Desabafo de um campeão

Cafu: jogador de futebol; lateral se diz desiludido com o futebol, espera (com um pé atrás) jogo de despedida pela seleção e quer atuar mais um ano

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Enquanto Kaká tornava seus pés imortais no Hall da Fama do Maracanã, na semana passada, o jogador que mais vestiu a camisa da seleção brasileira, até mesmo em Copas do Mundo, sonhava com a chance de voltar a usá-la pela última vez em uma partida de despedida depois de 18 anos de convocações. Mas tem sérias dúvidas se receberá essa homenagem. Ainda reflexo do fracasso no Mundial de 2006, na Alemanha. Aos 38 anos, Cafu está desencantado. Primeiro, com a morte de seu pai e maior incentivador da carreira, Célio de Morais. Depois, com a falta de reconhecimento do seu amado Jardim Irene, que tornou conhecido no mundo inteiro ao levantar a taça da Fifa em 2002, no Japão. A luta para criar a Fundação Cafu sem auxílio público entre favelas da carente e violenta região do Capão Redondo - e levar saúde e educação a crianças - foi esquecida na recente eleição. Cafu fez campanha para seu irmão. Tinha certeza de que o colocaria na Câmara Municipal para lutar pela esquecida área da periferia paulistana. Mas a população lhe virou as costas. Maurício "Cafu" teve míseros 2.355 votos pelo Partido da República em um universo de 250 mil habitantes do Capão Redondo. Cafu havia recusado proposta para sair ele mesmo candidato à Prefeitura de São Paulo. O futuro do capitão do penta dentro do campo está indefinido. Tem proposta do Santos, do Barueri e de um clube dos Estados Unidos. Sondagens de Palmeiras, Corinthians e Portuguesa. Mas a camisa que amou na infância, a do São Paulo, vestirá em um torneio de showbol - até para mostrar que está em forma. Fora dos gramados já sabe: criará um centro de treinamento "sério". Em que os "testes serão de verdade, ficarão os meninos de talentos e não os protegidos de empresários e parentes de dirigentes como acontece na maioria dos clubes brasileiros". E blindado contra pedófilos, seu grande medo em relação aos filhos. Você ficou decepcionado com a falta de apoio da população do Jardim Irene ao seu irmão Maurício nas eleições? Sim, muito. Todos me conhecem na região do Capão Redondo e sabem que nós construímos a Fundação Cafu para as crianças carentes. Lutei para que meu irmão fosse eleito (vereador), porque ele iria brigar por novos projetos sociais para a região onde crescemos. Fiquei desiludido com a falta de visão das pessoas. Se conseguimos atender gratuitamente crianças carentes na Fundação Cafu, imagine o que poderíamos fazer pelo Jardim Irene se tivéssemos o apoio da Câmara? Não entendi e nem quero entender porque essas pessoas não quiseram se ajudar. Qual a visão que ficou da política? Você recebeu convite para se lançar como prefeito de São Paulo? Sim. Fui convidado para competir pela Prefeitura, mas disse não no ato. Talvez possa fazer algo pela cidade no futuro. Tenho proposta para sair como deputado federal. Mas não gostei do que vi até agora da política. É um mundo complicado, estranho. Sou uma pessoa que tem a vida limpa, transparente. Fiquei incomodado com algumas coisas. Fiquei com uma impressão muito ruim. Em mais de 12 anos de Europa você virou uma espécie de embaixador do Brasil extra-oficial. É verdade que brigou muito para que as pessoas vissem o País de uma maneira melhor? Briguei muito. Porque a imprensa daqui gosta de mostrar desgraça e coisas ruins. As mesmas coisas acontecem na Europa, só que eles seguram mais esse tipo de informação. Esses países que posam de ricos acabaram de quebrar o mundo. A economia brasileira, que estava estabilizada, foi afetada. E depois só o Brasil é que é ruim? Briguei e vou brigar sempre por esse País. Nenhum estrangeiro vai me dizer que o meu País não presta. Só que o Brasil não está retribuindo essa dedicação, não é? Nem a CBF. Nem se fala em jogo de despedida para você. É por causa do vexame na Copa de 2006? Olha, eu só sei que apenas alguns jogadores foram crucificados por uma série de erros que não foram só seus. Foi uma seleção que não deu certo em vários aspectos. A decepção da população foi imensa, mas nós, atletas, sofremos muito também. Me dói até hoje falar. Não queria que uma vida de tantas conquistas pela seleção ficasse marcada pela perda da Copa da Alemanha. A minha carreira não merece isso. Fui perseguido por alguns órgãos de imprensa