Ronaldo da Costa tinha programado uma turnê de março a novembro, passando por mais de 30 cidades, onde faria palestras e comandaria treinões em celebração aos 22 anos da conquista do recorde mundial da maratona, quebrado por ele em Berlim, em 20 de setembro de 1998. Os inscritos nos eventos iriam receber uma réplica da medalha da vitória. O tempo anterior durava dez anos, e o mineiro da cidade de Descoberto baixou 45 segundos, cruzando a linha de chegada com 2:06:05. A marca continua sendo o recorde brasileiro e sul americano dos 42 km. E para se manter durante a pandemia, o campeão tem feito rifas online dessas réplicas. Cada número custa 10 reais. O sorteio é neste sábado, 12 de setembro, às 23h59. Quem participar da rifa ainda terá mais uma chance, Ronaldo vai fazer um sorteio no Instagram na semana que vem. E é possível também comprar uma das réplicas a 30 reais, cada, mais o frete. "Sabemos que vivemos um momento difícil, mas se comprar um número já está ótimo", diz Ronaldo.
"Dia 6 de março rolou o primeiro treinão e deu tudo certo. No dia 13 e março estávamos na Maratona das Praias em Recife, conseguimos fazer o treinão, mas logo depois o mundo parou. Fiz esse investimento, das réplicas da medalha e da caneca, minha mulher está grávida, a Liz deve chegar até o fim deste mês. E tive a ideia de começar a rifar as medalhas e está dando certo, graças a Deus. A rifa está no site RifaTech.
Ronaldo e a esposa Edileuza Ribeiro são professores de Educação Física. Estavam para assinar um contrato com os Correios no dia 23 de março, para dar aulas no programa Vida Ativa. E veio a pandemia. A primeira ajuda veio do pessoal de Assis, que fez uma corrida virtual para o Ronaldo, também para reforçar o orçamento e para ajudar no chá de fraldas da Liz. "Quem quiser comprar a réplica das medalha custa 30 reais e é só entrar em contato comigo via DM, entregamos para todo o Brasil". O perfil é @ronaldodacosta20605
Seu rosto estampou a medalha da Maratona de Berlim de 1999 e você nem ficou sabendo. Como descobriu?
Ronaldo da Costa - Há três anos fui fazer um bate-papo em Curitiba, a convite de uma assessoria esportiva, e chegou um senhor chamado Monteiro. Ele chegou com duas medalhas na mão. Eram medalhas da Maratona de Berlim e traziam meu rosto. Ele explicou que fez questão de ir correr em 1999, pois sabia que eu não iria, só para me trazer a medalha com meu rosto. Ele disse: esperei todos esses anos para te entregar esta medalha em mãos. Fico todo arrepiado só de lembrar. Não acreditava. Estava meu nome e meu rosto. Não voltei para Berlim em 1999 porque o empresário quem escolhia as competições. Mas voltei em 2013 e assisti a quebra do recorde feita por Wilson Kipsang (2:03:23). E em 2018, a galera da Record e da Adidas me levou para participar de um desafio para correr junto com o repórter. Corri sem treinar. Sofri muito, fiz 4 horas e 3 minutos - sofrendo. É melhor treinar forte para bater o recorde do que concluir uma maratona sem treinar. E preparam uma homenagem linda para mim no Portal de Brandemburgo - chegou Paul Tergat, Eliud Kipchog e atletas alemães. Tinha um banner enorme com meu retrato. O diretor da Maratona de Berlim agradeceu tudo o que eu havia feito pela competição, que depois da minha vitória ela entrou no hall da fama das maratonas. Ele disse que minha vitória foi um divisor de águas. E ganhei um presente também. Nem imaginava isso. Fiquei muito feliz.
Seu tempo em Berlim continua sendo o recorde brasileiro e sul americano.
