Entenda a briga nos bastidores do skate brasileiro que explodiu a seis meses da Olimpíada

CBSk não aceitou fusão exigida por federação internacional e verá a representação olímpica da modalidade ser repassada a entidade de hóquei e patins

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Foto do author Bruno Accorsi
Atualização:

Uma das principais esperanças de medalha do Brasil nos Jogos de Paris-2024, o skate está envolvido em uma briga política, que teve como último desfecho a mudança da representação nacional da modalidade, pouco mais de seis meses antes da Olimpíada. Desfiliada da World Skate (WS), federação internacional reguladora do skateboarding e dos esportes sobre patins, a Confederação Brasileira de Skate (CBSk) não será mais a responsável por representar, apoiar financeiramente e preparar os skatistas do País no atual ciclo olímpico.

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Então, por qual entidade o skate nacional será representado a partir de agora? Até os Jogos de Paris, caberá ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) gerir os assuntos relacionados à modalidade. Depois disso, o plano é ter a Confederação Brasileira de Hóquei e Patins (CBHP) transformada em uma federação mais ampla, que abrigará o skate. Embora possa soar estranha a relação entre hóquei, patins e skate, este passo segue a lógica da própria WS, agregadora das variações desses esportes. Ao Estadão, o presidente do COB, Paulo Wanderley, afirmou que agendará uma reunião com skatistas para acalmar os ânimos e não deixar a preparação olímpica ser prejudicada.

Até chegar ao ponto da desfiliação da CBSk, o caminho foi de muitos desentendimentos. A World Skate decidiu, em assembleia realizada em 2019, que cada país poderia ter apenas uma entidade filiada ao seu quadro, e o Brasil tinha a CBSk e a CBHP. Entre alguns adiamentos, a regra só foi aplicada após 31 de dezembro de 2023. Antes disso, travou-se uma disputa nos bastidores, pois a WS queria a fusão das duas entidades, sugestão refutada pela CBSk, que sentiu sua autonomia ameaçada e adotou o discurso de manter o “skate nas mãos dos skatistas”.

Em um panorama mais amplo, a CBSk aliou-se a federações de outros países em um movimento que chamaram de “no merge” (sem fusão). Ao fim do prazo para a resolução dos conflitos entre as instituições nacionais, cinco países não tiveram acordos entre suas entidades: Brasil, Estados Unidos, Geórgia, Eslovênia e Turquia. A escolha da representação, então, foi feita pela WS, conforme determinado pelo estatuto da organização.

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Brasil faturou três medalhas em Tóquio, mas conquistas foram sucedidas por brigas políticas nos bastidores Foto: Julio Detefon/CBSK

POR QUE A WORLD SKATE TROCOU A CBSK PELA CBHP?

A disputa entre CBSk e CBHP se consolidou em 2017, quando, após o skate se tornar esporte olímpico, a Federação Internacional de Esportes sobre Patins se fundiu à Federação Internacional de Skate, culminando na criação da WS. Então, o COB teve de indicar uma entidade para representar os skatistas junto à nova entidade e chegou a escolher a CBHP, mas mudou de ideia e optou pela CBSk, na época presidida por Bob Burnquist, um dos maiores skatistas da história e fundamental nesse processo de convencimento.

Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, sob administração da CBSk, o skate brasileiro conquistou três medalhas de prata, com Rayssa Leal e Kelvin Hoefler no street e Pedro Barros no park. A nova determinação de representação única junto à WS, contudo, acabou desgastando a relação da entidade brasileira com a federação internacional e até com o COB.

A CBSk propôs continuar como representante brasileira na WS, usando como argumento o fato de comandar um esporte olímpico, diferentemente da CBHP, e prometendo dar espaço à entidade de hóquei e patins quando necessário.

“Os assuntos relativos à Olimpíada a gente entende que teriam de ser tratados pela modalidade que rege isso. A gente deu garantias por escrito que, quando o assunto fosse exclusivamente de outras modalidades, a gente passaria uma procuração ao representante da CBHP, que eles tivessem total autonomia para decisões, já que a gente não tem conhecimento da modalidade deles do mesmo jeito que eles não têm nenhum conhecimento sobre o skateboard”, diz Eduardo Musa, presidente da CBSk, ao Estadão.

