A decisão dura e sem precedentes do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil (COB) de suspender a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em decorrência das ações envolvendo o oposto Wallace deve ser sentida no bolso da confederação, que pode perder cerca de R$ 36 milhões. O atleta foi suspenso por cinco anos como punição por postagem em que ele sugeriu um tiro na cara no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Num movimento inédito e que pegou de surpresa dirigentes do COB e da CBV, o despacho do CECOB, assinado pelos conselheiros Ney Bello Filho, Sami Arap, Humberto Aparecido Panzetti e Guilherme Faria da Silva, determina o corte de repasses do comitê destinados à confederação por seis meses.
A confederação fica suspensa por seis meses do movimento olímpico. Na prática, não pode desde terça-feira, 2, dia em que foi publicada a decisão do CECOB, ter qualquer tipo de apoio do COB, seja financeiro, logístico ou operacional - isto é, a punição se refere também à cessão de espaços físicos, material humano, auxílio tecnológico ou de know how.
A entidade que comanda o vôlei nacional perdeu os patrocínios públicos e também ficou impedida de receber verbas federais, repassadas pela lei Agnelo Piva e pela lei das Loterias. O CECOB recomendou que os recursos privados também sejam suspensos.
Por meio da Lei Agnelo Piva, o COB repassa verba das loterias a todas as confederações olímpicas do País. Levando em conta uma série de fatores, dentre eles desempenho em competições mundiais e Jogos Olímpicos e transparência na gestão, cada uma das entidades recebe um valor anual. Em 2023, a CBV tem direito a R$ 9,8 milhões. Como a suspensão é de seis meses, a confederação deve deixar de receber cerca de R$ 4,8 milhões.
Além disso, o CECOB afirmou que enviou ofício pedindo para que o Banco do Brasil, patrocinador de todas as seleções da modalidade, cancele “todo relacionamento patrimonial ou não patrimonial que as entidades privadas possuam com a CBV e que tenha por pressuposto a participação da entidade no sistema olímpico, cujo vínculo deixa de existir na presente data”. O contrato atual entre a instituição financeira e a confederação, firmado no meio de 2021, é de R$ 248 milhões por quatro anos. Considerando todas as punições, a CBV pode perder cerca de R$ 36 milhões.
Outro acordo que poderá ser suspenso é o da entidade máxima do vôlei no país com a Riachuelo. Recentemente a CBV anunciou o acordo com a marca para o fornecimento e comercialização dos uniformes das seleções e das duplas brasileiras pelo mundo.
Ao Estadão, o Banco do Brasil disse que não vai se manifestar porque não recebeu “qualquer ofício até o presente momento”. A CBV não quis dar nova posição além do comunicado já publicado na terça-feira.
INCERTEZAS
As punições aplicadas à CBV podem afetar as seleções brasileiras de vôlei. Existe o risco de que o Brasil não jogue, por exemplo, o Pré-Olímpico e, por consequência, fique fora da Olimpíada de Paris. A CBV afirmou que as sanções vão impedir, segundo a entidade, a participação das seleções brasileiras nos Jogos Pan-Americanos deste ano, em Santiago, no Chile. Além disso, as equipes nacionais de base da modalidade passam a não saber se conseguirão disputar os mundiais de cada categoria e as duplas do vôlei de praia não têm certeza se jogarão as etapas do circuito mundial.
“A decisão do CECOB prejudica gravemente a preparação do vôlei brasileiro para os Jogos Olímpicos de Paris-2024, e impede a participação das equipes nos Jogos Pan-Americanos, nos Mundiais de base e nas etapas do Circuito Mundial de vôlei de praia”.
Em tese, suspensa, a CBV passa a ser proibida de inscrever jogadores nas competições que definem os classificados para a Olimpíada do próximo ano. Estes torneios serão disputados entre setembro e outubro deste ano. “A CBV garante que empenhará todo o seu esforço e seus recursos para manter a preparação dos atletas, de quadra e de praia, para estas importantes competições”, disse a confederação.