com os quais não quero falar nunca mais na minha vida. Não adianta insistir. Esses jornalistas não sabem o mal e a tristeza que criaram para mim e para a minha família. Você ganhou duas Copas do Mundo, chegou a três finais, venceu Copa América, Copa das Confederações. Pelas suas contas são 152 partidas com a camisa da seleção (a CBF contabiliza 149). Não vai ter um jogo de despedida? Ah... É o que mais quero. Vestir a camisa da seleção pela última vez diante da torcida brasileira é um sonho. Só que não depende de mim. Sinceramente, não sei se vai acontecer. Não quero me iludir e nem pedir nada para ninguém. E vou ser sincero: se alguém acha que eu mereço homenagem faça enquanto eu estiver vivo. Acho péssimo esperar a pessoa morrer para reconhecer o que ela fez. Isso eu dispenso. E em relação à seleção brasileira do Dunga? Que sentimento você tem? Muito orgulho. É a minha geração no poder. Ele e o Jorginho têm enorme identificação com a seleção. Já viveram todo tipo de situação. Eles estão ganhando experiência rapidamente. E os resultados são satisfatórios. Ou o Brasil não ganhou a Copa América e não está em segundo nas Eliminatórias? O Brasil está crescendo e vai chegar bem à Copa. Tenho certeza. As críticas vão sempre acontecer, porque nenhuma seleção tem tempo para trabalhar. Os compromissos com os clubes não permitem. Mas confio no Dunga, no Jorginho e no talento brasileiro. Você está treinando muito sozinho. Vai voltar a jogar? Eu sofri com a morte do meu pai em junho. Ele foi a pessoa que mais brigou no mundo para que eu fosse jogador. Perdi grande parte da alegria que tinha ao entrar em campo e saber que ele estava me vendo. Minha mãe também está doente. Tudo está muito triste, mas eu ainda acredito que possa jogar a minha última temporada e me despedir. Tenho algumas propostas (Santos, Barueri e uma equipe dos Estados Unidos, além de sondagens de Palmeiras, Corinthians e Portuguesa). Antes vou jogar o Brasileiro de showbol pelo São Paulo. Mas o showbol não é um lugar para ex-jogadores, barrigudos? Não. Eu tenho visto, e tem muita gente bem fisicamente. Estou ótimo. É um esporte disputado, agradável. Vou levar a sério. Quem estiver do meu lado vai ter de correr. Eu quero ganhar esse torneio. Você tem preferência por encerrar sua carreira por algum clube? Sinceramente, não. Sou profissional e descobri que os clubes também são profissionais. Se eu me sentir bem para jogar em 2009, voltarei pelo clube que me fizer a melhor proposta e me der estrutura. Pretende ser treinador? Não sei. Me atrai muito ter a chance de comandar uma equipe. Se decidir, vou começar como auxiliar-técnico. Quero pegar todas as manhas, entender o processo. Mas eu tenho certeza de que vou criar um centro de treinamento para descobrir garotos e vender aos clubes. Isso já está decidido. Por que centro de treinamento? Porque eu quero fazer uma coisa séria. Os testes serão de verdade, em que ficarão os meninos de talento e não os protegidos de empresários e parentes de dirigentes como acontece na maioria dos clubes brasileiros. Eu fiz nove testes no São Paulo. Fiz na Portuguesa, no Palmeiras, no Corinthians. Não eram testes sérios. O maior exemplo ocorreu quando eu fui para o Atlético-MG e o treinador saiu sem nem ver a minha peneira. Sem ver, ele resolveu dispensar todo mundo. Isso não vai acontecer comigo. E qual a sua outra preocupação em relação aos jovens jogadores do seu CT? Que pessoas sérias cuidem deles. Eu morro de medo dessa história de pedofilia. Que tem em todo o lugar. Se existe na Igreja, por que não teria no futebol? Tenho filhos e não ficaria tranqüilo de colocá-los em qualquer clube para morar e treinar. No Brasil e em qualquer lugar do mundo. O assédio a meninos virou uma epidemia e as pessoas não percebem ou fingem que não enxergam. PRINCIPAIS TÍTULOS Pela seleção Bicampeão da Copa do Mundo (1994 e 2002) Bicampeão da Copa América (1997 e 1999) Copa das Confederações (1997) Em clubes Tricampeão Mundial (1992 e 1993 pelo São Paulo e 2007 pelo Milan) Campeão da Copa dos Campeões da Europa (2007 no Milan) Bicampeão da Libertadores (1992 e 1993 pelo São Paulo) Bicampeão Italiano (Roma 2001 e Milan 2004) Tricampeão da Supercopa Européia (1995 pelo Zaragoza e 2003 e 2007 pelo Milan) Campeão Brasileiro (São Paulo, em 1991) Tetracampeão paulista (1989, 1991 e 1992 pelo São Paulo e 1996 pelo Palmeiras)

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