Enquanto, em 2024, o estado de São Paulo teve 734 corridas de rua com o permit da Federação Paulista de Atletismo, autorização prevista no Código Nacional de Trânsito e a Lei Geral do Esporte, que legislam sobre essa modalidade, no Rio de Janeiro foram apenas 20. Na plataforma de venda de inscrições Ticket Sports, foram cadastradas 235 provas no Estado do Rio. Secretarias de esporte municipais e a estadual não se entendem com a federação fluminense, e há uma sombra de irregularidades pairando no ar.

As 20 provas no Rio que cumpriram 100% a lei em 2024 foram: Corrida São Sebastião, Corrida Inclusão Olga Kos Rio, Corrida Live Run XP (5 km, 10 km e 21 km), 1ª Corrida SporTV Run Rio de Janeiro (5 km e 10 km), Maratona do Rio (5 km e 10 km), Meia Maratona de Maricá, Meia Maratona (5 km e 10 km), Corrida Live Run XP (6 km e 12 km), Corrida Mulher Maravilha Summer, Corrida Barbie Run (5 km e 3 km), RJ 21k Half Marathon, Corrida 10k Ternium (Santa Cruz), 26ª Meia Maratona Internacional do Rio de Janeiro e Corrida e Caminhada Inclusão Olga Kos Rio II. Sendo que a Rio City Half Marathon, a Meia e a Maratona Cidade do Rio de Janeiro obtiveram o permit Ouro, direto com a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). E a Asics Golden Run, o permit Prata, também com a CBAt.
Mas e o Circuito das Estações e a Corrida Vera Cruz, por exemplo, prova que atraiu 15 mil inscritos no último dia de 2024? Elas estavam irregulares? A resposta não é tão simples assim. O Circuito e a Vera Cruz são organizados pela Norte Marketing. Consultada, a empresa realizou 14 provas em 2024, com mais de 75 mil pessoas, a maioria realizadas via Lei do Esporte, com o aval da Secretaria Estadual de Esportes.
Segundo Rafael Picciani, secretário estadual de Esporte e Lazer do Rio de Janeiro, toda a documentação necessária para a realização das corridas é fiscalizada, conferida e autorizada diretamente pelas prefeituras e órgãos competentes de cada cidade onde os eventos são realizados. "O Governo do Rio, por meio da Secretaria Estadual de Esporte e Lazer, é responsável apenas pela fiscalização documental no que diz respeito à concessão de benefício fiscal às empresas patrocinadoras para a realização destes eventos quando apoiados pela Lei Estadual de Incentivo ao Esporte", explicou.
Para Robinson Maia, presidente da Federação Estadual do Rio de Atletismo (FERAt), infelizmente, esse é o real cenário do Estado do Rio de Janeiro: a omissão do poder público no encaminhamento do cumprimento da lei. "Nenhum dos 92 municípios e suas respectivas secretarias de esportes cumpre o que determina a lei e autorizam a realização das corridas de forma irregular." A FERAt foi criada em 2021 e reconhecida pela CBAt em 2022. A federação anterior foi extinta em meio a um mar de fraudes e irregularidades.
"Desde então, estamos dialogando com os setores dessa cadeia produtiva, organizadores, ABRACEO e, em especial, com a SMEL Rio, responsável pela maior parte dos eventos em nosso estado. No entanto, não há esforço para que cumpram a lei sobre a emissão dos permits, que ganhou reforço na Lei Geral do Esporte", acrescentou.
CENÁRIO CARIOCA
Na capital fluminense, o tema é mais complexo, mas todos concordam que a corrida de rua se tornou uma ótima fonte de recursos. "O Rio de Janeiro possui uma infraestrutura excelente que possibilita a recepção de diversos eventos, e isso ajuda a impulsionar a economia da cidade. Em 2024, por exemplo, quase 50 mil turistas vieram ao Rio para participar de corridas de rua. E a tendência é que esse número cresça cada vez mais", afirmou o secretário municipal de Esportes, Guilherme Schleder.
A Prefeitura do Rio declarou, via Secretaria de Esportes, que mantém conversas com a nova administração da FERAt para intermediar um acordo com os organizadores, de forma que o valor da concessão de permit não torne os eventos inviáveis. Segundo a Prefeitura, foram 173 corridas realizadas em 2024, 131 em 2023, e, para este ano, serão 190.
Nas corridas do Rio, fontes afirmam que a FERAt quer cobrar R$ 10 por pessoa inscrita no valor do permit. Maia não nega essa intenção, mas não confirma esse valor. Na prática, o que tem ocorrido, segundo as fontes, é que os árbitros fecham diretamente com os organizadores de corridas de rua, em vez de via FERAt, uma irregularidade que apontam existir há décadas, sendo um dos motivos da antiga federação ter sido extinta.
