A japonesa Liz Akama, de apenas 15 anos, foi medalhista de prata na disputa do skate street durante os Jogos Olímpicos de Paris-2024, abaixo da campeã e compatriota Coco Yoshizawa e acima de Rayssa Leal, que ficou com o bronze. Mesmo assim, acredita não estar no mesmo nível da brasileira, especialmente em questão de popularidade e influência.
“O skate está crescendo no Japão, principalmente o street. Eu não sou tão boa quanto a Rayssa, mas quero ser um pouco mais como ela no futuro para inspirar as pessoas”, afirmou a skatista japonesa em breve conversa com o Estadão no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, onde disputou o Super Crown, etapa decisiva da Street League Skateboarding (SLS), a liga mundial de skate.
Filha de surfista e skatista desde os sete anos, Akama é um dos muitos nomes japoneses que brilham no street feminino, parte de uma geração que aproveitou boom do esporte após a inclusão nas Olimpíadas, justamente nos Jogos de Tóquio disputados em 2021. O crescimento do esporte no país oriental começou alguns anos antes, por volta de 2013.
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Existia uma cena local de skatistas japoneses, pavimentada ainda nos anos 1970, mas eles dificilmente competiam foram do Japão. Pontualmente, o país tinha eventos como a Lotte Cup, competição de freestyle que recebeu a lenda americana Rodney Mullen em 1989.
Nos anos 2000, o ponto mais forte da cultura do skate japonês era a produção de vídeos dentro do nicho underground do esporte, que tinha como protagonistas o grupo Osaka Daggers e skatistas como Gou Miyagi e Takahiro Morita. Ali, explorava-se a criatividade e a estética própria do esporte de rua.
A relevância mundial do Japão nesses tempo não se comparava com a do próprio Brasil, por exemplo, que evolução rápida desde os pioneiros Ibiraboys até a criação de grandes estrelas em diferentes vertentes do skate. De Bob Burnquist e Mineirinho no vert a Ferrugem no street, passando por novas fases com protagonismo feminino de Karen Jonz e, um pouco mais tarde, Letícia Bufoni.
O nível competitivo atual atingido pelo skate do Japão começou a ser construído por volta de 2013, com a ascensão do na época adolescente Yuto Horigome. Mais tarde, ele se tornaria medalhista de ouro nos Jogos de Tóquio e de Paris.
“Acho que a maré virou nas Olimpíadas de Tóquio, mas a raiz do motivo pelo qual Yuto conseguiu ganhar uma medalha de ouro nas Olimpíadas pode ser encontrada há 10 anos, em 2013, quando ele se juntou à minha marca”, disse Hayakawa Daisuke, treinador de Yuto, em entrevista recente ao Olympics.com.
“Yuto disse que queria ser um profissional de classe mundial e, a partir daí, colocou em prática o que pregava, fez o que era preciso. Até então, os patinadores profissionais japoneses nunca se aventuravam fora do país e estavam contentes em apenas serem profissionais no Japão. Por muito tempo, foi muito difícil competir internacionalmente para um japonês,” concluiu.
Ao longo dos últimos anos, mais skateparks foram construídos no país asiático, inclusive em cidades do interior. Até mesmo uma escola de ensino médio voltada à formação de skatistas foi fundada em Tóquio, em 2017, um ano depois de o esporte ser incluído na Olimpíada. Um indício de que a prática não era mais vista como algo rebelde.
Sempre elas
Hoje, o que se vê quando se olha para o skate competitivo japonês, principalmente o feminino, são atletas mirins ou adolescentes. Para o brasileiro, virou rotina ligar a televisão para assistir a Rayssa Leal nas competições e a ver disputar o pódio com grande maioria de rivais japonesas.
Foi esse o cenário durante o Super Crown, em São Paulo. Liz Akama, Rayssa e a australiana Chloe Covell chegaram à etapa já garantidas nas finais. Na fase preliminar, classificaram-se à decisão as compatriotas de Akama: Coco Yoshizawa (ouro em Paris), Momiji Nishiya (ouro em Tóquio) e Yumeka Oda.
O pódio foi composto com a brasileira em primeiro lugar, Yoshizawa em segundo e Oda em terceiro. Assim como nas Olimpíadas, a maranhense de 16 anos dividia o topo com japonesas, mas desta vez em primeiro lugar. Chama a atenção que, a cada competição, são diferentes os nomes das estrelas do Japão que se destacam. Há rotatividade e muita competitividade.
Apesar da cultura de companheirismo vista no skate, as japonesas deixam claro nas entrevistas que, acima de tudo querem vencer, mas sem arrogância. Tímidas, Akama e Oda receberam o calor do público brasileiro com sorrisos durante uma sessão de autógrafos no Ginásio do Ibirapuera, um dia antes da grande final do Super Crown. Assinaram shapes, tênis e pôsteres.
Entender por que tantas compatriotas se destacam no skate é fácil para elas. A resposta quando questionadas sobre isso é bastante prática e objetiva. “Acho que a quantidade de treino que a gente faz é o que temos de diferente”, diz Oda. “Somos muito dedicados em treinar e temos apoios importantes, como do time Japão”, completa Akama.
Embora Akama pense que ainda há um longo caminho a percorrer para influenciar as crianças japonesas como Rayssa influencia brasileiras e até estrangeiras, é fato que o desempenho japonês do skate tem dado mais visibilidade ao esporte no país. “Depois das Olimpíadas, como a gente conseguiu muitos resultados bons, a popularidade do skate aumentou no Japão”, afirma Oda.
A disciplina e a humildade não impedem as estrelas do skate japonês de serem carismáticas. A campeão olímpica Momiji Nishiya, por exemplo, já foi capa da versão japonesa da Vogue, tradicional revista americana de moda e estilo de vida.
Durante as competições, as japonesas arrancam vibrações da plateia não apenas pelas manobras, mas por seus estilos e personalidade. Que o diga Aoi Uemura, que conquistou o Ibirapuera ao continua competindo na preliminar do Super Crown mas após se machucar em uma queda feia que a deixou no chão por alguns minutos. A cada manobra, certa ou errada, ela tirava aplausos do público paulistano.
Os japoneses estão mostrando no skate o quanto são bons em flertar com a perfeição quando assimilam sua cultura a diferentes práticas vindas de outros locais, sem deixar de se adaptar a tudo o que é necessário para entender as origens dessa áreas.
“Eu costumava pensar que era o senso japonês de aprender e refinar o que outras pessoas fazem. É mais sobre respeito. Eles respeitam as oportunidades que lhes foram dadas. Eles respeitam os treinadores, respeitam a cultura do skate”, diz Niall Neeson, da World Skate, a associação mundial de skate .“A questão sobre o Japão é que o Japão enxerta escolas em outros movimentos. Há escolas japonesas em arte. Há escolas japonesas em jazz. E há escolas japonesas em skate.”
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