Ronaldo da Costa - Pois é. O único que chegou perto da marca se chama Marilson Gomes dos Santos, e foi na Maratona de Londres em 2011. Eu estava torcendo para isso. Recorde é para ser batido. Sabia que o momento dele era aquele, se não fosse lá não seria mais. Mas não rolou. Ele chegou bem perto da minha marca. Ele fez 2:06:34 (RP). Quebrei o recorde mundial na minha segunda maratona. O recorde durava dez anos e vem um brasileiro e quebra.
Você começou a trabalhar com 7 anos na roça, em Descoberto (MG)?
Ronaldo da Costa - Isso mesmo, era da escola para roça, ajudar meus pais na plantação de arroz, feijão, milho. Eu e meu irmão Romildo (gêmeo). Para mim nada foi fácil na vida e aprendi muito. Era o caçula de 11 irmãos. Minha mãe, a Dona Efigênia, que me incentivou. Minha primeira corrida foi em 1987, eu trabalhava na prefeitura, onde entrei com 12 anos. Vi um cartaz na porta da prefeitura: 1ª Corrida de Descoberto, aniversário da cidade. Tinha prêmio e me animei - 1.500 cruzeiros. Nunca tinha corrido antes na vida, gostava de capoeira e futebol. Treinei 15 dias e fui. Foram 10km, cheguei em segundo lugar - fechei com 40 minutos. O campeão era adulto, já corria bastante. Meu irmão foi o terceiro. Depois não parei mais de participar das corridas da região. Tinha uma empresa de máquina de escrever, a Facit, que me convidou para trabalhar em Juiz de Fora. Mas com esse trabalho não dava tempo para correr. Falei para minha mãe que iria parar de correr. Ela, que não sabia nem ler nem escrever, me aconselhou a voltar para Descoberto, que daria tudo certo. E deu. Comecei a ganhar todas as corridas. Entrei para o ranking de corridas de Juiz de Fora, ele existe até hoje. Lá tinha um grupo da elite, que corriam 10k em 29 minutos. E meu primeiro treinador foi o Jeferson Viana e depois fui para a Pé de Vento, no Rio. Fui um dos primeiro a treinar em altitude na Colômbia, aliás foi ser homenageado lá na semana que vem. Também corri muito nos Estados Unidos. Em 1994 fui Bronze no Mundial de Meia Maratona da Noruega. E em 31 de dezembro de 1994, venci a São Silvestre. Um calor absurdo, largamos às 17h, Se tivesse mais 20 metros acho que perdia, quando vi o público na Paulista me animei. Fazia nove anos que o Brasil não vencia. Em Descoberto fui recebido com festa, desfilando no carro de Bombeiros. Naquela época corria seis corridas por mês e mudei de treinador, sonhava com a Olimpíada. Fui treinar com Carlos Alberto Cavalheiro, e comecei a competir em pista, que é muito mais difícil que no asfalto.
De que forma a corrida te transformou como pessoa?
Ronaldo da Costa - Se não fosse a corrida não teria histórias para contar porque vim de uma família complicada. O esporte dá equilíbrio, você tem que estar focado, ter disciplina, independentemente se é do alto rendimento ou não. Eu e meu irmão gêmeo treinamos juntos um ano. Mas ele escolheu outro caminho, começou a namorar, saia para beber e começou a usar drogas. Inclusive tenho uma marca no meu pulso de um dia que fiquei com muita raiva dele, que me roubou. Para eu não bater nele soquei a porta. O esporte me ajudou muito, tive oportunidades. O esporte transforma as pessoas. Tive um caminho de vitórias. Não só no esporte, de vitória para a vida. E tenho que agradecer muito ao Joaquim Cruz que me deu aqui uma oportunidade de trabalho no Instituto dele. E tive a chance de trabalhar e estudar, eu só tinha até ensino fundamental 2. Fiz o EJA e me formei em Educação Física. Após a Olimpíada, o Instituto foi fechado. O Brasil tem dinheiro, mas é mal distribuído. Tem que ter uma gestão que faça acontecer. Tem que investir nas crianças, nos jovens. Que adianta ter o melhor estádio de futebol do mundo se não há investimento nas crianças?
Confira a entrevista completa no link abaixo
https://www.instagram.com/p/CE-Se_GHuXC/
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