Provas de rua de A a Z

Muito calor, alta umidade e falta de hidratação prévia: uma combinação perigosa para os corredores

Veja como identificar os sintomas do mal súbito

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Foto do author Silvia Herrera

Na manhã de domingo passado, a umidade atingiu 92%, e às 7 horas da manhã, a temperatura já marcava 21°C. Para uma meia maratona, essas condições climáticas são desfavoráveis. Infelizmente, um corredor inscrito na prova desmaiou, foi socorrido e, no hospital, veio a falecer. Mas como um corredor de rua pode identificar que o "motor" está prestes a "ferver"? Fizemos essa pergunta a três especialistas.

 Foto: Diego Anhasco/Fotop

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Eduardo Rauen, médico especialista em Nutrologia e Medicina do Exercício e do Esporte, com mais de duas décadas de experiência no atendimento de pessoas que buscam perda de peso e melhora da performance esportiva -- incluindo jogadores do São Paulo Futebol Clube e maratonistas --, explica que, quando a umidade relativa do ar está alta, o ar já está saturado com vapor de água, dificultando a evaporação do suor da pele. Além disso, o corpo tenta compensar a dificuldade em perder calor aumentando a produção de suor. Essa combinação de baixa evaporação e produção excessiva de calor corporal eleva o risco de hipertermia (aumento excessivo da temperatura interna).

"Antes de um desmaio, o atleta pode começar a sentir dificuldade para manter o ritmo, fraqueza muscular, cãibras, tontura ou sensação de cabeça leve, náuseas, calafrios, palidez, dor de cabeça, visão embaçada, confusão mental ou perda de equilíbrio", alerta.

E, como já dizia minha avó, a prevenção é o melhor remédio. "O atleta deve atentar-se à hidratação pelo menos 24 horas antes da prova. De 2 a 4 horas antes da largada, deve ingerir de 5 a 7 ml de líquido por kg de peso corporal (se pesa 50 kg, de 250 ml a 350 ml). Pode ingerir mais líquido (de 3 a 5 ml por kg) 2 horas antes, se a urina ainda estiver com coloração mais escura (urina concentrada). Consumir alguns alimentos salgados antes também pode ajudar a reter o líquido ingerido."

No caso específico das meias maratonas, Dr. Rauen orienta a procurar um médico do esporte, nutrólogo ou nutricionista esportivo de 3 a 6 meses antes da prova. "Esse período varia dependendo do nível de condicionamento atual, da experiência prévia em corridas e dos objetivos. Se for um atleta já bem condicionado, com boa composição corporal, ele pode buscar o profissional um pouco antes de entrar no ciclo da meia maratona (3 meses antes da prova). Se o atleta precisar fazer ajustes na alimentação ou melhorar a composição corporal, o ideal é procurar o profissional cerca de seis meses antes da prova", pontua.

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Luciano Bruno, doutor e mestre em Alimentos e Nutrição pela Unicamp e diretor científico da Cycles Nutrition, acrescenta que, em uma meia maratona, perdemos muita água e eletrólitos no suor. "Nessas condições, podemos ter uma hipertermia, que reduz a eficiência das enzimas envolvidas no metabolismo energético. E, se repusermos apenas água sem eletrólitos, há um risco enorme de causar hiponatremia, que pode levar a danos neuronais. Somado à perda de potássio, fósforo, cálcio e magnésio, podemos ter um comprometimento no bombeamento do coração, levando a uma insuficiência cardíaca", explica. Ele recomenda a reposição de água junto à suplementação com eletrólitos durante a corrida, de preferência a cada 20 minutos.

 Foto: TF Run Series 

PONTOS DE HIDRATAÇÃO

Dra. Ana Sierra, corredora amadora, educadora física e médica do esporte, frisa que os órgãos internacionais preconizam a hidratação nas corridas de rua a cada 2,5 km ou 3 km. "No geral, há uma preocupação maior com o excesso de hidratação do que com a desidratação. O excesso de hidratação sem a devida reposição de sódio e potássio (eletrólitos) pode causar hiponatremia, que é a baixa concentração de sódio no organismo, uma condição que pode ser fatal. Se observarmos os sites de maratonas internacionais, inclusive as majors, eles recomendam não beber muita água durante a prova. Porém, é importante que ninguém inicie a prova desidratado. Essa é uma condição que devemos manter durante todo o preparo e no pré-prova, no dia anterior, e não tentar 'correr atrás' do prejuízo logo antes da prova", destaca.

E o gelo da bacia onde estão os copos de água da hidratação nas corridas não faz milagres. "Alguns estudos exploraram o uso de gelo em áreas do corpo, como mãos, pescoço e cabeça, e mostraram que o resfriamento das extremidades pode melhorar a sensação térmica e reduzir a percepção de esforço, mas não substitui a hidratação, que deve ser feita com reposição de líquidos e eletrólitos durante a corrida", observa Dr. Rauen.

CHECK UP

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O corredor de rua também deve priorizar o checkup esportivo anual. Segundo Dra. Sierra, ele é o único meio de evitar o mal súbito ou morte súbita, pois é capaz de detectar doenças silenciosas que podem levar a óbito.

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Nas corridas de rua, ela explica que a área médica deve contar com todos os equipamentos de urgência e emergência, como cardioversor/desfibrilador, ventilador mecânico, bomba de infusão e todas as medicações necessárias em situações de urgência, como adrenalina, amiodarona, lidocaína, atropina, adenosina, entre outras, além de medicamentos sintomáticos, como dipirona, paracetamol e diclofenaco.

AMBULÂNCIAS

Quanto ao número de ambulâncias, ela explica que não há no Brasil uma legislação específica para isso. Em São Paulo, segue-se uma regra que considera o número de participantes, o tipo de inscrição, o local de realização (fechado ou aberto), o oferecimento de bebida alcoólica, entre outros fatores. "Quando falamos do planejamento de uma corrida, levamos em conta a distância do percurso, se a largada e a chegada são no mesmo lugar, a altimetria, o número de inscritos, a estação do ano, as características do público (dados de anos anteriores), entre outras. Assim, duas provas com a mesma distância podem ter um dimensionamento diferente de área médica", observa.

Também não existe um tempo máximo para a ambulância socorrer um corredor que teve um mal súbito. "O tempo ideal para o início do atendimento de uma vítima de parada cardíaca é de 6 minutos. Porém, se essa vítima está recebendo atendimento com suporte básico de vida (massagem cardíaca), essa condição propicia maiores e mais fidedignas chances de sobrevivência. A chegada do DEA (suporte básico de vida) ou do cardioversor/desfibrilador é um ponto importante, principalmente se a pessoa está em um ritmo chocável. Porém, existem condições em que o choque não deve ser realizado", pondera.

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Como Dra. Ana Sierra sempre trabalha nos postos médicos das corridas de rua, ela conta quais são os casos mais comuns. "Além de casos como cãibras e distensões musculares, que são leves, comuns e não colocam em risco a vida dos participantes, costumamos tratar muitos casos de hipertermia (elevação anormal da temperatura), hiponatremia (sódio baixo) e arritmias cardíacas, independentemente da distância da prova."

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