Segundo Maia, 120 árbitros atuaram nas competições de pista, campo e rua; e, para 2025, esse número já subiu para 450. Teoricamente, o trabalho deles seria voluntário, e as empresas organizadoras de corrida de rua deveriam bancar a ajuda de custo.
Em meio a esse cenário nebuloso, a Prefeitura do Rio baixou o decreto 55.420 no final do ano passado, no qual define regras para a concessão do alvará para as corridas de rua, regras estas já previstas para a obtenção do permit.
Para a Prefeitura carioca, o que determina o Código Nacional de Trânsito e a Lei Geral do Esporte não "vale" para o Rio. Segue nota da Secretaria Municipal de Esportes: "Sobre o permit, para a Prefeitura fluminense há o entendimento de que ele é mais um acerto entre o organizador da prova com a Federação local ou a Confederação do que propriamente com a Prefeitura. O alvará para o evento só é concedido mediante a comprovação de que a corrida tem toda a estrutura e os documentos necessários, como ART da estrutura com a planta da Arena, liberação dos Bombeiros (DGDP), número do Processo de Publicidade, Licença Sanitária (IVISA), do Iphan (dependendo do local), equipe médica completa, equipe de limpeza e postos de hidratação. A Prefeitura também realiza reuniões semanais com todos os entes envolvidos na realização das provas, como Cet-Rio, Bombeiros e Guarda Municipal, para garantir que toda a operação seja realizada com segurança. O permit, na verdade, é uma chancela do órgão maior esportivo para tornar a prova oficial, no sentido da homologação dos tempos."
ENTENDA O QUE É O PERMIT
O permit é o selo dado por federações estaduais e pela CBAt; que garante, entre outras coisas, que a corrida terá ambulância, médicos, hidratação, a distância correta, banheiros suficientes, que nenhum carro vai entrar no trajeto e atropelar os corredores, que a largada será bem feita, e vai checar os primeiros 20 homens e mulheres que cruzarem a chegada, se são realmente as pessoas que estão inscritas; e se a cronometragem foi correta. O permit Ouro custa até R$ 10 mil; o Prata, até R$ 9 mil; e o Bronze até R$ 4.500, o último é o concedido pelas federações. A solicitação deve ser encaminhada a 70 dias da corrida. Se as regras não forem cumpridas na corrida, o permit poderá não ser concedido para uma próxima edição. E é a federação que estabelece quantos árbitros devem ir, e o organizador tem que pagar para a federação uma taxa estipulada pela CBAt para o pagamento da ajuda de custo desse profissional.
IRREGULARIDADES
Vale lembrar que, em 2021, a Federação Estadual de Atletismo do Rio foi extinta devido a várias impropriedades, como não dar entrada no caixa da entidade, sem fins lucrativos, dos recursos pagos pelos organizadores pelos permits, e os árbitros negociarem diretamente sua participação nas corridas com os organizadores. No lugar dela nasceu a FERAt com o discurso de choque de gestão e coibir qualquer tipo de irregularidade.
Na prática não é bem isso que acontece. A votação da prestação de contas de 2021, por exemplo, foi feita apenas em fevereiro de 2025, após nosso contato. Por meio do documento de emissão dos 15 permits, emitidos em 2023, mais o repasse de quatro permits da CBAt, o valor total destinado à FERAt nesse ano foi R$ 47.800. Mas a relação divulgada dos permits de 2024 não contempla os valores pagos pelos organizadores. Em 9 de janeiro deste ano, a FERAt publicou um memorando no qual determina que as diretrizes para a reorganização das corridas, a partir de janeiro, seguirá as regras da CBAt: será a Direção de Arbitragem que vai ser a responsável para escalar os árbitros, e que o primeiro passo é a solicitação do permit.
A CBAt determina que "cabe à respectiva Federação Estadual de Atletismo a indicação de árbitros para atuar na corrida, com a função específica de acompanhar a largada, percurso e chegada, sendo estes responsáveis pela classificação dos vencedores e seus tempos individuais oficiais e até os 20 primeiros atletas por gênero, da elite, quando houver, ou dos amadores, em conformidade com tempos cronometrados pela equipe de arbitragem da Federação."
Em São Paulo e na maioria dos estados são as federações que dão o aval para as corridas acontecerem, como estabelece a lei. Em São Paulo, antes de dar o permit, a federação avalia 50 critérios da corrida. Dado o aval, analisa novamente os 50 critérios durante a prova, e destaca o que deve ser melhorado em outras edições. O relatório dos árbitros é disponibilizado no site da federação, com todos os dados: https://atletismopaulista.com.br/corrida-de-rua/eventos
Aliás, o modelo paulista de gestão da FPA era o que FERAt adotaria. A entidade chegou a marcar reuniões com a irmã paulista em 2022, que abriu o caminho para isso, mas as tratativas nunca evoluíram.