Do ponto de vista legal, a participação brasileira no Pré-olímpico deste ano está em risco. “O risco existirá e será ainda maior caso a decisão do COB encontre respaldo e apoio junto dos órgãos internacionais, se o COI e FIVB entenderem que as punições dadas pelo Conselho de Ética do COB é correta”, considera Higor Maffei Bellini, advogado mestre em direito esportivo. Contudo, eventuais efeitos suspensivos podem modificar o cenário.
O QUE DIZEM OS JURISTAS SOBRE A DECISÃO DO COB
Após a divulgação da decisão do COB sobre o caso Wallace, a reportagem do Estadão buscou contato com especialistas da área desportiva para entender a nova posição da entidade mediante os fatos. Para os juristas, a medida tomada pelo órgão ligado à entidade máxima do esporte olímpico no País não tem embasamento legal.
“Está tudo errado neste caso. A decisão do CECOB é teratológica. Ela desrespeita todos os princípios do esporte e usurpa a competência que seria da justiça desportiva”, opina Maurício Corrêa da Veiga, advogado especializado em direito desportivo e professor do Master Diritto e Sport da Universita La Sapienza de Roma.
“O atleta foi autorizado a jogar pelo CBMA, que é o órgão arbitral, e por essas razões o conselho de ética não teria competência para aplicar todas essas sanções. Infelizmente isso pode gerar precedentes nefastos não só para o vôlei como para o esporte brasileiro, tendo em vista que as partes lesadas podem entrar na justiça comum, o que seria até legítimo visto tudo que foi imposto, isso poderia gerar consequências para todo ordenamento jurídico. É inédito na justiça desportiva o que o COB fez”, acrescenta Veiga.
Para Higor Maffei Bellini, a decisão do CECOB está “em desacordo com o sistema jurídico desportivo” pois Wallace já havia tido duas decisões anteriores vindas do STJD e do Centro de Mediação e Arbitragem (CBMA) que davam condição de jogo para o atleta, ou seja, ele disputou as finais com “autorização jurídica de dois órgãos que têm a competência para analisar a decisão”.
Pablo Arruda, especialista em direito esportivo, afirma que a medida dos conselheiros é ilícita porque oferece nova punição ao atleta “sem indicar qual novo ato de ilícito ético teria incorrido”. “Ao contrário, a decisão traz todos os fatos narrados na decisão de 2 de abril, em que o atleta recebeu suspensão de 90 dias, gerando o que parece ser uma dupla punição em relação ao mesmo ato”, avalia.
De acordo com os juristas consultados, segundo as leis da justiça desportiva brasileira, o único órgão apto para suspender todo e qualquer atleta de suas funções dentro de quadra é o Superior Tribunal de Justiça Desportiva da modalidade. No caso Wallace, o STJD, em um primeiro momento, se declarou incompetente para julgar o caso, por se tratar de um acontecimento fora do ambiente esportivo e de competição, mas depois deu condição de jogo ao atleta por meio do mandado de garantia.
CAMINHOS NA JUSTIÇA
A decisão publicada pelo COB na última terça-feira já tem validade no universo olímpico. De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão, a CBV e o jogador Wallace podem seguir por dois caminhos para buscar reverter a situação. O primeiro deles é levar o caso para a Justiça comum, o que pode resultar numa solução mais rápida, dependendo do que for pedido pela defesa de ambos. Isso porque o juiz de direito que receber o caso já vai ter conhecimento da lei e terá apenas que se inteirar sobre o caso.
As defesas podem ir para o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), na Suíça. Neste caso, por conta da parte de formação de corte arbitral, pode levar mais tempo, mas lá não existe recurso para o caso. No entanto, na justiça nacional, o caso poderá ter recurso em cima de recurso e isso estenderia o desfecho.
Independentemente do caminho escolhido pelas partes lesadas pela decisão do COB - Wallace e CBV - as fontes ouvidas pela reportagem não acreditam que o caso deva se estender por muito tempo na Justiça comum em razão do periculum in mora (perigo da demora).
No direito, algumas vezes, as decisões são aceleradas se uma das partes for prejudicada pela demora da decisão. Neste caso, é visível que a CBV pode sofrer com a falta de repasse e com isso as seleções poderiam ser alijadas das competições e, o mais prejudicial, dos Jogos Olímpicos de Paris.
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