o teste pulmonar e tive alta do hospital. Comecei a fazer acompanhamento de uma fisioterapeuta pulmonar. Chegou perto da Maratona de Tóquio e conversei com meu técnico e com a dra. Luciana, e fiz essa prova como um longão de 32km para Londres, que seria no final de abril. Os 1o km finais de Tóquio caminhei. Mas só fiz isso porque tinha o aval de uma equipe multidisciplinar e muita confiança na reabilitação.
Como foi em Tóquio?
Gustavo Carvalho - O trajeto lá é plano, são duas voltas. Foi em 5 de março, fiz em 4 horas 59 minutos, correndo 32 km e andando 10. E lá teve uma ação muito legal, a campanha Zero Morte Súbita, e a cada 250 metros havia uma equipe com desfibrilador. Fiquei bem tranquilo por conta disso também. Graças a Deus deu tudo certa e continuei treinando para a Maratona de Londres, que seria em 23 de abril. Se desse tudo certo em Tóquio estaria liberado para continuar os treinos e concluir Londres. E deu tudo certo.
Como foi na Maratona de Londres?
Gustavo Carvalho - Quando comecei a correr maratonas, sempre visualizar cruzar a linha de chegada de Londres, para conquistar a mandala, carregando meus dois filhos no colo. Pensava, poxa, eu tenho que um dia, quem sabe, pegar a mandala. E consegui. Completei em 4 horas e 23 minutos, o que foi ótimo. Meu melhor tempo em maratona tinha sido 4 horas e 6 minutos. Mas agora minha frequência cardíaca não pode passar de 150. E como já realizei meu sonho, só corro no máximo 21 km.
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