O motorista de aplicativo Janilton Santos, de 50 anos, ajeita o celular para tentar gravar alguma imagem de dentro do ginásio Bonifácio Cardoso, em Guarulhos. Quer uma lembrança do primeiro treino da filha, Laura Vittoria, no programa de iniciação da ginástica artística do município. Depois de ficar “doida” – palavra dele – com as conquistas de Rebeca Andrade nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a menina de oito anos pediu para treinar. E o pai levou.
Com algumas variações, o roteiro vivido por Janilton e Laura se repete centenas de vezes na retomada das aulas presenciais de ginástica da prefeitura de Guarulhos. Desde que as aulas recomeçaram, no início de setembro, os professores registraram 330 novas inscrições. Isso significa que o programa dobrou de tamanho – antes da pandemia, eram cerca de 300 alunos. De acordo com o poder municipal, o programa conta com cerca de 600 crianças e adolescentes entre seis e 17 anos. A grande maioria é de moradores da região, outros bairros e até da zona norte de São Paulo.
“Devido à grande procura, foram abertas novas turmas neste semestre, adequando da melhor forma para atender o máximo de crianças possível. Hoje, conseguimos ampliar o atendimento criando 16 novas turmas, com cerca de 250 novas vagas no ginásio Bonifácio Cardoso e cerca de 100 novas vagas no Sesi (Projeto Atleta do Futuro)”, informou a prefeitura ao Estadão.
Por conta do aumento da demanda, os professores decidiram criar um sistema de rodízio entre os alunos. Alguns iniciantes têm aulas uma vez a cada 15 dias. Aqueles que demonstram maior aptidão vão se encaixando em grupos com uma frequência maior, com treinos duas vezes por semana. Em geral, cada turma tem 15 alunos.
O acesso principal fica cheio de pais e mães no horário do início das aulas – a entrada no ginásio não é permitida para evitar aglomerações. “É o efeito Rebeca”, resume a professora Rosana Marques de Araújo, coordenadora do programa de ginástica e uma das primeiras ginastas da cidade.
“Efeito Rebeca” é a influência positiva que as conquistas olímpicas da ginasta formada ali, naquele mesmo ginásio, exerce sobre as crianças. Como homenagem, a imagem da ginasta que em Tóquio conquistou a prata no individual geral e o ouro na prova de saltos, virou um enorme mural na parede principal. As meninas treinam olhando para Rebeca. “A gente esperava uma procura maior pelas aulas por causa das medalhas, mas não que fosse tanto assim”, diz Monica dos Anjos, primeira professora de Rebeca e técnica da equipe de ginástica.
Com 9 anos, Valentina Araújo acordava cedo para acompanhar as competições de ginástica pela televisão na Olimpíada. Além disso, passou a ver vídeos de ginástica pelo celular. Aprendeu muita coisa vendo e imitando, sozinha. Depois de passar nos primeiros testes, a família vai ter de se virar para levá-la aos treinos. Na última quarta-feira sobrou para a avó, dona Jaqueline Araújo, que está de férias do trabalho numa empresa de ônibus. “Quando o pai disse que não conseguiria levá-la por causa do trabalho, ela ficou desesperada”, conta a avó.
Ana Clara Raposo Prado, de 7 anos, começou a se interessar pela ginástica depois de assistir ao filme Ritmo da vitória, que conta os desafios de uma ginasta de 14 anos para continuar sua carreira. A passagem da ficção para a realidade veio durante a Olimpíada. Ela acompanhou as competições junto com a família. Foi a faísca que faltava para que os pais fizessem sua inscrição.
“É uma satisfação e alegria ela poder treinar no ginásio, pois sabemos da qualidade dos profissionais. Mesmo com aulas agendadas a cada 15 dias, nós já estamos felizes”, diz a mãe, Fernanda de Barros.
Até quem já praticava ginástica ganhou um empurrãozinho com as conquistas de Rebeca. É o caso de Isis Alcantara dos Santos, que já havia sido aprovada na primeira avaliação, antes da pandemia. Ela fez apenas duas aulas antes do fechamento dos clubes e academias para conter a disseminação do novo coronavírus. A menina de seis anos é filha do ex-ginasta Adan Santos, integrante da equipe brasileira que foi medalha de prata nos Jogos Pan-americanos de 2007 no Rio. Ele competiu ao lado de Diego Hypólito.
“Eu sei que o esporte para crianças é de extrema importância para o seu desenvolvimento, mas o tempo pode dizer se ela terá gosto no futuro. Não vou pressionar, essa escolha será somente dela”, diz o pai, que hoje trabalha na área de Tecnologia da Informação.
Boa safra
O olhar dos especialistas do ginásio Bonifácio Cardoso na primeira seleção analisam o biotipo das crianças, força nos braços e nas pernas, coragem para fazer os exercícios e flexibilidade. Para eles, a “safra” de novos talentos é promissora. “Temos pelo menos 15 meninas que apresentam potencial”, afirma Monica dos Anjos. “A grande maioria dos alunos nunca teve contato com um aparelho de ginástica. São talentos e aptidões naturais”, completa Rosana.
Além do “efeito Rebeca”, o isolamento imposto pela pandemia também ajuda a explicar a grande procura pelas atividades presenciais, interrompidas desde o início do ano passado. O avanço da campanha de vacinação permitiu a retomada dos treinos em setembro. Em Guarulhos, o programa recebe crianças e adolescentes entre seis e 17 anos para democratizar o acesso à prática esportiva.
Modalidades como voleibol, basquete, futsal, futebol, ginástica artística, ginástica rítmica, judô, karatê, badminton, atletismo e kickboxing já voltaram às aulas.
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