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Ao comunicar a desfiliação, na quarta-feira, a WS criticou a CBSk por ter “recusado qualquer diálogo com a CBHP” e realizado uma “campanha difamatória na mídia contra a World Skate e suas regras”. O texto também destacou a falta de “intenção de se associar com a CBHP e demais esportes regidos pela World Skate” e disse que a proposta apresentada pela CBSk “não estava de acordo com as determinações, uma vez que previa manter duas entidades separadas sem criar uma organização guarda-chuva”.

A CBHP, por sua vez, aceitou se transformar na tal “organização guarda-chuva”, termo utilizado para se referir ao ato de agregar skate, hóquei e patins. Agora, terá até abril para estabelecer uma nova federação chamada “Skate Brasil”. Para ser aprovada, terá de provar à WS que tem condições para a criação do novo órgão, o que passa por conceder autonomia financeira e técnica a cada esporte e cumprir “todas as Cartas Mundiais de Skate e as Normas Olímpicas Nacionais relevantes”.

Ou seja, neste modelo, cada uma das 13 modalidades que serão representadas pela nova entidade, incluindo os olímpicos skate park e skate street, terá sua própria estrutura dentro do “guarda-chuva”. Os esportes originalmente representados pela CBHP, dentro do universo do patins e do hóquei, não fazem parte do programa da Olimpíada.

O QUE PENSA O COB?

Depois de tornada pública a desfiliação da CBSk, o COB se manifestou e disse que vai acatar a decisão da World Skate. Ou seja, até o fim dos Jogos Olímpicos de Paris-2024, atuará diretamente na gestão do skate, para dar respaldo aos atletas neste momento sem uma representação nacional oficial no cenário olímpico.

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“O Comitê Olímpico do Brasil (COB) recebeu ofício da World Skate (WS) informando que a Confederação Brasileira de Skate (CBSk) foi desfiliada após decisão tomada pelo comitê executivo da entidade. Com a definição, a CBSk não é mais a representante da modalidade no Brasil perante a federação internacional. Diante da informação dada pela WS, o COB criará uma força-tarefa para cuidar da preparação dos atletas brasileiros para os Jogos Olímpicos Paris 2024 e seguirá o planejamento definido anteriormente, com todo apoio aos classificados e aos que ainda buscam qualificação para o evento”, comunicou.

IMPASSE ATRAPALHOU PREPARAÇÃO DOS SKATISTAS, DIZ CBSK

Desde o início da disputa política, a CBSk teve o apoio dos principais skatistas do Brasil, como Rayssa Leal, Pedro Barros e Giovanni Vianna, que chegaram a se manifestar publicamente contra a fusão. A visão da entidade, segundo o presidente Eduardo Musa, é de que a CBSk se tornaria apenas uma “diretoria” da CBHP. “A CBSk é muito mais organizada. Com todo o respeito às modalidades (da CBHP), mas eu estou falando da entidade”, defende.

Além de apontar a falta de conhecimento da CBHP sobre o skate, a CBSk questiona como a federação de patins e hóquei terá acesso às verbas públicas destinadas ao skate sem os certificados 18 e 18-A, emitidos pelo Ministério do Esporte de acordo com regras de gestão. Esses certificados autorizam a captação de recursos e terão de ser providenciados pela CBHP para concluir a criação da nova federação.

“A CBHP está proibida de receber recursos públicos, a CBSk, com base em critérios técnicos e objetivos, é a líder do ranking de prestação de contas do COB. Sobre o orçamento do Skateboarding Olímpico para 2024, é importante destacar que foi a CBSk e seus skatistas que conquistaram o 4º maior orçamento deste ano dentre as confederações olímpicas filiadas ao Comitê Olímpico Brasileiro. A CBSk celebrou um contrato com o COB tratando da utilização desta verba, ou seja, existe um negócio jurídico vigente e que deve ser respeitado por ambas as partes”, argumentou em nota oficial.

Segundo Musa, o impasse foi prejudicial para a preparação dos skatistas brasileiros que estão na corrida olímpica. “Não tivemos nenhuma atividade em janeiro, porque não tenho como programar se vou ter verba ou não para isso. A gente tem o orçamento que foi conquistado pela CBSk, não é presente do COB, não é benefício nenhum, é um orçamento conquistado pelos parâmetros, resultados dos skatistas mais a gestão da CBSk, só que a gente não tem liberdade para fazer o planejamento e poder utilizar, se amanhã eu for desfiliado”, afirmou o presidente um dia antes da desfiliação.

