Eram para ser 365 maratonas seguidas, 42.195 metros por dia. Teve até uma corrida de rua para finalizar a meta, com a participação de 2 mil pessoas. Mas no dia seguinte, Hugo Farias, 44 anos, resolveu correr mais uma maratona e se tornar a primeira pessoa a fazer isso no Continente Americano, na manhã de 28 de agosto, em Americana, interior de São Paulo. Durante toda a jornada, ele foi acompanhando por uma equipe multidisciplinar e analisado pelo Instituto do Coração (InCor). Ao todo, o Hugo correu 15.443 km no período de um ano e um dia, a distância entre Americana e a Sibéria. O Guinness Book está analisando a façanha.
O recorde mundial atual é da dinamarquesa Annette Fredskov, que correu 366 maratonas em 365 dias, em 2013. E o casal australiano Janette Murray-Wakelin e Alan Murray também correu 365 maratonas juntos, e seguidas, também em 2013, quando deram a volta toda na Austrália. E há pelo menos mais dois casos de 365 maratonas seguidas.
Como já contamos aqui no blog, depois de atuar por mais de 20 anos como executivo na área de tecnologia em uma empresa privada, ele idealizou o Projeto Propósito com o objetivo de inspirar as pessoas a buscarem a realização de seus sonhos. E vamos combinar, perto de correr 366 maratonas seguidas qualquer coisa parece fácil.
A largada do desafio foi em 28 de agosto de 2022, em Americana. Aliás, a maioria das corridas foi nessa cidade onde ele mora. E a modalidade entrou na vida dele há pouco tempo, em 2019. "Durante o isolamento social, passei a refletir sobre minha carreira. Apesar de ter atingido a realização profissional, com muitas conquistas, crescimento e estabilidade financeira, decidi que era o momento de sair da zona de conforto e me desafiar", conta Farias.
Em suas pesquisas, verificou que Stefaan Engels, um maratonista e triatleta belga, foi o primeiro homem a correr a distância da maratona 365 vezes consecutivas em um único ano, em 2011. Ele cruzou dez países e finalizou em Barcelona. O inglês Gary McKee foi o segundo em 31 de dezembro de 2022, em Cleator Moor, no noroeste da Inglaterra. E foram nesses dois maratonistas que Hugo se inspirou, e decidiu ser o terceiro.
A realização do Projeto Propósito, planejada nos mínimos detalhes e com a projeção de riscos, contou com o apoio de uma equipe multidisciplinar envolvendo assessoria esportiva, cardiologista, fisioterapeuta, nutricionista, ortopedista e dermatologista. A iniciativa teve também a participação do Instituto do Coração - InCor, que realiza um estudo liderado pela Dra. Janieire Nunes Alves e pelo Dr. Francis Ribeiro por meio do acompanhamento de todo o processo para escrever um artigo científico e que irá gerar uma contribuição para a ciência.
"Decidi fazer o desafio em Americana, onde moro e realizar o mesmo percurso todos os dias porque permitiu uma logística com a família, conciliando o projeto com as atividades diárias. O apoio da família e das pessoas que convivi durante esse período foi a maior motivação para o Projeto Propósito. s. O esporte tem o poder de transformar vidas porque é uma das principais ferramentas para melhorar a saúde, superar limites, motivar-se e tornar-se a melhor versão de si mesmo", comenta Farias.
O que mais temeu durante a jornada?
Hugo Farias - Foi a questão da alimentação e da perda de peso, principalmente a massa magra, o que poderia afetar a corrida no dia seguinte. E a maior preocupação foi ajustar a alimentação para manter o peso, e o fortalecimento, para manter a massa magra, para que a musculatura tivesse condição de aguentar o esforço.
E dores, qual foi o pior momento?
Hugo Farias - Foi uma lesão. Senti uma dor muito forte na virilha, na maratona 143, devido a um quadro de pubalgia. A dor era tanta, que a partir do KM 36 tive que caminhar. Logo na sequência comecei a mancar e demorei muito tempo para acabar essa maratona. Ali foi o ápice de preocupação do projeto. Nunca pensei em desistir, mas naquele momento pensei: será que vai acabar aqui? E isso me abalou emocionalmente. Mas me recompus, falei com a equipe e estabelecemos um plano de ação. No dia seguinte já estava correndo, mas demorou um mês para eu me restabelecer 100%. Foi o momento mais crítico e o que mais doeu em todo o projeto.
O InCor fará um artigo científico com base nos seus dados?
Hugo Farias - Sim. Agora eles vão compilar todos os dados, e farei mais alguns exames em setembro, depois das minhas férias, e farão um teste pós projeto para avaliar toda a condição cardíaca e respiratória, VO2 máximo, e tudo o mais. Já posso antecipar que meu coração se adaptou muito bem a todo esse esforço. A preocupação inicial era se meu coração aumentaria de tamanho ou se haveria algum problema de fluxo sanguíneo, mas não houve nada. O coração se adaptou perfeitamente e o ecocardiograma mostrou isso. Através da ergoespirometria foi possível verificar toda a parte ventilatória, que é o consumo de oxigênio, a frequência cardíaca, a pressão arterial. E também verificou-se uma melhora da condição do meu coração. Ao correr, eu apresentava uma certa arritmia, o que é considerado normal em atletas, porém ela sumiu, o que reforça que meu coração se adaptou. Os exames comprovam uma quebra de paradigma no InCor, palavra deles, e o estudo poderá servir de referência para atletas no futuro. Fiquei muito feliz com isso, pois era um dos objetivos do projeto - a contribuição científica.
Quais serão os próximos desafios?
Hugo Farias - Por enquanto vou viajar com a esposa e a família. Depois vou me concentrar em escrever um livro, com a participação de todos os profissionais envolvidos, para que coloquem as informações técnicas. Um livro para inspirar mais pessoas sejam atletas, ou não. Outros desafios esportivos virão igualmente impactantes como o Projeto Propósito. E não pretendo voltar para o mundo corporativo no momento. Mas dar palestras para falar de foco, disciplina, resiliência, autoconhecimento, propósito, determinação, superação, mostrar que pessoas comuns são capazes de fazer coisas incríveis; falar sobre mudança de rota, de construir uma nova história.
Seu feito de correr 366 maratonas em 366 dias vale o Guinness Book of Records?
Hugo Farias - Sim, há um processo padrão que tenho de seguir, o que pode demorar até um ano para eles avaliarem. Vou submeter todas as informações e evidências que o Guinness pede. Temos que obedecer a uma série de critérios. Por exemplo, pedem uma pessoa que acompanhou todos os dias full time. Eu tenho várias que me acompanharam em trechos diferentes do dia. Vou mandar todos os dados de GPS, todos os dados técnicos que comprovem. Tenho fotos, vídeos, reportagens sobre o feito. Eu já tinha me candidatado a esse recorde, e eles já tinham aceitado a minha candidatura. Agora é só aguardar a análise.
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