CBHP SE VÊ EM CONDIÇÕES DE COMANDAR O SKATE

Frente aos apontamentos da CBSk, a CBHP se vê preparada para incluir o skate entre suas responsabilidades. Quanto aos questionamentos a respeito da falta de conhecimento sobre o skateboarding, Moacyr Neuenschwander, presidente da CBHP, diz que tem skatistas ao seu lado para auxiliar no processo de fusão, mas não quis revelar nomes.

“Sim, mas me reservo o direito de não mencionar nomes para que todos os que já estão a bordo tenham tranquilidade para seguir executando suas funções”, disse o dirigente ao Estadão ao ser questionado se há alguém do meio do skate envolvido no projeto. “A CBHP mudará o nome para Skate Brasil e a estrutura será basicamente a mesma: Comitês Técnicos para cada uma das modalidades, com autonomia técnica, financeira e administrativa”, concluiu.

Segundo Moacyr, os problemas referentes ao certificados para obtenção de verba pública também já estão sendo solucionados, “Juntamos toda a documentação pertinente e demos entrada no solicitação da Certidão”, afirmou. O presidente da CBHP discorda da afirmação de que a mudança repentina de representação tenha prejudicado a preparação dos skatistas brasileiros para a Olimpíada.

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“Isto não condiz com a verdade. Acima das Confederações existe o garantidor do olimpismo: o COB, que assumirá a gestão da Delegação (atletas e staff) assegurando que a preparação não sofrerá nenhum prejuízo de qualquer tipo e proporcionando todas as condições para que se classifiquem e tenham seu melhor desempenho nas olimpíadas”, argumentou.

WORLD SKATE REBATE CRÍTICAS DA CBSk

A CBSk defende que a decisão pela exclusão “foi tomada de maneira arbitrária, carregada de teor político e cercada por irregularidades”. Afirmou também que “o próprio estatuto da Federação Internacional indica que a entidade máxima do esporte no país deve ser consultada sobre o tema, o que não aconteceu”.

O entendimento da entidade é que a maior autoridade esportiva do Brasil é o Ministério do Esporte. Embora a pasta não possa interferir no COB, a CBSk buscou o apoio do ministro André Fufuca, que deu parecer favorável à continuidade da confederação como representante olímpica do skate.

A World Skate rebateu os questionamentos da entidade brasileira, aos quais chamou de “enganosos”, e disse ter agido de acordo com as regras estabelecidas por seu próprio estatuto, aprovado em assembleia com a participação da CBSk, em 2019. Também criticou a postura adotada pela entidade brasileira até o fim do prazo para a resolução do conflito com a CBHP.

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“Durante um período de quatro anos e cinco meses, a World Skate tem solicitado repetidamente aos países com mais de uma Federação Nacional que cumpram os Estatutos. A este respeito, a World Skate esclarece que a decisão não foi tomada de forma arbitrária, mas sim de acordo com as regras estabelecidas no artigo 3º dos Estatutos da World Skate, aprovados pelo Congresso em 2019″, diz a WS.

A federação internacional cita os artigos do estatuto que tratam do assunto para mostrar as opções que estavam ao alcance das duas entidades brasileiras. Se não a fusão, poderia ser criada uma organização representativa, incluindo entidades separadas com autonomia financeira e de tomada de decisão, considerada como o único órgão nacional.

Também é destacado o artigo 3.4, que dá à World Skate o direito de escolher o representante de cada país no caso da falta de acordo entre as entidades envolvidas, como ocorreu no Brasil. “Não tendo conseguido chegar a acordo entre as duas federações, CBHP e CBSK, nos prazos fixados, e considerando que a proposta da CBSK não cumpria o paradigma estabelecido pela World Skate, teve em consideração a proposta da CBHP”, explica a entidade.

A World Skate rebateu ainda os argumentos da CBSK relacionados às leis brasileiras.. “Ressaltamos ainda que as leis nacionais que regem a existência jurídico-administrativa de uma entidade privada nada têm a ver com as regras da World Skate e da Carta Olímpica que determinam o reconhecimento e estatuto desportivo a nível internacional e nacional da referida entidade privada.”

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